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2.4 A Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa

2.4.6 Gerenciamento de Resultados via Provisão

De acordo com Cohen e Zarowin (2007), as regras contábeis conferem aos gestores a possibilidade de utilização da discricionariedade e do julgamento na preparação das demonstrações contábeis. Nesse sentido, é facultada aos gestores a utilização do seu conhecimento e da sua expertise no negócio visando selecionar os métodos, as estimativas e as evidenciações contábeis que entenderem mais apropriados, fazendo aumentar o valor da informação contábil como uma forma de comunicação. O problema é quando esses gestores encontram incentivos para transmitir informação em benefício próprio, escolhendo métodos e estimativas contábeis que não refletem adequadamente as condições econômicas subjacentes da empresa, o que acaba por confundir os usuários dessas informações contábeis.

Para Cohen e Zarowin (2007), essa discricionariedade da informação contábil pode ser tanto maximizadora de valor como oportunista, abrindo espaço para o que se convenciona chamar de “gerenciamento de resultados”.

O gerenciamento de resultados ocorre quando os

administradores usam julgamento sob a informação financeira e sobre as atividades operacionais para alterar informações financeiras, ou iludir alguns investidores sobre o desempenho econômico da companhia, ou para influenciar resultados contratuais que dependem dos números contábeis informados.

(HEALEY & WALEY, 1999 apud PAULO, 2007, p.48) Segundo Paulo (2007), a abordagem positiva da Contabilidade trata esse processo de manipulação das informações contábeis sob duas perspectivas: a primeira é a oportunística, que engloba as situações em que os gestores tentam enganar os investidores, e a segunda é a informacional, em que a discricionariedade gerencial é uma forma de os gestores revelarem aos investidores as suas próprias expectativas em relação aos fluxos de caixa futuros da empresa.

Outros termos são utilizados para denominar a prática discricionária dos gestores em relação às informações contábeis. A suavização de resultados (income smoothing) é uma expressão que traduz o gerenciamento de resultados praticado com o objetivo de reduzir a variabilidade dos resultados apresentados pela contabilidade. Segundo

Martinez (2001, p. 43), “o propósito é manter os resultados em determinado patamar e evitar a sua excessiva flutuação”. Por outro lado, o big bath accounting é uma forma de gerenciar resultados através da redução dos lucros correntes em prol do aumento dos lucros futuros. Paulo (2007) cita ainda a maquiagem de demonstrações contábeis (window dressing) como outra denominação utilizada para designar o gerenciamento de resultados.

Cohen e Zarowin (2007) afirmam ser consenso geral a classificação das práticas de gerenciamento de resultados em três categorias: (i) motivações do mercado de capitais; (ii) arranjos contratuais; e (iii) impacto e influência sobre terceiros.

Segundo Cohen e Zarowin (2007), o gerenciamento de resultados pode ser alcançado tanto por meio da manipulação de accruals4 como por meio de transações reais (como, por exemplo, a redução de gastos com pesquisa e desenvolvimento).

Refletindo agora sobre o papel da provisão para créditos de liquidação duvidosa como instrumento de gerenciamento de resultados, é sabido que neste caso a prática acontece por meio da manipulação de accruals. De acordo com Martinez (2001), no momento em que a contabilidade faculta ao gestor a prerrogativa de fazer escolhas contábeis, este não se restringirá ao que prediz o fato contábil em si, mas poderá também fazer uso de variáveis exógenas, que também influenciarão tal decisão. É nesse contexto que o autor enquadra a provisão para créditos de liquidação duvidosa, cuja definição de valor levará em conta outros aspectos além da qualidade do crédito que está sendo objeto de cotejo.

Para Bushman e Williams (2012), a provisão para perdas em operações de crédito é uma escolha contábil chave que influencia diretamente a volatilidade e a ciclicalidade dos lucros dos bancos, bem como as propriedades das informações evidenciadas em suas demonstrações financeiras no que diz respeito a refletir os atributos de risco das carteiras de empréstimos dessas instituições.

