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2.4 Limita¸c˜oes

3.1.3 O gerativismo de Chomsky

Chomsky observa o funcionamento da lingu´ıstica estruturalista sobre os conjuntos restritos de fonemas e morfemas, bem como as limita¸c˜oes de sua aplica¸c˜ao na ca- racteriza¸c˜ao das senten¸cas de uma linguagem [44]. Ele critica a vis˜ao da langue saussuriana como um “armaz´em de signos” [41, 45] e argumenta que o sistema de diferen¸cas de Sausurre n˜ao funciona para um conjunto de senten¸cas em uma lingua- gem qualquer, que usualmente podem existir em n´umero infinito. Segundo Chomsky, falta no trabalho de Saussure uma defini¸c˜ao formal do conhecimento gramatical que possa explicar justamente essa criatividade de um falante, i.e., sua capacidade de produzir elocu¸c˜oes “bem formadas” e nunca antes proferidas. Bloomfield explica esse fenˆomeno utilizando-se de “padr˜oes gramaticais” por meio dos quais uma nova frase nunca antes ouvida ´e constru´ıda com a substitui¸c˜ao, por analogia, das formas similares que foram ouvidas [42]. Chomsky, por sua vez, vai al´em ao pensar essa capacidade da linguagem como sendo inata ao ser humano5.

Segundo o gerativista, o homem j´a apresentaria, em seu c´erebro, o conjunto das ferramentas necess´arias para exercer a faculdade da linguagem em todo seu potencial criativo, i.e., o homem n˜ao seria capaz somente da interpreta¸c˜ao e da repeti¸c˜ao (sob a presen¸ca ou na ausˆencia dos est´ımulos behavioristas), mas tamb´em conseguiria, a partir de estruturas gramaticais internas, gerar novas senten¸cas. Dessa forma, diferente de Saussure e de Bloomfield, o pai do gerativismo n˜ao considera a l´ıngua um constructo social ou comportamental, pelo contr´ario: ela seria, sobretudo, a express˜ao do pensamento6. Percebe-se, assim, o car´ater racionalista da teoria

gerativa que ele ir´a propor, e ´e por isso que Chomsky vai atr´as de uma an´alise de aspecto sint´atico, superando os n´ıveis fonol´ogico e morfol´ogico de interesse do estruturalismo [46].

Para Chomsky, o desenvolvimento da linguagem nos seres humanos ´e um tra¸co gen´etico e programado do pr´oprio desenvolvimento humano, assim como o que de- termina que desenvolvamos bra¸cos e pernas, n˜ao asas ou patas. A linguagem e o conhecimento gramatical n˜ao s˜ao “aprendidos” especialmente por meio de est´ımulos

5Chomsky tamb´em identifica outros elementos sem tratamento adequado no estruturalismo.

Em [46], esses elementos s˜ao resumidos em: (1) interdependˆencia entre constituintes descont´ınuos; (2) estruturas amb´ıguas; (3) estruturas formalmente distintas, mas semanticamente similares.

6Esse conceito est´a expresso no estruturalismo, mas ali admite um car´ater secund´ario e n˜ao

do ambiente em que um indiv´ıduo esteja inserido. S˜ao aspectos inatos, aos quais o ambiente s´o contribui como um guia. ´E por causa desse mecanismo que se observam regras gramaticais t˜ao intuitivas que um falante nativo n˜ao precisa “pensar” para diferenciar constru¸c˜oes corretas das incorretas gramaticalmente.

Chomsky ir´a propor a existˆencia de uma “gram´atica universal” [45], presente em todo ser humano e que d´a origem, “superficialmente”, `as gram´aticas particulares dos diferentes idiomas nativos. Diz o gerativista: “a gram´atica de uma linguagem particular, ent˜ao, ´e complementada por uma gram´atica universal que acomoda o aspecto criativo do uso da linguagem e expressa as regularidades profundas que, sendo universais, s˜ao suprimidas da gram´atica [particular]” [45]. Esse mecanismo “pr´e-programado” guarda consigo os princ´ıpios comuns a todas as linguagens e ´e, portanto, a base para a aquisi¸c˜ao de um idioma.

A capacidade das crian¸cas de aprender qualquer linguagem `a qual forem expos- tas (isto ´e, de adquirir qualquer l´ıngua materna) ´e um exemplo que fortalece essa teoria proposta por Chomsky, i.e., uma crian¸ca n˜ao est´a predisposta a aprender um linguagem em detrimento de outra [45]. Segundo Chomsky, os processos internos em uma crian¸ca s˜ao acionados de forma a desenvolver nela uma linguagem `a medida que os dados dessa mesma linguagem — exemplos de senten¸cas — forem apresen- tados a ela, sempre em acordo com a sociedade na qual ela se encontra. Para ele, “a crian¸ca aborda os dados assumindo que eles foram tirados de uma linguagem de um tipo previamente bem definido, e seu problema ´e determinar qual das lingua- gens (humanamente) poss´ıveis ´e essa da comunidade na qual ela est´a inserida” [45], tomando por base as regras universais. Somente dessa forma, o conhecimento ar- mazenado no que Chomsky denomina “´org˜ao da linguagem” poderia extrapolar os dados lingu´ısticos observados e ser mais do que apenas uma generaliza¸c˜ao indutiva sobre esses dados.

