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1. INTRODUÇÃO

2.3 A GOVERNANÇA NA P2R2 EM EMERGÊNCIAS AMBIENTAIS COM

2.3.2 Governança e Relações Interorganizacionais

No final do século XX, o termo governança se popularizou entre as agências doadoras, cientistas sociais e a sociedade civil, devido a sua ampla aplicabilidade em questões relacionados ao gerenciamento de assuntos públicos e privados, destacando-se o papel do Estado (UNITED NATIONS, 2006). Originalmente, o termo possuía um entendimento associado ao debate político desenvolvimentista que se orientava por determinados pressupostos estruturais como, gestão, responsabilização, transparência e legalidade no setor público, necessários ao desenvolvimento de todas as sociedades, e apregoados por instituições como, a ONU e o Banco Mundial11 (KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

A governança entrou para o vocabulário popular possuindo diferentes significados que variavam de acordo como a percepção das pessoas sobre o papel do estado no sentido normativo e analítico12, e foi se diferenciando de acordo com

as áreas do conhecimento, como as relações internacionais, as teorias do desenvolvimento, a administração privada, as ciências políticas e a administração pública (KOOIMAN et al., 2008; SECHI, 2009).

11 No início da década de 90, o Banco Mundial definiu governança como a forma como o poder é

exercido na gestão dos recursos políticos, econômicos e sociais de um país para o desenvolvimento. Inicialmente o foco foram as reformas no funcionalismo público e as privatizações. No entanto, devido as crises econômicas percebeu-se que o problema era de natureza governamental, passando a orientar as políticas para a chamada “Boa Governança” pautada nos princípios da transparência, prestação de contas, eficiência, eficácia e economia no setor público. No âmbito do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a governança foi definida como “o exercício da autoridade econômica, política e administrativa para administrar os assuntos de um país em todos os níveis. Compreendendo os mecanismos, processos e instituições através dos quais cidadãos e grupos articulam seus interesses, exercem seus direitos legais, cumprem suas obrigações e mediar suas diferenças (UNITED NATIONS, 2006).

12 Segundo KOOIMAN et al. (2008) as abordagens normativas se vinculam mais as relacionadas ao

papel e a capacidade do Estado, onde os governos são vistos frequentemente como fracassados em atender a expectativas dos governados. As abordagens analíticas são aquelas em que a governança é vista como redes em diversas perspectivas.

No âmbito dos estudos sobre relações internacionais, por exemplo, a governança representa mudanças nas relações de poder e a transição do modelo Estado-nação que sempre atuou como agente principal, para um modelo colaborativo baseado em relações entre organizações públicas e privadas na solução de problemas coletivos internacionais (SECHI, 2009). Assim, a Governança, evidencia “o estabelecimento de mecanismos horizontais de colaboração para lidar com problemas transnacionais como tráfico de drogas, terrorismo e emergências ambientais (SECHI, 2009, p. 358).

A governança segundo Rhodes (1996, p. 652) representa “uma mudança no significado de governar; referindo-se a um novo processo de governar; ou a mudanças nas condições de ordenamento das regras; ou a um novo método por meio do qual a sociedade é governada”; onde não apenas o Estado, mas o mercado e a sociedade civil possuem um papel proeminente no governo das sociedades modernas tanto na esfera local como internacional (KOOIMAN et al., 2008).

A globalização13 econômica e a crise fiscal que afetou os países em de-

senvolvimento no final da década de 80 fizeram com que as agências internacionais de fomento pressionaram estes países para realizarem reformas14 políticas e admi-

nistrativas (BRESSER PEREIRA, 1998). Neste contexto, o modelo burocrático de administração tornou-se alvo de críticas e a administração pública gerencial (New

Public Management) e o Governo Empreendedor15 foram apresentados como alter-

nativas ao modelo burocrático, incorporando valores como, a produtividade e de- 13 A globalização possibilitou a diminuição dos custos de transportes e comunicações internacionais,

impulsionando o aumento do comércio mundial, dos financiamentos e dos investimentos das empresas multinacionais, repercutindo no aumento da competição internacional e uma reorganização da produção mundial. Assim, o mercado ganhou espaço e enfraqueceu as barreiras protetivas dos Estados nacionais, transformando a competitividade internacional numa condição crucial para o desenvolvimento econômico de cada país, o que causou uma perda relativa da capacidade e autonomia do Estado em formular políticas macroeconômicas e de isolar sua econômica da competição internacional (BRESSER PEREIRA, 1998).