Para Gray e Clarke (2004), a provisão para créditos de liquidação duvidosa é considerada o principal veículo para a prática de gerenciamento de resultados por parte dos bancos comerciais. Por representar um encargo sobre o lucro e também pelo fato de a qualidade de uma carteira de empréstimos não poder ser determinada com precisão

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De acordo com Martinez (2001, p. 29), “na literatura internacional, a diferença entre o lucro líquido e o fluxo de caixa líquido é conhecido como accruals. Ou seja, as acumulações (accruals) seriam todas aquelas contas de resultado que entraram no cômputo do lucro, mas que não implicam em necessária movimentação de disponibilidades”. Ainda segundo o autor, a expressão accruals, salvo melhor juízo, pode ser traduzida por “acumulação”.

através de critérios objetivos, a provisão tem sido apresentada como um potencial instrumento para a prática de gerenciamento de resultados.

Laeven e Majnoni (2004) também alertam para o fato de os bancos utilizarem a provisão para créditos de liquidação duvidosa para suavizarem os seus resultados. Segundo os autores, a vantagem da suavização de resultado é que ele reduz a volatilidade dos lucros reportados pelos bancos, diminuindo a possibilidade de tais instituições terem que consumir o seu próprio capital para honrar eventuais perdas em suas operações de crédito. Com uma suavização de resultado perfeito, os lucros não serão (ou serão menos) afetados pelas flutuações das perdas de crédito durante o ciclo. Esse objetivo é alcançado sempre que as provisões forem capazes de compensar a diferença entre as perdas de crédito realizadas e as perdas de crédito previstas, assumindo valores positivos durante as expansões econômicas e valores negativos durante as recessões. Nesse sentido, se as perdas reais excederem as perdas esperadas, os bancos costumam diminuir o nível de provisão acumulada no balanço patrimonial. Se ocorrer o inverso, ou seja, as perdas reais forem menores do que as perdas esperadas, os bancos tendem a constituir provisões adicionais.

Laeven e Majnoni (2004) afirmam, no entanto, que existe uma visão compartilhada por um grande número de profissionais da contabilidade no sentido de que a suavização de resultados tem conotações negativas, pois introduz modificações na maneira de se avaliar o lucro de um banco, podendo reduzir a comparabilidade dos resultados dessas instituições e até prejudicar a própria riqueza do acionista.

Estudos como o de Cohen e Zarowin (2007) e Conrad et al. (2002) revelam que as empresas apresentam uma forte tendência de manipular os seus resultados para cima durante os períodos de expansão econômica, pois se a economia como um todo está apresentando uma performance positiva, os gestores certamente se sentirão pressionados a divulgar resultados favoráveis. Além disso, os gerentes que vierem a apresentar, nesses períodos de vaca gorda, um desempenho considerado fraco em relação ao dos seus concorrentes correrão um sério risco de verem as empresas que administram serem apenadas pelo mercado, em razão de o desempenho não estar indo de acordo com o esperado. De acordo com Conrad et al. (2002), a penalidade que o mercado aplica às notícias dando conta de resultados ruins em períodos de expansão econômica é muito maior do que quando o ciclo é estável ou descendente, o que faz com que os gestores

tentem de todas as formas evitar tal situação, podendo muitas vezes recorrer ao artifício do gerenciamento de resultados.

A realidade, no entanto, é que, na visão de Laeven e Majnoni (2004), os bancos têm motivos de sobra para a prática da suavização de resultados. Restrições de capital em razão de regras impostas pelo regulador; benefícios de natureza fiscal; sistemas de remuneração de executivos e preocupações com a própria quebra do banco são alguns desses motivos.

A análise do gerenciamento de resultados envolve, segundo Paulo (2007), a separação dos accruals em discricionários (que são artificiais e têm como objetivo somente a manipulação do resultado contábil) e não discricionários (que são inerentes às atividades da empresa). O componente discricionário seria, portanto, uma proxy do gerenciamento de resultados de uma empresa. Segundo Paulo (2007), identificar o componente anormal dos accruals que compõem o resultado contábil é o caminho comumente utilizado para avaliar a existência de gerenciamento de resultados. Cohen e Zarowin (2007) afirmam que a maioria dos estudos envolvendo gerenciamento de resultados costuma utilizar a métrica dos accruals anormais baseada no modelo cross- sectional de Jones (1991) ou uma de suas derivações.