Em seus escritos, Chomsky introduz o conceito de “competˆencia” lingu´ıstica, que representa o conhecimento que o falante tem de sua pr´opria l´ıngua e que precede seu emprego em situa¸c˜oes concretas (o que ele ir´a denominar “desempenho”)7.

Regras de substitui¸c˜ao

Em “Aspects of the Theory of Syntax ” [45], Chomsky escreve: “o conhecimento de uma linguagem envolve a habilidade impl´ıcita de compreender continuamente muitas senten¸cas”. Uma gram´atica, portanto, precisa ao mesmo tempo conter um sistema finito de regras e ser capaz de atender ao aspecto criativo da linguagem ou, nas palavras de Chomsky: “um sistema de regras que possa iterar para gerar um n´umero indefinidamente grande de estruturas” [45].

7Os conceitos de competˆencia e desempenho admitem um paralelo com os conceitos de langue

Chomsky lida com essa aparente dificuldade representando as regras gramaticais como fun¸c˜oes recursivas ou ainda regras de substitui¸c˜ao8. Assim, no paradigma

gerativo–transformacional, ´e o conjunto limitado de regras recursivas que permite descrever a infinidade de senten¸cas de uma linguagem, de maneira similar a um falante da l´ıngua que apresenta a capacidade de compreendˆe-las mesmo que nunca as tenha formulado ou ouvido previamente [38]. O poder das regras recursivas faz reduzir enormemente a complexidade das gram´aticas na teoria de Chomsky [38].

A cria¸c˜ao de sequˆencias em uma gram´atica gerativa se d´a atrav´es da deriva¸c˜ao das regras de substitui¸c˜ao, assim chamadas porque, em cada regra, s´ımbolos do lado esquerdo s˜ao substitu´ıdos por outros no lado direito [7, 38]. Chomsky diferencia trˆes grandes partes do sistema de regras de uma gram´atica gerativa: a compo- nente sint´atica, a componente semˆantica e a componente fonol´ogica. A componente sint´atica, em um n´ıvel abstrato, descreve a estrutura, as propriedades e a rela¸c˜ao entre os diferentes s´ımbolos formativos da linguagem. As componentes semˆantica e fonol´ogica s˜ao interpretativas e tratam, respectivamente, da representa¸c˜ao semˆantica e da forma fon´etica que as senten¸cas assumem a partir das formula¸c˜oes das estruturas sint´aticas. Segundo Chomsky, portanto, a componente sint´atica de uma gram´atica especifica, para cada senten¸ca, “uma estutura profunda (deep structure) que deter- mina sua interpreta¸c˜ao semˆantica e uma estrutura superficial (surface structure) que determina sua intepreta¸c˜ao fon´etica” [45]. Por exemplo, Chomsky avalia a diferen¸ca de ora¸c˜oes na voz ativa (e.g., “o professor reprovou o aluno”) e na voz passiva (e.g., “o aluno foi reprovado pelo professor”) como sendo resultante, principalmente, de uma diferen¸ca na deriva¸c˜ao das regras superficiais; as estruturas profundas das duas senten¸cas seriam similares [45].

Ademais, Chomsky divide as pr´oprias regras de substitui¸c˜ao em dois grupos: (1) a base e (2) as regras de transforma¸c˜ao. As regras da base definem as senten¸cas em suas estruturas profundas enquanto as regras de transforma¸c˜ao levam `a deriva¸c˜ao das estruturas superficiais, i.e., `as elocu¸c˜oes que s˜ao observadas nas suas diferentes formas (e.g., voz passiva ou ativa, imperativo). Dessa forma, uma gram´atica gera- tiva utiliza as regras de substitui¸c˜ao para transitar das estruturas mais profundas em dire¸c˜ao `as estruturas superficiais [7]. ´E evidente que uma an´alise de constituintes imediatos de uma senten¸ca e seus formantes ´e capaz de fornecer informa¸c˜oes impor- tantes sobre a estrutura superficial desta senten¸ca. Contudo, essa mesma an´alise n˜ao contempla as especificidades da estrutura profunda, e.g., em uma an´alise de cons- tituintes, palavras de mesmo campo semˆantico ou de igual valor sint´atico podem ser separadas em classes diferentes. Assim, uma an´alise de constituintes imediatos apenas n˜ao permite a compara¸c˜ao das regras sint´aticas mais basais aplicadas na de- riva¸c˜ao da senten¸ca. O estudo das gram´aticas gerativas possibilita perscrutar o que

Chomsky denomina “universais lingu´ısticos” e lan¸ca luz sobre as estruturas internas e a competˆencia humana da linguagem. Por essas e por outras raz˜oes, o trabalho de Chomsky ficou conhecido por revolucionar a ´area da lingu´ıstica9. Para ele, o

objetivo da lingu´ıstica deve ser justamente esse: mais do que se ater `a an´alise do de- sempenho do falante, descrever as estruturas internas de competˆencia, respons´aveis por gerar as diferentes elocu¸c˜oes por meio do conjunto de regras recursivas [45].