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O GOVERNO E OS EXPORTADORES-IMPORTADORES

Durante o período de largo crescimento das exportações e do saldo comercial brasileiro, em especial até 2007, houve certa sintonia entre os interesses dos grandes exportadores e o governo. Foram poucos críticos da política de comércio exterior adotada no país. Essa sintonia iria durar ainda alguns anos. Na verdade, diante do bom desempenho da economia brasileira logo após a crise econômica de 2007-09, houve certo frenesi que exaltava a capacidade de crescimento do país.

Ainda em novembro de 2007, Welber Barral, então secretário do comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDICE), concedeu uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo84. Naquele momento, o Brasil começava a apresentar esgotamento dos saldos do comércio exterior, caracterizado pela alta das importações bastante acima das exportações. Para ele, a queda nos saldos não era mal sinal. Segundo a visão apresentada na entrevista, o importante era que as exportações continuassem a crescer, o que parecia propício. Em sua visão, a crise internacional não havia afetado negativamente o comércio exterior brasileiro, e isso era resultado da relevância de outros parceiros comerciais, para além dos EUA. Nesse cenário, a principal preocupação do governo era diminuir a burocracia, para permitir que houvesse novos crescimentos nas exportações. A força

84 Disponível no sítio de internet: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi1811200717.htm, última visualização em 25/03/2015.

comercial brasileira, era tida, ao menos no discurso, como um processo natural, fruto da realização do potencial do país.

Mais tarde, em 2011, os rumos da exportações já haviam se tornado centro das preocupações da economia brasileira, mesmo aos olhos de representantes do governo. Tatiana Lacerda Prazeres, então secretária do comércio exterior, apresentou um resumo da análise da secretaria, em uma entrevista dada ao programa Pauta Econômica, da TV Senado, em setembro de 201185. Para ela, a caracterização do período precedente, durante toda a década de 2000, e especialmente após a crise de 2008, era o ganho de dinamismo da Ásia, em especial da China. Nesse cenário, o Brasil havia encontrado a possibilidade de ampliação e diversificação de seu comércio exterior. Para ela, à época, a pauta de exportação brasileira era competitiva e diversificada, com espaço para crescimento das exportações de manufaturados, inclusive da exportação de aviões.

Os preços internacionais, naquele momento, atraíam exportadores brasileiros, inclusive produtores de etanol, em um momento em que havia falta de etanol no país. Isso apontava para um crescimento pontual do saldo comercial. No entanto, Prazeres explicava na entrevista que estava em andamento um programa que deveria melhorar a qualidade do comércio exterior brasileiro. Este deveria se tornar menos volátil. Durante todo o período anterior (década de 2000), havia sido feito vasto investimento para elevar a competitividade do agronegócio brasileiro, e da indústria extrativa mineral. De forma oficial, ela rechaçava a tese de que havia perda de competitividade da indústria manufatureira brasileira, apresentando uma leitura em que o ganho de importância das “commodities” na pauta de exportação era fruto de uma competitividade maior desse tipo de produto e de alta da demanda pelos mesmos.

Naquele momento, para ela, o real estava adequadamente valorizado, o que permitia maiores investimentos e compra de insumos para produção. Como impacto negativo, havia o crescimento das importações de bens de consumo duráveis, inclusive automóveis. Isso preocupava o governo. O Plano Brasil Maior adotava medidas para garantir inovação na indústria, o que deveria suprir as necessidades para aumentar a competitividade.

Em 2013, Tatiana Lacerda Prazeres, ainda secretária do comércio exterior, voltou ao

85 Disponível no sítio de internet: https://www.youtube.com/watch?v=i4mTx8mYbkQ, última visualização em 25/03/2015.

programa Agenda Econômica86. Nessa entrevista, Tatiana voltou a apresentar a leitura que a pauta exportadora era diversificada, com bastante importância da exportação de bens manufaturados e semimanufaturados. A alta da demanda das commodities, até 2011, explicava o seu crescimento em valor, bastante acima do crescimento do quantum exportado. Em 2012, houve diminuição no valor das exportações brasileiras, como consequência da queda de preços das “commodities”. Para ela, isso era resultado do crescimento anormal dos preços nos dois anos anteriores, e não de um processo de perda de competitividade dos produtos brasileiros. A tendência era de crescimento das exportações de bens industrializados, mas que o governo podia no máximo realizar incentivos positivos para incentivar a agregação de valor. Não se podia penalizar a exportação de produtos básicos. Apontava, dessa forma, que havia uma escolha por parte dos produtores brasileiros, em exportar os produtos antes de os processar localmente. Ainda, apontava que o agronegócio brasileiro era investidor, e que havia largo investimento brasileiro para que ele fosse referência nessa área.

