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A pesquisa tem por foco um dos aspectos mais relevantes e controversos da contabilidade e que representa um dos pilares das ciências contábeis: a mensuração contábil. Em momentos de crise, o tema ganha ainda mais importância, em especial pelo fato de os critérios de avaliação contábil serem bastante questionados nesses períodos, pondo-se em dúvida, inclusive, a sua própria validade. A mais recente crise econômica é

um exemplo que reforça a necessidade de aprofundamento de estudos que relacionem o processo de avaliação contábil com os ciclos e cenários econômicos.

No que diz respeito especificamente às instituições financeiras, que representam o campo de estudo desta pesquisa, vale destacar o pronunciamento do Basel Committee on Banking Supervision (2008), onde se ressalta a importância da competência dos bancos na avaliação adequada dos seus ativos financeiros:

“Supervisors expect that a bank will have adequate capacity, including during periods of stress, to establish and verify valuations for instruments in which it engages. A bank is expected to have adequate capacity and capability to produce valuations and determine the appropriateness of valuations obtained from third-party pricing services.”2

Janson (2004) afirma que a avaliação da carteira de empréstimos é talvez a tarefa mais desafiadora para um banco, pois enquanto se entende ser inadmissível que um empréstimo de má qualidade tenha sido concedido, a cruel realidade só tem confirmado que toda e qualquer carteira de recebíveis contém créditos que nunca serão honrados.

A excessiva pró-ciclicidade da concessão de créditos pelos bancos pode ampliar as flutuações macroeconômicas, gerando assim instabilidade financeira. Para Kusano (2011), nos momentos de recessão econômica os bancos acabam deixando de lado o seu papel usual de absorvedores de choques econômicos para atuarem como amplificadores dos efeitos desses choques. Nesse sentido, o estudo da pró-ciclicidade torna-se especialmente importante nas instituições que atuam no setor financeiro.

De acordo com Caruana e Pazarbasioglu (2008), o fortalecimento dos padrões contábeis visando considerar suas implicações ao longo do ciclo econômico faz-se especialmente necessário por permitir a eliminação, ou pelo menos a redução substancial, das inconsistências em relação às práticas de gerenciamento de risco e às normas prudenciais.

Berger e Udell (2004 apud Bouvatier e Lepetit, 2009) alertam que uma excessiva ciclicidade do crédito bancário é capaz de provocar uma série de problemas, entre eles a

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Supervisores esperam que um banco terá capacidade adequada, inclusive durante períodos de estresse, para estabelecer e verificar mensurações para os instrumentos dos quais ele seja parte. Espera-se que um banco tenha adequada capacidade e competência para fazer avaliações e determinar se avaliações feitas por terceiros contratados pelo banco são apropriadas. Tradução livre do autor.

exacerbação do ciclo econômico, fato que não só aumenta o risco sistêmico como impede uma alocação mais eficiente dos recursos disponíveis para empréstimos.

Para Jackson (1999 apud Bikker e Metzemakers, 2004), uma queda do nível de atividade econômica tende a provocar uma deterioração da qualidade dos ativos dos bancos, fazendo crescer sua exposição ao risco e sujeitando-os a um maior nível de exigência de capital por parte dos órgãos reguladores, exatamente em um período em que o capital fica mais caro ou simplesmente se torna inacessível àquelas instituições financeiras mais debilitadas. Assim, as instituições financeiras se veem forçadas a cortar empréstimos, o que acaba se revelando um grande problema nos países em que o crédito é provido essencialmente por bancos, levando ao enfraquecimento das condições econômicas como um todo.

O tema de pesquisa é considerado atual, pois o assunto está sendo discutido no projeto conjunto do Fasb e do Iasb para a revisão dos procedimentos contábeis aplicáveis a perdas em empréstimos e tem sido alvo de permanente preocupação por parte dos supervisores bancários de todo o mundo dada a relevância da participação da carteira de empréstimos no ativo total das instituições financeiras e do risco de crédito envolvido nessas operações.

