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1. PERCURSOS E PERCALÇOS DA PESQUISA

1.2 A PEDRA NO CAMINHO? COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA COM SERES HUMANOS

1.3.1 Gerência de Atenção à Saúde da População Negra da Prefeitura do Recife

A gerência de saúde da população negra funciona no prédio da Prefeitura do Recife, no 13º andar, está ligada à Secretaria Municipal de Saúde. A sala onde esta funciona é compartilhada com mais três gerências: a da Saúde da Mulher, do Adolescente e Tabagismo. O espaço é pequeno, cada gerência tem a sua disposição uma mesa redonda com quatro cadeiras, dois computadores e dois armários que são insuficientes para guardar os materiais expostos nas mesas, provocando-lhe um ar de desorganização. Numa antessala, um birô e um computador são disponibilizados para todas as gerências; a sala de reunião, com espaço para dez pessoas, que também serve como depósito de material informativo. Os trabalhos são desenvolvidos por uma gestora/gerente, uma técnica e uma estagiária.

A primeira vez que estive na gerência foi em busca de informação sobre o seu funcionamento. Procurei a prefeitura e fui encaminhada à Diretoria da Igualdade Racial da Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadã. Expliquei meus objetivos, porém teria que realmente me dirigir à gestora da gerência da área de saúde, Miranete Arruda que, naquele momento, encontrava-se em férias. Na ocasião, fui informada das atividades da Secretaria, tais como as das Conferências da Igualdade Racial e a do Programa de Combate ao Racismo Institucional. A pessoa que me atendeu assim se expressou: você vai observar em sua pesquisa o quanto de racismo existe nas instituições de saúde. É bom que você pesquise mesmo sobre isso. A gente aqui fica sabendo de cada caso.

Novamente precisei esperar que a gestora voltasse de férias. No entanto, como mencionado anteriormente, ela ligou para mim, querendo saber algumas informações do projeto antes de aprová-lo. Comentou que eu estava com sorte, pois o AG/orientação genética estava sendo abordado pelo Ministério da Saúde e que vem realizando oficinas em vários estados para discutir a questão; preparava um manual de Informação e Orientação Genética em Herança Falciforme. Reforçou que, para preparar esse material, o Ministério contou com

a consultoria da antropóloga Débora Diniz e de Cristiano Guedes, especialista em aconselhamento genético e doença falciforme. Dessa forma, consoante Miranete, “eles trouxeram a abordagem da bioética para a questão”.

Outro assunto abordado foi a sua participação na Conferência Mundial sobre Doença Falciforme na França. Ela preparava sua apresentação intitulada, “A doença falciforme numa sociedade multiétnica: o exemplo do Brasil”, na qual enfocaria não só a formação da nacionalidade brasileira composta por três matrizes étnicas e raciais, índio, branco e negro, como também o exemplo de assistência da Prefeitura do Recife à doença falciforme. A política de saúde para pessoas com doença falciforme no Brasil é exemplo para outros países. Assim, aos poucos, eu ia percebendo que esse assunto extrapolava as fronteiras nacionais. E, novamente, na história brasileira, a formação “multiétnica” era palco para se pensarem ações, políticas antirracistas, como veremos ao longo desta tese.

Miranete Arruda esteve presente na elaboração e implementação do Programa de Anemia Falciforme (PAF) e da Política de Saúde para População Negra do Recife. Ela é uma espécie de agente catalizador responsável pela articulação política, não é por acaso que o programa da cidade do Recife é modelo para o Ministério da Saúde e para outros países. A demanda para criação de uma política específica para população negra veio do Movimento Social Negro, mas Miranete teve papel de destaque na articulação com a Prefeitura, na gestão do Partido dos Trabalhadores. Para ela, a política foi um compromisso de campanha. Aqui, política, raça e saúde se fundem de forma que, não conseguimos atribuir as iniciativas de formulação da política de saúde apenas a um ator, mas a ator-rede21.

A gerência se responsabiliza pela mobilização de outros setores da saúde voltados para atendimento da saúde da população negra. Atua nos Distritos Sanitários, através das Gerências Operacionais de Atenção à Saúde (GOAS) que possui uma coordenação voltada para saúde da população negra, responsável pela implementação da política. É ela que está em contato direto com a atenção básica e as unidades especializadas. As ações da gerência referem-se a capacitações, treinamentos para profissionais de saúde nas unidades do Programa de Saúde da Família (PSF), nos laboratórios, nas policlínicas e nas faculdades de medicina. Ainda realiza encontros, seminários sobre autocuidado em doença falciforme para profissionais e comunidades religiosas de matriz africana. Confecciona folder, banner e cartilhas sobre quesito raça cor, saúde da população negra, teste do pezinho e gravidez em mulheres com doença falciforme.

