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UM DEBATE SOBRE O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO, DE 1999 A

O debate sobre o significado da recuperação recente do Brasil, e o esgotamento da mesma, teve início logo que ele foi identificado. A sua caracterização e a reflexão de seus

99 Glauber Silveira considerava um dos ecossistemas mais ricos e complexos do mundo, o cerrado, um ecossistema pobre e pouco produtivo.

100 Em artigo dispónível em http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/agronegocio/136188-produtor-

brasileiro—considere-se-culpado--por-glauber-silveira--da-aprosoja-brasil.html#.VRmo18vETeQ, última

visualização em 30/03/2015.

101 O otimismo da Biocana foi expresso na nota publicada pela então presidente da associação, Leila Alencar Monteiro de Souza, disponível em: http://www.biocana.com.br/index.php/conteudo/visualizar/2011-com-

rumos foi alvo de reflexão de alguns pesquisadores. Alguns deles, Vitor Schincariol, Luiz Eduardo Simões de Souza, Maria de Fátima Silva, Luiz Filgueira, Reinaldo Gonçalves, Luís Antônio Paulino, e Sarquis José Buainain Sarquis, entre outros. As impressões iniciais já apontavam aspectos pertinentes que se confirmaram como entraves para a continuidade da recuperação, mais tarde. Posteriormente, novos estudos iriam identificar outros desafios não superados pelo Brasil, apontando para uma recuperação econômica dependente e limitada.

Em um artigo publicado na Revista de História Econômica e Economia Política (REPHE), em 2007, Vitor Schincariol e Luiz Eduardo apresentavam uma leitura sobre o desempenho da economia brasileira durante o primeiro mandato do presidente Luís Inácio Lula da Silva102. Para eles, o que caracterizava a política econômica adotada era a continuidade daquela do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Não havia nenhum programa de desenvolvimento industrial, e a dívida externa continuava, àquele momento, a ser um problema grande. A oferta de títulos da dívida com remuneração de juro alto sugava parte do capital disponível para investimento produtivo.

Para eles, o bom desempenho se justificava pela conjuntura internacional favorável. O comércio exterior era uma das causas para superação da crise econômica anterior. Parte dos novos recursos adquiridos foram direcionados para políticas de criação de empregos e transferência de renda. Isso, no entanto, não havia gerado, ainda, uma sociedade voltada ao mercado interno.

Num estudo de maior vulto, Luiz Filgueira e Reinaldo Gonçalves apresentaram uma tese semelhante103. Segundo a leitura por eles apresentada, o governo Lula teria se caracterizado pela diminuição da fragilidade externa conjuntural, mas não da estrutural. Essa mudança tornava o Brasil mais resistente à pressões estrangeiras pontuais, em especial à pressões financeiras. No entanto, o país continuava vulnerável às mudanças e às pressões de média e longa duração.

A fragilidade conjuntural havia diminuído devido a força do comércio exterior, em especial das exportações de commodities, impulsionadas pelo crescimento da renda mundial e pelo crescimento acelerado da economia chinesa. No entanto, internamente, a capacidade de

102 SOUZA, Luiz Eduardo Simões de & SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. “O Desenvolvimento Distante – um

balanço das políticas do primeiro governo de Lula”. Revista de Economia Política e História Econômica

(REPHE). ISSN: 1807 – 2674. Nº 08, Julho de 2007. Pg. 05-32

103 Ver: FILGUEIRAS, Luiz & GONÇALVES, Reinaldo. A Economia Política do Governo Lula. Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.

exportação brasileira teria crescido como fruto do ganho de produtividade do setor agropecuário e da baixa capacidade de consumo do mercado nacional. Nesse sentido, não ocorrera mudança estrutural na capacidade de produção e nas relações sociais existentes no país.

Como resultado, a exportação de bens primários cresceu mais rapidamente do que a dos bens manufaturados. Dentre os manufaturados, os produtos de baixa intensidade tecnológica também tiveram mais facilidade de experimentar expansão das exportações. A tendência de reprimarização da pauta de exportação só era mascarada pelos bons resultados no saldo comercial. Esses, por sua vez, permitiam financiar a internalização da dívida externa. O resultado foi a diminuição da pressão estrangeira sobre as finanças brasileiras, à custo da fragilização da pauta de exportação.

