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UMA HISTÓRIA DA POLÍTICA COMERCIAL BRASILEIRA RECENTE

Os dados apresentados e interpretados ao longo desse e do capítulo anterior apontam para a confirmação das hipóteses: (a) o comércio exterior foi chave importante na recuperação econômica do Brasil; (b) o desempenho da economia chinesa foi fator de peso no crescimento das exportações brasileiras no período; (c) houve reprimarização da pauta de exportação brasileira, embora não tenha havido queda real nas exportações de produtos industriais; (d) houve perda de competitividade interna na industria doméstica, e uma política cambial ofensiva a ela, acarretando maiores perdas nas importações brasileiras; (e) não houve formação de uma economia local solidamente baseada no suprimento da demanda interna; e (f) nessas condições o país tem continuado dependente das economias desenvolvidas, em especial através da dependência da parceria China-EUA.

Essas características da economia brasileira foram construídas e reafirmadas em um processo histórico à deriva dos projetos brasileiros de consolidação. Isso pode ser detectado através das análises feitas pelo governo, e pelas medidas econômicas tomadas. Através dos relatórios do Banco Central do Brasil, pode-se estudar a formação do novo programa para o comércio exterior brasileiro.83

No ano 2000, o Brasil parecia dar sinais de recuperação da crise, havendo superado a crise de 1998. Para isso, as exportações para a China foram consideradas importantes, havendo crescido 40% somente naquele ano. No entanto, no ano seguinte estourou nova crise, resultante do desempenho ruim da economia internacional e da crise energética no país. Dessa vez, a crise perdurou mais, piorando em 2002.

O governo, ainda no segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso,

82 Sobre o tema ver: MORAN, Cristian. Imports under a Foreign Exchange Constraint. he World Bank Economic Review, Vol. 3, No. 2 (May, 1989), pg. 279-295

passou a entender que somente o fortalecimento das exportações poderia melhorar a situação do país. No entanto, ainda não havia um programa claro nesse sentido. Sabia-se que não seria possível desenvolver a exportação sem que a produção se tornasse competitiva. Nesse sentido, optou-se por desonerar os gastos em pesquisa e produção. No ano seguinte, o desempenho do comércio exterior com a China e com a Rússia foram fatores importantes para evitar uma crise ainda maior. Mas, a tradição dessa nova exportação ainda não era forte no Brasil, e precisou ser fomentada através do órgão do governo criado para esse fim: a Agência Promotora de Exportações (Apex). O Brasil também precisou tomar postura mais ativa na Organização Mundial do Comércio (OMC), afim de defender a exportação de produtos agrícolas, que normalmente são alvo de tarifas protecionistas estratégicas nos países desenvolvidos. Mas foram as exportações de ferro que surpreenderam as expectativas e mostraram caminho para o êxito temporário do projeto exportador do Brasil. Devido ao aumento da demanda chinesa, as exportações de ferro bruto se tornaram o principal item, e a China o principal destinatário.

Em 2003, o novo governo (primeiro mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva) manteve a política de priorização das exportações. Os benefícios aos exportadores foram ampliados. O grosso dos benefícios foram para os grandes exportadores, que receberam, inclusive, 96,9% dos recursos do BNDES destinados à exportação. No entanto, também foi criado um programa específico para beneficiar os pequenos exportadores. O programa de financiamento aos exportadores foi aperfeiçoado no ano seguinte, diminuindo o montante de recursos destinados ao resgate de juros e aumentando o financiamento direto às exportações. Ainda, o programa de auxílio às importações, que oferecia crédito aos destinatários as exportações brasileiras, também apresentou melhoria. Como resultado das novas políticas e da parceria com a China, entre 2003 e 2004, as exportações brasileiras cresceram muito. Em 2005, esse processo continuou, embora com menor vigor.

Entre 2006 e 2007, o governo (no segundo mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva) observou a desaceleração da capacidade do país no comércio internacional. Em parte isso foi fruto dos impasses junto as disputas na OMC e no travamento das negociações no Mercosul. Em ambos os casos a dificuldade encontrada foi a resistência à entrada dos produtos brasileiros, embora por motivos opostos. A Europa aumentou o rigoror das medidas protecionistas indiretas, como os critérios sanitários para importação de gado, ao passo que

exigia a retirada das medidas protecionistas diretas do governo brasileiro.

Tratava-se, segundo o governo, de uma forma de os países desenvolvidos perpetuarem a entrada de seus produtos nos mercados alheios e fechar seus próprios mercados. Enquanto isso, no Mercosul, houve resistência dos países aos produtos brasileiros, pelo medo que houvesse desorganização das produções locais. Por outro lado, os industriais brasileiros resistiram a fazer concessões necessárias, principalmente para a Argentina. Nesse cenário, as negociações com a China apresentaram-se mais frutíferas. Embora as medidas de incentivo a exportação continuassem a ser fortalecidas, o que favorecia as exportações a países mais pobres, a demanda chinesa atraia os principais produtos da pauta de exportação do Brasil. Ao mesmo tempo, ao final daquele ano, estourava a crise econômica dos subprime, nos EUA, diminuindo a chance no crescimento da demanda ocidental de produtos.

