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3 ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS ,

3.2 MECANISMOS DE GERAÇÃO DE VANTAGEM COMPETITIVA

3.2.1 Governança

A governança é um assunto que vem crescendo em importância na ciência econômica, mas também nas ciências administrativas devido a sua capacidade de contribuir com os resultados de organizações e sistemas produtivos de diversas matizes.

Atualmente, ela é utilizada para configurar as relações de poder em conselhos de acionistas de grandes empresas, utilizada na profissionalização de empresas familiares ou mesmo na gestão de políticas públicas e programas sociais, e para tanto se toma como referência a definição elaborada pelos pesquisadores da UFRJ:

O conceito de governança aqui utilizado parte da ideia geral do estabelecimento de práticas democráticas locais por meio da intervenção e participação de diferentes categorias de agentes – Estado, em seus diferentes níveis, empresas privadas locais, cidadãos e trabalhadores, organizações não-governamentais etc. – nos processos de decisão locais (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2003, p. 42).

Brandão et al (2006, p. 198) explica a questão chave da análise ―onde estão os centros de decisão dos processos aqui localizados?‖. Muitas vezes, as determinações, os instrumentos da política, os sujeitos econômicos e políticos diretivos, por exemplo, estão em outra escala espacial. O mesmo continua: ―Torna- se ainda mais necessário estudar a natureza das hierarquias (impostas em variadas escalas) de geração e apropriação de riqueza (op. cit., p. 199)‖.

Portanto, o interesse no tema é compreender de que forma as relações entre os atores nas redes empresariais formadas propicia ganhos econômicos para as suas organizações. Ademais, esta análise contribuirá para o entendimento dos próximos tópicos.

O trabalho seminal nesta área de estudo surgiu em artigo de Coase (1937), que trouxe uma nova compreensão sobre a importância das empresas que até então eram vistas apenas como unidades produtivas.

A proposta consiste em perceber as firmas como estruturadora das relações de mercado, seja por relações internas ou por relações externas à organização, fazendo com que a decisão sobre a estrutura da produção fosse tomada por meio

dos mecanismos de preço. Esta noção contribui para o entendimento da governança entre firmas, como será apresentado mais adiante, mas também do seu papel junto aos Arranjos Produtivos Locais:

Um aspecto marcante do novo conceito de firma é a conscientização de que se torna possível entender como relações contratuais interfirmas as franquias, parcerias, alianças-estratégicas, subcontratação de atividades etc. como representativas de relações típicas de produção. Também, entender a firma sob o enfoque de uma estrutura de relações contratuais, fortalece o entendimento dos arranjos interorganizacionais emergentes, que preenchem os contextos competitivos da parte final do século XX (GRAÇA, 2007, p. 58).

Outra contribuição importante é dada por Williamson (1985 apud BALESTRIN e ARBAGE, 2007, p. 4), que, ao retomar Coase (1937), afirma que existem custos relacionados ao estabelecimento dessas relações, que o autor define como ―custos de transação‖ ou ―custos de agência‖. Esses custos são originados [...] pelas seguintes razões: ―racionalidade limitada do tomador de decisões, incerteza sobre o futuro e possibilidade de um comportamento oportunista por parte de determinados atores econômicos‖ (BALESTRIN e ARBAGE, 2007, p. 4).

A definição dos custos de transação é trazida por Jensen e Meckling (2008, p. 89): ―Definimos custos de agência como a soma: das despesas de monitoramento por parte do principal; das despesas com a concessão de garantias contratuais por parte do agente; e do custo residual‖. Os mesmos complementam: ―Observe também que os custos de agência surgem em qualquer situação que envolva esforço cooperativo [...], mesmo se não houver uma relação principal claramente definida‖ (op. cit.).

Arrow (1969) (apud BALESTRIN e ARBAGE, 2007, p. 8) define que os Custos de Transação ―são os custos associados à administração do sistema econômico‖. Segundo Hobbs (1996 apud GEROLAMO, 2007, p. 90):

Existem três classificações principais: custos de informação (sobre produtos, preços, inputs e compradores ou vendedores), custos de negociação (contratos de negociação e escritos) e custos de monitoramento ou coação (para assegurar que todos os termos pré- acordados da transação são cumpridos).

No entendimento de Williamson (1975 apud BALESTRIN e ARBAGE, 2007, p. 4), a organização das atividades econômicas pode ser classificada a partir de duas formas institucionais, o ―mercado‖ e a ―hierarquia‖. Estas opções são tomadas pelo

empresário a partir da análise da organização e custos da produção. Ou seja, caso a ―integração vertical‖ da cadeia produtiva seja menos rentável que a sua ―fragmentação‖, a empresa optará pelas relações de mercado ao invés da produção hierarquizada. Entretanto, Jarillo (1988 apud BALESTRIN e ARBAGE, 2007, p. 5) argumenta:

Existe uma importante questão que não foi discutida por Williamson, de que os CT podem ser afetados pela ação consciente de um empresário, sendo essa uma das fundamentações econômicas para a ―estratégia em rede‖. A confiança nas inter-relações entre os atores é um dos fatores que promove a redução dos CT e torna a existência das redes economicamente viáveis.

O mecanismo de governança pode contribuir para a geração de ganhos de competitividade de um APL à medida que as relações de confiança e cooperação puderem ser desenvolvidas. Ou seja, ―num contexto em evolução, a competitividade do APL depende dos investimentos feitos na transformação dos ativos e rotinas, decididos por meio da governança das estratégias‖ (ERBER, 2008, p. 21).