Esse processo teria como um dos limites a dificuldade de sustentação à médio prazo do modelo econômico adotado. Apesar do esforço do governo para realizar certa distribuição de renda, os gastos com pagamentos da dívida apenas aumentou em relação ao orçamento, entre 2000 e 2006, enquanto os gastos sociais diminuíram em termos proporcionais. As instituições financeiras continuavam a ser privilegiadas em detrimento da formação de uma economia voltada para o suprimento de um mercado interno pujante. Mesmo os programas de investimentos do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), programados para o período de 2007 a 2010, eram marcados por obras voltadas ao escoamento de mercadorias. O modelo exportador seria fortalecido, segundo a leitura dos autores. Na prática, ao invés de haver um programa de desenvolvimento progressista, os projetos de dependência eram privilegiados.

Luís Antônio Paulino corroborou essa leitura, um ano depois104. Para ele, a diferença entre a política econômica do governo Lula em relação ao governo FHC era o foco que foi dado às políticas de diminuição do abismo social. Na prática, o que sustentava o bom desempenho econômico do país era o comércio exterior. Para ele, o problema do endividamento público não havia sido superado, embora as exportações tenham servido para financiar uma transferência da dívida externa para dívida interna. Um Estado ainda endividado precisava dedicar parte de seu orçamento para o pagamento de juros. Como foi mantida como política prioritária do governo a “obrigação” do superavit primário e o combate à inflação, havia pouco espaço para um esforço de desenvolvimento independente do país.

104 PAULINO, Luís Antônio. “A Economia Política do Governo Lula da Silva”. Revista de Economia Política e História Econômica (REPHE). ISSN: 1807 – 2674. Nº 15, Dezembro de 2008. Pg. 17-50

Mais tarde, Luís Eduardo Simões de Souza e Maria de Fátima Silva apesentaram, em artigo105, uma leitura levemente diferente. Embora apontassem que a conjuntura havia se tornado favorável ao comércio exterior brasileiro, acrescentavam que o excedente gerado havia sido empregado para o fortalecimento do mercado interno. Os gastos em distribuição de renda haviam fortalecido a capacidade de consumo das famílias, de 2003 a 2006. A partir daí, os gastos do governo teriam sido fortalecidos especialmente através de investimentos de infraestrutura. Nesse sentido, havia um esforço por parte do governo em transformar a conjuntura favorável em chave para modernização e desenvolvimento do país.

Vitor Eduardo Schincariol desenvolveu um estudo de vulto que resultou em obra lançada em 2012106. Diante de um momento em que a recuperação econômica do Brasil já mostrava sinais de desgaste, Vitor sintetizou as limitações e dificuldades encontradas. Para ele, o modelo adotado só havia se sustentado graças às exportações de minérios e de soja para China. Como dois dos principais resultados, houve fortalecimento do modelo oligopolista no Brasil, e perda de recursos da reserva mineral do país. Somente os minerais mais importantes para a exportação, em especial o minério de ferro, tiveram suas reservas ampliadas, a partir de programas de exploração e busca por novas jazidas.

Schincariol concluiu que houve as seguintes restrições ao crescimento, para o período de 2000 a 2008: (1) o crescimento foi induzido pelo aumento do setor de serviços e pelas exportações de commodities, e não pela produção manufatureira; (2) o nível de emprego aumentou, mas com grande influência do setor de serviços; (3) o setor industrial do Brasil foi fortemente influenciado pelas decisões dos oligopólios internacionais, o que comprometeria uma política independente para o setor; (4) dada a grande presença de capital estrangeiro no setor, as produções industriais trouxeram retorno diminuto para o país; (5) até a crise financeira, a política monetária conservadora não favoreceu o crescimento dos setores industriais; (6) os investimentos em carteira mais retiraram capital do que colocaram; e (7) o empuxo positivo das exportações teve baixo impacto nas regiões urbanas.