No ano de 2008, a crise econômica se generalizou, atingindo a Europa. No cenário de crise, foi feita a escolha, pelo governo, de diminuir o financiamento às exportações, aumentando o financiamento aos produtores exportadores, em especial através dos programas do BNDES. Com a redução do crédito no mercado corrente, ao final do ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ampliou o crédito máximo oferecido, buscando diminuir o impacto da crise para os exportadores. Em 2009, o cenário permaneceu similar. Diante da oferta de crédito nacional, da diminuição dos incentivos à exportação, e da quebra na demanda internacional, os exportadores voltaram suas atividades para o mercado interno, em parte e temporariamente.

Para evitar que houvesse maiores perdas nas exportações, o governo aprovou uma medida para estender o prazo para contratação de câmbio. Isso permitia aos exportadores jogar de forma mais vantajosa com a especulação cambial. Nesses anos, o investimento local na exploração e refinamento de petróleo foram beneficiados. Tratam-se de investimentos de longo prazo, de que não se espera retorno imediato durante a crise. Por isso, em cenário de baixa da expectativa da realização de boas taxas de lucro, eles se tornaram atraentes.

A partir de 2010, observou-se novo cenário positivo para as exportações brasileiras. Houve recuperação parcial da economia mundial. No entanto, houve desvalorização do dólar frente ao real. As condições internacionais favoráveis ao comércio exterior foram potencializadas pelo governo, que optou por ampliar as linhas de financiamento e de isenção para os exportadores, especialmente para as empresas historicamente exportadoras. O impacto

positivo das políticas tomadas criou, segundo a leitura do Banco Central, condições para ampliação dos investimentos e do consumo brasileiro. Como resultado, houve aumento das importações acima do das exportações.

Naquele momento, o crescimento das exportações ainda justificava e sustentava a ampliação das importações. Esse cenário perdurou até a metade de 2011, quando o crescimento da economia mundial apresentou sinais de desaquecimento. Em agosto, foi lançado o Plano Brasil Maior (PBM), que visava aumentar a competitividade das exportações brasileiras e da indústria nacional, intentando garantir melhora na balança comercial. Para tal, o PBM incluía novas desonerações sobre a exportação e sobre os investimentos em tecnologia e em compra de bens de capital; e estabelecimento de fontes de novas financiamento, como o Fundo de Financiamento à Exportação. Trata-se de mecanismo de empréstimo para países que desejassem importar mercadorias do Brasil.

Para aumentar a entrada dos produtos brasileiros na América Latina, foram feitas novas concessões no âmbito do Mercosul, permitindo que as negociações avançassem, ao passo que os países passaram a poder aumentar temporariamente as taxas de importação. Apesar de ter havido crescimento pequeno na quantidade de produtos exportados, o cenário mundial ainda foi favorável ao aumento da demanda, resultando em aumento do preço dos produtos brasileiros, em especial o das “commodities”. Essa alta, no entanto, já era percebida como insustentável a médio prazo. Daí a necessidade de uma política que visasse o fortalecimento da competitividade das exportações.

Com o agravamento da crise econômica na Europa, e com o desaquecimento da economia estadunidense, em 2012, os preços das commodities, e sua demanda, entraram em tendência de queda. Como resposta, o governo fortaleceu o Plano Brasil Maior (PBM), realizando novas desonerações. O investimento na marinha mercantil e nos portos brasileiros foi largamente favorecido. A cadeia de produção de automóveis também se beneficiou de novas isenções. Também houve ampliação dos benefícios voltados para a indústria de semicondutores e para o sistema de comunicação e informática. O conceito de empresa exportadora também foi ampliado, aumentando o número de empresas beneficiadas pelos programas de financiamento e desoneração de exportação. Houve até mesmo uma tentativa de desincentivar a entrada de capital de curto prazo e incentivar os investimentos estrangeiros diretos, a partir de março. No entanto, houve forte pressão do mercado para derrubar essas

medidas tidas como mais radicais, que foram suspensas a partir da metade do ano.

Apesar do esforço de melhoria da competitividade da indústria e dos produtos de exportação do Brasil, houve piora do balanço comercial brasileiro. Em 2013, houve queda no valor de exportação, enquanto se observou crescimento das importações. O Plano Brasil Maior foi mantido, e ainda mais ampliado. O governo entendia, naquele momento, que havia uma recuperação da economia dos países desenvolvidos, que voltava a atrair investimentos, ao passo que as economias emergentes (incluindo a China) observavam desaquecimento. O resultado foi uma diminuição do fluxo de investimentos estrangeiros para o Brasil e uma queda na demanda de commodities. Nesse sentido, o governo entendia que era necessário fazer um esforço pela ampliação da concessão de crédito e da melhoria das condições para investimento produtivo no Brasil.