14 Estas reformas tiveram como componentes básicos políticas sócio-liberais como, a redução do

tamanho e do grau de interferência do Estado na economia nacional; o aumento da governança do Estado por meio do ajuste fiscal e das reformas administrativas; e, o aumento da governabilidade, vista como o poder do governo de intermediar e tornar legítimos seus interesses no contexto de uma democracia representativa (BRESSER PEREIRA, 1998)

15 Segundo Sechi (2009), o livro Reinventando o governo, escrito por Osborne e Gaebler em 1992

inaugurou o estilo de gestão chamado “governo empreendedor”, inspirado na teoria da administração moderna e em ferramentas da administração privada, o qual fundamenta-se, dentre outros princípios, na harmonização de ações de diferentes agentes sociais na solução de problemas (governo catalisador), na descentralização administrativa, a competitividade, os resultados, a lógica do mercado, ganhos em aplicação financeiras e ampliação da prestação de serviços, e o atendimento das necessidades do cliente/cidadão.

sempenho, a descentralização, e a eficiência na prestação de serviços públicos (SE- CHI, 2009), consolidando “discursos e práticas derivadas do setor privado que pas- saram a orientar as organizações públicas em todas as esferas de governo (SECHI, 2009, p. 348)”.

A descentralização administrativa tornou-se um elemento comum nos pro- jetos de modernização do setor público, destacando-se seu potencial de aproxima- ção entre o público-alvo, os formuladores e executores e de aumentar os níveis de eficiência e efetividade da ação governamental. Além disso, o Estado deixou de ser o ente exclusivo para implementar atividades de interesse público e social, por meio da terceirização e prestação conjunta de serviços por organizações públicas e priva- das, e, por outro lado, houve um aumento na responsabilização social de empresas e instituições, assim como, uma maior preocupação com as questões sociais e am- bientais (TORRES, 2012).

A modernização do setor público visava responder a três problemáticas centrais: o de governabilidade, em razão do processo de globalização econômica; o financiamento do Estado moderno social, devido à crise fiscal e orçamentária das or- ganizações públicas; e, por fim, a questão da legitimidade da ação estatal, em face das mudanças de valores das sociedades modernas, e de suas expectativas em re- lação a um Estado eficiente a partir da possibilidade de engajamento e participação social. Diante deste cenário, a governança pública emerge como forma de reordenar o papel do Estado visando responder a estas problemáticas, por meio de novas for- mas de relacionamento entre o setor público, sociedade, e iniciativa privada. Assim, o Estado ativo, até então único produtor do bem público, passa também a garantidor da produção por meio da coordenação de outros atores, e extrapolar sua função de gestor, para um Estado que atua a partir de mecanismos de cooperação com outros atores (HEIDEMANN; KISSLER, 2006).

Sob esta perspectiva, a governança pública se torna um conceito chave para vários tipos de atividades coordenadas, tanto em organizações como setores, onde o Estado, o mercado, as redes sociais e comunidades passam a constituírem mecanismos institucionais de gestão e regulamentação, tendo como base a negocia- ção, a comunicação e confiança (KISSLER; HEIDEMANN, 2006). Mecanismos es- ses que se justapõem num processo participativo, público, de ajuste de conflitos, in-

teresses e demandas, propostas e soluções entre diversos atores, passando a for- mar a base para qualquer projeto de governança pública (BAPTISTA, 2017).

A governança nas relações entre o governo, o setor privado e as organizações civis têm sido discutida na literatura a partir de três formas: por meio da hierarquia, do mercado e das redes (PIRES; GOMIDE, 2016). A hierarquia representa princípios ou processos de integração e coordenação, ou formalização de estruturas, marcados por leis, normativas ou rotinas pouco flexíveis e criativas. O mercado sugere que as interações entre os atores se baseiam em trocas auto interessadas que se organizam em relações contratuais, as quais poderiam ser aplicadas às atividades de governo. Já as redes se caracterizariam por relações de interdependência, confiança, identidade, reciprocidade e compartilhamento de valores ou objetivos entre os atores. Para os autores estas três formas, embora estejam dissociadas, coexistem nas relações interorganizacionais.