Para ele, a partir de 2008, houve investimentos anticíclicos, em um esforço para diminuir os efeitos da crise internacional. Como consequência, houve possibilidade da

105 SOUZA, Luiz Eduardo Simões de & PREVIDELLI, Maria de Fátima Silva do Carmo & DA SILVA NETO, Julio Gomes. “A Economia Brasileira e a Crise Econômica Mundial”.Revista de Economia Política e História Econômica (REPHE). ISSN: 1807 – 2674. Nº 23, Dezembro de 2010. Pg. 5-25

106 SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. Crescimento Econômico no Brasil, 2003-2010. Um balanço da política

continuidade do crescimento econômico, mas com fortalecimento das limitações observadas no período anterior. Nesse sentido, não houve superação do modelo de dependência.

A leitura com que Sarquis José Buainain Sarquis produziu a obra Comércio Internacional e Crescimento Econômico no Brasil107, resultado de sua tese para a escola de

altos estudos do Rio Branco, foi diferente. Buscou relacionar o crescimento econômico do país com o comércio exterior, revelando alguns aspectos dessa relação. Ao observar a correlação entre crescimento econômico, investimento e importação, caracterizou o crescimento econômico brasileiro como “import-led”. O crescimento teria sido induzido por ganhos de produtividade graças às importações.

Para ele, entre 2002 e 2008, o Brasil teria sofrido especialização em bens primários, como fruto de suas relações com a China. No entanto, teria mantido produtividade e competitividade em certos nichos do setor industrial. Apenas as relações econômicas do Brasil com a Ásia seriam caracterizados pelo modelo exportador de bens primários. No entanto, dada a força dessa relação, o país teria se tornado importador líquido de bens industriais.

A tese central de Sarquis é que o problema consistia no não-uso dos ganhos da exportação de bens primários para investimento no setor industrial. Por conta disso, haveria fragilidade do Brasil às futuras oscilações na economia chinesa. Uma vez que a economia brasileira seria guiada pelas importações, as exportações de bens primários não seriam capazes de gerar ganhos de produtividade, caso não resultassem em importação de bens de capital. Ainda, esses bens deveriam ser utilizados para gerar dinamismo nos setores industriais capazes de exportar. Caso a importação se tornasse importação de bens industriais de consumo, o Brasil manteria sua fragilidade.

Dessa forma, ele acreditava que o período entre 2002 e 2008 teria se caracterizado por ganhos momentâneos, mas que portava frutos para fortalecimento das relações Sul-Sul. Esses seriam úteis ao Brasil por serem mais voltadas à exportação de bens industriais. A crise internacional teria revelado a resistência pontual da China, mas não significava que essa não diminuiria a taxa de crescimento em momentos futuros. Quando isso acontecesse, os ganhos das exportações primárias demonstrariam sua fragilidade e momentaneidade. Já os ganhos de produtividade pelas importações e construção de relações comerciais intra-industriais demonstrariam maior resistência de longo termo, embora maior fragilidade momentânea à

107 SARQUIS, Sarquis José Buainain. Comércio Internacional e Crescimento Econômico no Brasil. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011.

crise internacional.

Em 2014, Lourdes Casanova e Julian Kassum argumentaram que o crescimento observado pelo Brasil durante a última década se devia em grande parte ao papel da indústria de ferro e outros minerais. Ela ao mesmo tempo permitia ganhos no comércio exterior e mesmo investimento estrangeiro direto. Embora fosse um setor que tivesse um baixo impacto na formação de empregos diretos, quando comparado com a indústria manufatureira, o setor permitiu rápido crescimento econômico do país. Como resultado, o Brasil pode ganhar importância relativa no mundo108. Acreditava-se, portanto, que a nova demanda mundial por matérias-primas, bastante influenciada pela demanda chinesa, iria perdurar por mais tempo. Essa relação dúbia quanto ao papel da demanda chinesa para o crescimento econômico foi bem explicado por Marcos Cordeiro, em 2015:

As exportações brasileiras se concentram em alimentos, minérios e matérias-primas, enquanto que as importações são predominantemente de produtos industriais acabados e insumos. Em princípio, a capacidade industrial chinesa pode representar riscos para o Brasil, uma vez que esse novo boom de commodities comandado pela China poderá encerrar o país em um novo ciclo de dependência da produção de matérias-primas, provocando o fenômeno da desindustrialização do país. Por outro lado, se não fosse o superávit comercial obtido com a China o país enfrentaria maiores dificuldades para fechar sua balança de pagamentos desde 2008.109

