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A Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa e a sua Relação com os Ciclos

2.4 A Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa

2.4.5 A Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa e a sua Relação com os Ciclos

Segundo Bikker e Metzemakers (2004), é consensual o entendimento de que um ciclo econômico ascendente, com lucros crescentes, represente um indicador da existência de condições mais favoráveis para as empresas. Nesse cenário, a probabilidade de perdas em empréstimos se reduz, sendo pacífico o entendimento de que a recessão trará efeitos opostos. Dessa forma, espera-se que tais condições se vejam refletidas nas decisões tomadas pelos bancos, seja pela redução das provisões durante as expansões econômicas, seja pelo aumento das provisões durante os períodos de crise.

Para Bikker e Metzemakers (2004), as condições favoráveis de um período de expansão econômica acabam provocando um excessivo aumento no nível de empréstimos e uma avaliação menos crítica do risco envolvendo essas operações, com impacto nos níveis de provisão.

Allen e Saunders (2003) enfatizam ser quase axiomático que a inadimplência e a ocorrência de créditos problemáticos se multipliquem em períodos de estresse econômico. Para os autores, como a concretização dos problemas de crédito é ex post, o que se desenha são claros padrões pró-cíclicos – com tais problemas aumentando durante as recessões e diminuindo durante as expansões econômicas.

Considerando-se que a provisão contempla aspectos de natureza subjetiva, visto que envolve julgamentos relacionados à provável extensão das perdas a serem verificadas na carteira de empréstimos dos bancos, entende-se que os gestores dessas instituições se valham de alguma discricionariedade para definir os níveis apropriados de provisão para crédito de liquidação duvidosa. Assim, o uso discricionário da provisão é frequentemente associado à prática de gerenciamento de resultado (BIKKER e METZEMAKERS, 2004). Dessa forma, os bancos podem, por precaução, reservar mais recursos nos períodos de “vacas gordas” com o intuito de utilizá-los nos períodos de “vacas magras”, apresentando um resultado constante e consistente ao longo dos anos. Esse é um tipo de prática que pode contribuir para a redução do efeito pró-cíclico das provisões nos empréstimos bancários. Bouvatier e Lepetit (2006) também advogam que o componente discricionário da provisão decorrente de um processo de gerenciamento de resultado seja capaz de reduzir a pró-ciclicidade dos empréstimos bancários.

De acordo com Misina (2009), a parcela de contribuição da provisão para a pró- ciclicidade do capital está diretamente relacionada ao timing das provisões em relação ao ciclo econômico e do impacto da provisão no capital. Essa relação depende, portanto, do momento em que as provisões são constituídas em relação à ocorrência efetiva dessas perdas.

Khoury (2009) reforça o entendimento de Misina (2009) ao afirmar que o tratamento contábil das provisões causa um efeito pró-cíclico nos empréstimos por causa do atraso no reconhecimento do risco de crédito e das perdas dele decorrentes.

Misina (2009) entende haver duas visões no que se refere ao timing de constituição da provisão: a primeira refere-se à provisão feita com base em perdas realmente incorridas. Nesse caso, o tempo das perdas e das provisões coincide, sendo esse o que se pode chamar de “ponto de vista contábil”.

A outra visão é o da perda esperada, em que se tem a constituição da provisão com base na qualidade do crédito concedido. Nesse caso, o rating de crédito, a probabilidade de default e o escore de crédito são elementos determinantes para a sua constituição, sendo esse o ponto de vista do regulador do sistema financeiro. Nesse caso, o tempo das provisões e das perdas não coincide, sendo que o tempo das provisões antecede o tempo das perdas.

Bouvatier e Lepetit (2006) afirmam que o risco de crédito esperado tem origem no momento em que o empréstimo é concedido e não apenas durante o ciclo descendente, quando os problemas nos empréstimos são finalmente identificados. Para os autores, no entanto, o problema é que as perdas esperadas de crédito costumam encontrar-se subprovisionadas no momento em que o período de expansão econômica perde força, tendendo a um cenário de redução da atividade econômica. Nesse sentido, os bancos acabam tendo que constituir provisões tardias nas fases caracterizadas como recessão econômica.

Segundo Fillat e Montoriol-Garriba (2010), é justamente em função dos padrões contábeis correntes que as provisões para créditos de liquidação duvidosa são subestimadas nos ciclos de expansão econômica, contribuindo para o fenômeno da ciclicalidade. Os autores entendem, no entanto, que esse efeito pró-cíclico nos empréstimos pode ser combatido de duas formas: por meio da exigência de provisões genéricas ou por meio de requerimentos de capital anticíclicos.

A provisão genérica existe quando o valor total da provisão para perdas supera o montante das perdas específicas dos empréstimos considerados individualmente. O problema com relação à provisão genérica é, segundo Bouvatier e Lepetit (2009), o fato de os bancos não usarem métodos estatísticos robustos para calculá-la. Além disso, trata-se de um tipo de provisão que acaba oferecendo aos bancos a oportunidade de constituir provisões discricionárias, de modo a satisfazer objetivos gerenciais. Nesse sentido, a provisão genérica tem um caráter discricionário, diferentemente do que ocorre com a provisão específica.