Vale ressaltar que este modelo de governança em rede não exclui os instrumentos ―hierárquicos‖ ou ―de mercado‖. Entretanto, o nível de confiança entre os atores da rede interorganizacionais proporcionará uma tendência à segunda opção, pois os ―custos associados à administração do sistema econômico‖ (ARROW, 1969 apud BALESTRIN e ARBAGE, 2007, p. 8) se reduzem.

Para a melhor compreensão do tema governança, vem à tona um modelo de caracterização das cadeias produtivas apresentado por Suzigan et al (2005, p. 69), com vistas a melhor compreensão dos próximos tópicos, no qual também tomou-se a liberdade de apresentar uma tradução livre: (1) All ring-no core – Todos rede e sem centro; (2) Core-ring with coordinating firm – rede central com empresa coordenadora; (3) Core-ring with lead firm – rede central com empresa líder; (4) All

core – Apenas centro.

A presente tese, corroborada por autores como Suzigan et al (2005), Graça (2007), Gerolamo (2008) e Erber (2008), consiste em afirmar que com o processo de globalização dos processos produtivos e o fortalecimento de organizações mais próximas ao mercado consumidor dentro das cadeias produtivas, muitas vezes composta por grandes empresas, mesmo a estratégia de aglomeração, tende a enfraquecer a competitividade do Arranjo Produtivo Local.

Outro ponto para qual a autora chama a atenção (Markussen 1995) é o fato que em geral os estudos sobre SPLs não tem se preocupado com a inserção desses sistemas num contexto mais amplo, especialmente em cadeias globais de produção e suprimento de mercadorias (SUZIGAN et al, 2005, p. 70).

Sendo assim, mecanismos de fortalecimento do agrupamento são necessários para a sustentabilidade do arranjo no longo prazo. De forma empírica, estudos no campo da economia regional, quando enfocaram a estratégia de atração de empresas no Nordeste na década de 1990, permitiram apenas de forma artificial animar a economia do território.

Essa política industrial, baseada apenas na redução ou mesmo na inexistência de tributos estaduais, fez com que indústrias localizadas no eixo Sul- Sudeste do país transferissem a sua produção para estados como Ceará, Bahia e Pernambuco. Além dos empregos de baixo valor agregado, limitados eram os benefícios deixados de forma sustentável pela indústria no território.

As normas e os padrões de produção são ditados por organizações externas ao território que compõe o Arranjo Produtivo Local, e se este APL não estiver em conformidade com as exigências destas cadeias produtivas globalizadas, diversas sanções podem ser aplicadas, uma vez que existem assimetrias de poder. Sobre isso, Suzigan et al (2005, p. 68-69) afirma: ―Há também estruturas intermediárias [...] resultando em meio grau de colaboração e cooperação nas relações entre as empresas. Isso, todavia, não implica em ausência de assimetrias entre as empresas‖. Outros autores convergem com a assertiva:

Quando a base técnica é pouco sujeita a mudanças, os mercados demandam produtos cujos atributos são rígidos e a cadeia é ―longa‖, o poder tende a se concentrar nos elos em que predominam economias de escala e assimetrias de informação, seja em termos de produção, seja em termos comerciais. Arranjos institucionais como contratos de exclusividade de fornecimento dão suporte a essa diferenciação de poder (ERBER, 2008, p. 21).

Percebe-se, portanto, que se a política pública tem por objetivo o desenvolvimento sustentado do APL, e, por conseguinte, do território, não será por meio da integração artificial da estrutura produtiva local com cadeias globais de produção que se atingirá este objetivo. Para tanto, observa-se o entendimento de Suzigan et al, (2005, p. 70): ―Nesse sentido, parece pouco provável a existência de

uma estrutura de governança em que tais assimetrias simplesmente desaparecem, dando lugar a uma relação entre iguais, como a do tipo all ring no-core.

As formas de governança em APLs são apresentadas por Graça (2007) a partir do quadro abaixo, que demonstra que quando esta é atomizada e formação de redes horizontais, ou seja, entre concorrentes, existe o processo decisorial tende a beneficiar estes mesmo atores.

A figura acima corrobora, ainda, a afirmação de Humphrey e Schmitz (2000

apud SUZIGAN et al, 2005, p. 81), em que ―a maioria dos clusters é híbrida‖, ou

seja, há neles diferentes segmentos produtivos e distintas estruturas de governança. Ademais, o argumento que a governança deve ser o mais assimétrica possível permite que ganhos econômicos sejam dispersos no conjunto de empresas do APL, uma vez que sem as assimetrias de poder, o poder de barganha se dilui, beneficiando atores menores do agrupamento. Justifica-se o argumento a partir da compreensão de Erber (2008, p. 23) sobre o assunto:

Quanto mais hierárquica é a governança do arranjo, mais a ação conjunta é definida num ponto do arranjo por um agente (ou uma coalizão de agentes). A menos que os outros partícipes do arranjo detenham ativos dotados de forte territorialidade, a tendência é que as rendas que auferem sejam comprimidas em favor dos agentes hegemônicos. Em outras palavras, a governança hierárquica não exclui a ação conjunta, mas distribui os benefícios desta em favor dos hierarcas.

Governança em Arranjos Produtivos Locais – APLs

(1) MONTANTE (2) Redes Topdown (3) Autocrático e Coercitivo (1) JUSANTE (2) Redes Topdown (3) Autocrático e Benevolente (1) ATOMIZADA (2) Redes Horizontais (3) Consultivo e Participativo APLs

Figura 03: Governança em Arranjos Produtivos Locais: Posição, forma e processo decisorial (Graça, 2007, p. 65)

Assim, ganha importância a constituição de instrumentos de governança que reduzam as assimetrias de poder e que promovam a cooperação e a confiança entre os atores do APL. Para fins de análise teórica, o conceito de ―capital social‖ deve ser trazido à baila.