Ao considerar que os municípios representam a estrutura estatal mais próxima do cidadão, Baptista (2017) pensa a governança local como a primeira es- trutura de governança pública, visto que a formação de redes em âmbito nacional depende de estruturas locais e do poder público municipal, devido a expertise dos agentes públicos e atores locais, e o conhecimento das instituições em relação aos serviços de interesse local e suas especificidades.

Para Kissler e Heidemann (2006, p. 482), a governança local pode ser compreendida como uma configuração regional da governança pública, é “uma for- ma autônoma (self-organizing) de coordenação e cooperação, por meio de redes in- terorganizacionais”, formada por organizações públicas e privadas. Nela as relações interorganizacionais se caracterizam pela prestação de serviços e o termo rede, nes- te caso é usado para descrever os vários atores interdependentes envolvidos no for- necimento destes serviços (KISSLER; HEIDEMANN, 2006).

Esta perspectiva compreende a governança como uma forma horizontal de relações entre os diferentes atores no processo de elaboração de políticas públi- cas; onde as redes segundo Rhodes (1996) seriam constituídas por organizações que necessitam trocar recursos, que incluem informações e expertise, para alcança- rem seus objetivos e maximizar resultados, de modo interdependente. Desta forma, as redes interorganizacionais podem ser vistas como “arranjos em que três ou mais

organizações (públicas, privadas ou não governamentais) colaboram para alcançar objetivos individuais e coletivos enquanto permanecem autônomas e interdependen- tes” (ROTH et al., 2012, p. 113). A governança envolve então a forma como a rede está estruturada, seus mecanismos regulatórios, de coordenação e tomada de deci- são e de interação para alcançar os objetivos comuns (ROTH et al., 2012).

Entender como se configura as relações interorganizacionais a partir da governança é importante porque pode potencializar os resultados e as vantagens decorrentes do respectivo arranjo. Pois, o modo como os diferentes atores intera- gem está diretamente relacionado ao desenvolvimento do arranjo interoganizacional (ROTH et al., 2012; SILVA; TAVARES; SILVA, 2015) e afeta sua governabilidade16

(KOOIMAN et al., 2008).

Além disso, para que se possa entender a dinâmica de uma estrutura em rede e seus efeitos é necessário focar nas suas funcionalidades e na capacidade di- ferencial dos atores da rede se beneficiarem ou não dela. Assim uma abordagem analítica sobre rede envolve a compreensão de como o arranjo está formado, seu impacto sobre o desenvolvimento local, os mecanismos de interação entre os atores envolvidos e seus respectivos ganhos (LOPES; BALDI, 2009). Para Silva, Tavares e Silva (2015, p.108), a partir das interações, sejam formais ou informais, entre os ato- res “passam a existir no contexto institucional, regras, normas, procedimentos e ins- trumentos que caracterizam a governança, que é a forma de coordenação e os pa- drões de interação”.

Ao estudar mecanismos de governança em empresas na Alemanha, Weg- ner (2012) destaca que a governança de redes interorganizacionais é abordada nos estudos organizacionais a partir de duas formas distintas: a partir da descrição das macroestruturas ou modelos utilizados, cujo foco está centrado em quem gerencia a rede e sua repercussão; e a segunda, busca avaliar os aspectos da microgovernan- ça, ou seja, os aspectos internos do sistema de governança, como a cooperação e a coordenação, concentrando-se em descrever como, e com que instrumentos, a go- vernança é realizada.

16 A governabilidade de sistema de governança segundo KOOIMAN (2008) seria sua capacidade de

organizar e realizar interações em face da diversidade, complexidade e dinâmica. Seria o equilíbrio entre a capacidade do sistema governante e as necessidades do sistema a ser governado, com interações de governança desempenhando um papel intermediário.

Neste sentido este estudo se concentrará em identificar os mecanismos internos da governança no contexto das relações interorganizacionais das organiza- ções que se envolvem com as atividades de controle e P2R2 em emergências com produtos químicos perigosos em Foz do Iguaçu-PR. Visando auxiliar a análise serão apresentadas na próxima seção elementos de governança encontrados na literatura acadêmica, a partir dos quais serão delimitadas categorias para a pesquisa de cam- po.