A questão central dos debates envolvendo a mensuração de empréstimos e recebíveis diz respeito às metodologias utilizadas para a constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa. Ludwig, que foi Chefe do “The Office of the Comptroller of the Currencys” (órgão responsável pela supervisão bancária nos Estados Unidos) no período de 1993 a 1998, advoga, no entanto, que a discussão envolvendo provisões para perdas em empréstimos e em operações de arrendamento mercantil pode tornar-se entediante, até mesmo para os executivos financeiros, quando a economia vai bem. No entanto, em momentos de crise, todos têm motivos para ficar entusiasmados com as discussões sobre as mudanças contábeis e regulatórias que têm afetado o nível das provisões constituídas pelos bancos americanos.

Ludwig é um dos que defendem que o modelo adotado pela Security Exchange Comission (SEC) e pelo Financial Accounting Standards Board (Fasb) no final dos anos 1990, que colocava um fim à prática de os próprios bancos constituírem provisões com base no julgamento que eles mesmos faziam sobre o comportamento da carteira de crédito no futuro, dando lugar à prática de justificar provisões com base em modelos

matemáticos baseados em experiências passadas, acabou sendo o embrião para os problemas hoje enfrentados pelo sistema financeiro em vários países do mundo.

A visão de Ludwig, publicada no American Banker, só vem reforçar a importância da realização de estudos envolvendo avaliação de operações de crédito em instituições financeiras.

Bouvatier e Lepetit (2009) afirmam que grande parte da literatura que trata da ciclicidade dos empréstimos bancários provê uma explicação apenas parcial do referido fenômeno, por não considerar as práticas de constituição de provisão para perdas em suas análises. Corroborando com os autores, Bikker e Metzemakers (2004) entendem que o debate envolvendo a pró-ciclicidade não tem dispensado muita atenção aos efeitos que a adoção de um determinado critério de provisão possa causar na economia.

Glen e Mondragón-Vélez (2011), responsáveis por um amplo estudo sobre os efeitos dos ciclos econômicos no desempenho da carteira de empréstimos dos bancos comerciais em países em desenvolvimento, ressaltam a existência de poucas pesquisas sobre o assunto em mercados emergentes, entre eles o Brasil.

Em decorrência do processo de convergência das normas contábeis brasileiras às normas internacionais de contabilidade, entende-se também oportuna a rediscussão dos dispositivos da Resolução nº 2.682, de 1999. Como o modelo adotado pelas instituições financeiras no Brasil apresenta-se como um modelo misto, pois contempla características do modelo de perda esperada e do modelo de perda incorrida, faz-se necessário investigar até que ponto a provisão para créditos de liquidação duvidosa constituída com base nesse modelo influencia os ciclos econômicos e se ela é capaz, por exemplo, de agravar cenários de crise.

Espera-se, dessa forma, que a pesquisa possa trazer as seguintes contribuições: a) Aprofundamento das reflexões acerca da provável relação existente entre os

critérios de mensuração contábil e os ciclos econômicos.

b) Discussão teórica das características e variáveis que devem apresentar os modelos voltados ao estudo da pró-ciclicidade dos critérios contábeis destinados à constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa em instituições financeiras.

c) Seleção de um modelo voltado à análise da relação entre a provisão para crédito de liquidação duvidosa e os ciclos econômicos, tomando-se por base a literatura revisada.

d) Aplicação do modelo com vistas à identificação da relação entre a provisão para créditos de liquidação duvidosa e os ciclos econômicos, considerando os diversos critérios contábeis voltados à constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa em bancos e levando em conta instituições de países distintos como o Reino Unido, a Espanha e o Brasil.

Entende-se que o caráter inovador da pesquisa decorre essencialmente de três circunstâncias: (i) a escassez de estudos acadêmicos da espécie voltados para a realidade brasileira; (ii) o fato de as principais pesquisas envolvendo o tema encontrarem-se defasados no tempo; (iii) a ausência de trabalhos que se proponham a avaliar a questão da ciclicidade tomando por base, de forma distinta e particular, cada modelo contábil destinado a disciplinar a constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa por parte dos bancos comerciais.