Na prática, após 2010, o governo havia passado a direcionar o esforço de desenvolvimento para alguns produtos eleitos como mais competitivos para a exportação. Durante esse processo, a indústria extrativa de petróleo foi largamente beneficiada. Os investimentos na expansão dos negócios e na inovação tecnológica renderam à Petrobras um posto de destaque dentre as empresas internacionais de petróleo. Apesar de ter sofrido com a queda dos preços de petróleo, os investimentos para exploração nas reservas petrolíferas da camada pré-sal renderam bons resultados. Em uma apresentação ministrada em junho de 201487, a então presidente da Petrobras, Graça Foster, explicava que, entre 2010 e 2014, a produção do pré-sal havia crescido dez vezes. Naquele ano, mais da metade da produção de petróleo da empresa havia sido gerada pela exploração do pré-sal. A expectativa era de contínuo crescimento até 2035.

Algo similar ocorreu com o setor da extração de minerais, que foi um dos beneficiados pela política de favorecimento aos exportadores tradicionais. A principal empresa de exploração de minérios do Brasil, a Vale88, apresentou bom desempenho entre os anos 2000 e

86 Disponível no sítio de internet https://www.youtube.com/watch?v=EcdNuzGA3dc, última visualização em 25/03/2015.

87 Disponível no sítio de internet: http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/graca-foster-fala-sobre-

importancia-do-pre-sal-em-palestra-no-rio.htm, última visualização, 25/03/2015

88 A Vale, antiga Vale do Rio Doce, foi uma das empresas estatais privatizadas na década de 1990. Foi uma empresa que, no setor privado, já surgiu gigantesca. A privatização da Vale foi um bom negócio para os novos donos, e uma grande perda para o povo brasileiro. Ainda assim, dada sua importância, o governo continua a privilegiá-la, a fim de facilitar sua expansão. Daí que haja, em geral, sintonia entre o presidente

2013. Em outubro de 2008, diante da crise internacional, o então presidente da empresa, Roger Agnelli, foi entrevistado pela revista Exame89. Ele afirmava que a empresa havia apresentado ótimo desempenho econômico no período anterior. A crise econômica havia atingido o mundo em um momento bom para os exportadores de minério que houvessem se preparado para aguentar um pequeno período de quebra. Para ele, a tendência era que a demanda chinesa impulsionasse reajustes para cima no preço do minério de ferro. Em sua visão, o cenário era de oportunidade àqueles que tivessem paciência.

Em 2011, Murilo Ferreira assumiu a presidência da Vale, no lugar de Agnelli. Tratava- se do melhor período da história da exportação de minério de ferro, ao menos aos olhos do novo presidente. Em uma entrevista concedida à revista Istoé Dinheiro, em fevereiro de 2015, Murilo analisou a sua gestão até então90. Para ele, depois de 2012, os exportadores de “commodities” tiveram que enfrentar uma espécie de ressaca das altas do preço de 2010 e 2011.

Após o largo crescimento das economias e das empresas exportadoras de commodities, com a queda dos preços, elas passaram a ter que mudar sua estratégia. No caso da Vale, isso resultou na necessidade de desinvestimento, mantendo apenas os investimentos mais lucrativos. No entanto, Murilo Ferreira acreditava que o setor extrativo, que o sistema bancário, e o sistema agropecuário do Brasil fossem modernos, e poderiam se adaptar ao novo cenário. Para o então presidente da Vale, portanto, o projeto exportador do Brasil podia ser mantido, se os setores tradicionalmente exportadores se mantivessem atualizados.

Tanto a Petrobras como a Vale são empresas do setor extrativo. Tanto o ramo do petróleo como o dos minérios são considerados favoráveis à conformação de oligopólios. Os oligopólios possuem facilidade de realizar planejamento econômico, aproveitando os momentos de crescimento para gerar excedente a ser queimado em momentos de crise. Nesse sentido, o comportamento da economia brasileira, em especial do setor externo, parece ter sido favorável a esses dois ramos, e em especial a essas duas empresas.

da Vale e o governo brasileiro.

89 Entrevista disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/vale-se-preparou-inverno-afirma-

roger-agnelli-396709, última visualização em 30/03/2015.

90 Entrevista disponível em: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/negocios/20150203/desafios-murilo-