Apesar das desvantagens mencionadas, a provisão genérica é capaz de trazer para o cálculo da provisão as expectativas favoráveis ou desfavoráveis em relação às condições econômicas futuras, podendo amenizar o efeito pró-cíclico nos empréstimos da provisão constituída sob o ponto de vista contábil.

A provisão específica, por outro lado, tem relação com as perdas esperadas individualmente identificadas, sendo definidas por regras contábeis específicas e calculadas com base na média da distribuição de perda da carteira de empréstimos. Segundo Bouvatier e Lepetit (2009), trata-se de provisão que tem relação direta com eventuais problemas identificados nos empréstimos, indicando que as provisões para perdas são negativamente afetadas pela taxa de crescimento da economia. Nesse sentido, Bouvatier e Lepetit (2009) consideram as provisões específicas como os principais determinantes das alterações verificadas no total das provisões para perdas em operações de crédito.

Vale ressaltar que a provisão com base em perdas incorridas constitui-se num sistema que se costuma classificar de backward-looking, ou seja, são eventos passados que determinam qual o valor da provisão a ser constituída. Por outro lado, a provisão com base em perdas esperadas tem caráter forward-looking, em que as expectativas futuras de perda ditam o nível de aprovisionamento a ser adotado pelas instituições financeiras. Esse aspecto temporal no processo de constituição da provisão faria toda a diferença no que diz respeito à característica pró-cíclica ou anticíclica da provisão.

Cortavarria et al. (2000) também atribuem o efeito procíclico da provisão para créditos de liquidação duvidosa à adoção do critério ex-post, cuja característica é a definição do nível de provisão com base em eventos passados. Dessa forma, a queda das taxas de default em períodos de expansão econômica, por exemplo, acaba provocando a redução do valor das provisões constituídas pelos bancos, permitindo assim o pagamento de montantes mais elevados de dividendos e a adoção de uma política agressiva de concessão de empréstimos.

Assim, de acordo com os padrões contábeis estadunidenses (USGAAP), o objetivo da provisão para perdas em empréstimos e operações de arrendamento mercantil (ALLL) é a cobertura de perdas prováveis que já tenham sido incorridas (FILLAT e MONTORIOL-GARRIGA, 2010). Dessa forma, as provisões acabam sendo subestimadas nos momentos de crescimento econômico, pois as perdas incorridas em empréstimos são mais baixas do que a média de longo prazo. Os padrões contábeis do

USGAAP refletem somente as informações existentes até a data das demonstrações contábeis. Consequentemente, a ALLL é calculada com base nas condições econômicas correntes. Dessa forma, em razão de as regras contábeis vigentes proibirem mensurações forward-looking, a ALLL reflete o estado da carteira de empréstimos como ela muda dentro do ciclo econômico.

Os padrões internacionais de contabilidade do IASB também favorecem a adoção do critério ex-post, pois estabelecem que um ativo financeiro tenha o seu valor contábil reduzido se, e somente se, houver evidência objetiva de perda em razão de um ou mais eventos ocorridos após o reconhecimento inicial do ativo financeiro e desde que esse(s) evento(s) de perda provoque(m) um impacto, cujo valor possa ser estimado com segurança, nos fluxos de caixa futuros estimados do ativo financeiro. De acordo com o IAS 39, perdas esperadas decorrentes de eventos futuros, independentemente de sua natureza, não devem ser reconhecidas pela contabilidade.

Outra justificativa para o efeito pró-cíclico das provisões estaria no campo das finanças comportamentais. Como o mercado de crédito é imperfeito, os gestores dos bancos estariam sujeitos à chamada “racionalidade limitada”. Nesse sentido, autores como Jackson, Furfine, Groeneveld, Hancock, Jones, Lperraudin, Radechi e Yoneyama defendem que os gestores dos bancos são mais otimistas em períodos de expansão econômica, adotando políticas mais agressivas de concessão de crédito e subavaliando os riscos das operações (e, consequentemente, as provisões para perdas). Por outro lado, esses gestores se tornam exageradamente pessimistas durante as recessões, adotando uma postura bem mais conservadora em relação à concessão de empréstimos à medida que a qualidade dos créditos se deteriora, tendendo a estabelecer provisões em níveis superiores ao que se presume como necessário.

Ressalte-se, ainda, que as provisões afetam diretamente o custo de concessão de empréstimos. Dessa forma, de acordo com Bouvatier e Lepetit (2009), se os bancos não aumentarem as provisões durante as fases de expansão econômica, o custo dos empréstimos será subestimado e os bancos terão incentivos para afrouxar os seus padrões de crédito.

Berger, Kyle e Scalise (2001) advertem que os reguladores geralmente costumam ser mais tolerantes durante os ciclos econômicos favoráveis, o que também favorece o efeito pró-cíclico das provisões. No mesmo sentido, os supervisores

costumam ser mais vigilantes durante os períodos de recessão econômica, o que presume ter a supervisão uma natureza pró-cíclica.