Naquele ano, o limite para o crescimento econômico impulsionado pelas exportações de commodities já estava mais claro. Em 2014, o PIB brasileiro cresceu apenas 0,5%. Em 2015, chegou a cair 3,77%. Diante desse desempenho, as análises econômicas sobre o período anterior se tornaram menos otimistas. Em 2016, Bresser Pereira publicou uma análise sobre as políticas econômicas para um novo desenvolvimentismo110, onde argumentava que, desde 2003, os ganhos com a exportação das commodities foram utilizados para financiar um aumento do salário mínimo. Isso havia permitido um aumento do consumo das famílias. Mas o governo “cometeu o grave erro de permitir que a taxa de câmbio ficasse dramaticamente sobrevalorizada”111. O resultado, segundo o autor, foi que a nova demanda foi atendida pelas

108 CASANOVA, Lourdes; KASSUM, Julian. The political economy of an emerging global power: in search of

the Brazil dream. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2014.

109 PIRES, Marcos Cordeiro. “Notas Sobre a Parceria Estratégica Brasil – China”. In SORIA, Adrián Bonilli & GARCÍA, Paz Milet. FLACSO, 2015. pg. 259

110 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Reflexões sobre o Novo Desenvolvimentismo e o Desenvolvimentismo

Clássico. Revista de Economia Política, v. 36, n. 2, p. 143, 2016.

importações, ao invés de fomentar a indústria local.

Em 2017, outros autores corroboraram essa leitura. Foi o caso de Martins Neto e Antonio Soares, que, em um artigo, argumentaram que o boom das commodities havia escondido as fraquezas estruturais do Brasil. Durante o período (2002 - 2012), houve, segundo os autores, esforço para diminuição da desigualdade de rendimentos dos distintos setores da população. Esse esforço resultou na diminuição do índice de Gini (que mede a desigualdade econômica existente no país) de 58,7 para 52,6. Ainda, a demanda asiática por commodities permitiu que o Brasil crescesse e gerasse renda, criando a falsa sensação de sucesso econômico. Mas quando aquela demanda desacelerou, a economia brasileira também sofreu revés.112

Também em 2017, Vitor Schincariol fez diagnóstico bastante preciso sobre os fatores que levaram ao esgotamento econômico no Brasil, a partir dos primeiros anos de (20)10113. Ele ressaltou os seguintes pontos: (i) esgotamento cíclico dos investimentos; (ii) queda nos saldos comerciais a partir de 2009; (iii) queda da participação da indústria na economia; (iv) deterioração das expectativas de mercado; (v) uma política econômica nociva ao investimento local; e (vi) conturbação política. Ainda, argumentou que não houve verdadeiro esforço contracíclico por parte do governo para reverter esse esgotamento. Ao contrário, o esforço se concentrou apenas entre 2011 e 2013. Em 2014, período em que o esgotamento econômico se manifestou, o governo adotou políticas restricionistas.

Vitor argumentou que primeiro governo Dilma entendia que o crescimento econômico anterior havia se caracterizado pela ampliação da demanda agregada. Esse ciclo havia chegado no seu limite, uma vez que a demanda não estava mais puxando o crescimento dos investimentos. Parte disso teria sido consequência do alastramento da crise mundial para os países emergentes. Nesse cenário, propôs medidas de desoneração, redução dos juros, e outros incentivos para o investimento do setor privado, que não atingiram o efeito desejado.

Portanto, a literatura recente sobre a economia brasileira de 1999 até 2013 (algumas já abordando também o período posterior) caracteriza o esgotamento do crescimento no final do período como uma consequência da diminuição da demanda das commodities. Essas eram a

Clássico. Revista de Economia Política, v. 36, n. 2, p. 143, 2016. Pg. 242.

112 NETO, Martins; SOARES, Antonio. Income distribution and external constraint: Brazil in the commodities

boom. Nova Economia, v. 27, n. 1, p. 7-35, 2017.

113 Trata-se da obra: SCHINCARIOL, V. E. Economia e Política Econômica no Governo Dilma (2011-2014). São Paulo: Selo Tricontinental, 2017.

principal fonte de financiamento para as importações, das quais o Brasil depende para poder crescer. Como não houve, no período anterior, uma política de fortalecimento da indústria local, o impacto das oscilações de preços dos principais produtos exportados pelo país teve alto impacto na capacidade local de crescimento.