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O ator-rede para Latour (1990) possui como atividade cooptar novos elementos para dentro de sua rede reconstruindo-a constantemente através de fluxos, circulações, de alianças.

Dentre essas ações, destaco o I e II Encontro Nacional de Mulheres com Doença Falciforme, em 2009 e 2012, em que foram discutidas diretrizes que balizaram o Ministério da Saúde, no cuidado com as mulheres falciforme. Estiveram presentes representantes de todos os estados brasileiros, gestores e entidades que trabalham com pessoas com doença falciforme. Em pauta estavam discussões sobre a vida reprodutiva, gestação, parto e climatério. Como resultado, saiu um documento enviado ao MS e aos estados. Em declaração à imprensa, Miranete afirmou:

As ações direcionadas para a assistência à doença falciforme formam o eixo condutor das nossas estratégias de saúde desde 2001, muito antes mesmo de o Ministério da Saúde publicar uma portaria normatizando o conteúdo, o que ocorreu somente este ano (2009). O Recife é um dos pioneiros nessa proposta e, atualmente, é referência no assunto, assim como Salvador, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, que também possuem experiência acumulada na área.22

Ainda na mesma reportagem, a referida responsável expõe as ações da Prefeitura do Recife com destaque para o Aconselhamento Genético.

O Programa de Anemia Falciforme foi instituído em 2001 e, desde então, com a implantação do Programa de Atenção à Saúde da População Negra, em 2006, vem trabalhando com o intuito de diagnosticar precocemente e acompanhar os casos que chegam à rede de saúde municipal. A Prefeitura do Recife oferece, nas três maternidades do município, o teste do pezinho, que identifica precocemente a doença. Por sua vez, o Laboratório Municipal de Saúde Pública realiza o exame de eletroforese da hemoglobina, capaz de identificar a hemácia falciforme. Além dessas ações, a Saúde do Recife oferece assistência especializada nos laboratórios de hematologia das policlínicas Albert Sabin, Lessa de Andrade e Agamenon Magalhães. A assistência se traduz em aconselhamento genético para pessoas que têm comprometimento parcial de hemoglobina, mas não desenvolve a doença. Ele serve para orientar os portadores de traço falciforme sobre o futuro reprodutivo, já que os filhos podem nascer com a doença caso pai e mãe apresentem o gene falciforme.23

Outro evento, de grande importância para minha pesquisa, ocorrido em Recife, foi a Oficina de Orientação e Informação Genética em Herança Falciforme. Esta reuniu profissionais de hemocentros, laboratórios, hospitais de referência em doença falciforme,

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Entrevista de Miranete Arruda. Disponível em

<http://www.recife.pe.gov.br/2009/06/17/encontro_discute_doenca_falciforme_em_mulheres_167216.php>. Acesso em 14.08.2010.

23Entrevista de Miranete Arruda. Disponível em

<http://www.recife.pe.gov.br/2009/06/17/encontro_discute_doenca_falciforme_em_mulheres_167216.php>. Acesso em 14.08.2010

APPAH e mulheres de terreiro de Salvador, Fortaleza, Recife, Campina Grande e João Pessoa, além de gestores públicos.

Como pode ser visto, o aconselhamento/orientação genética tem sido uma das prioridades do Ministério da Saúde e da Política de Atenção Integral à Pessoa com Doença Falciforme. No Recife, a gerência de saúde da população negra implantou a orientação genética nos ambulatórios de hematologia sediados nas Policlínicas. Entretanto, nessas unidades o serviço é destinado apenas para pessoas com traço falciforme. A orientação genética para quem possui a doença é realizada no centro especializado, o HEMOPE. Esses foram os espaços percorridos, em busca de entender como se dá esse aconselhamento. Miranete me abriu muitas portas, indicou pessoas chaves nos ambulatórios e, principalmente, me convidou-me para participar do Grupo de Trabalho Sobre a Saúde da População Negra, espaço onde conheci muitos gestores e profissionais de saúde. Foi a participação neste GT que me possibilitou entender a estrutura de funcionamento da Secretaria de Saúde, as estratégias adotadas e o acompanhamento das ações. É sobre esse grupo que falarei agora.