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UM MODELO DA ECONOMIA BRASILEIRA ENTRE 1999 E 2013

A consequência da resposta positiva da hipótese proposta acima é que, ao menos desde o início do século XXI, e possivelmente desde a década de (19)80, a política econômica brasileira esteve a deriva. A fórmula adotada para gerar crescimento foi confiar no “mercado mundial”, seja na forma de importação de capital, seja através das exportações. Quando um falhava, buscava-se fortalecer o outro. Em 1994, com a adoção do chamado “tripé neoliberal”, que era o uso do câmbio e do juros, garantido pelo “superavit primário”, para atingir “metas de inflação”, cristalizou-se a política econômica integralmente voltada para fora. A baixa produtividade, e a queda da capacidade de abastecimento industrial, são frutos dessa estrutura econômica.

Essa estrutura já é conhecida na literatura. Trata-se da reprodução do esquema de dependência econômica. Algumas de suas principais características foi bem descrita por Samir Amin:

Este ponto de vista permite definir o modo capitalista periférico em oposição à sua forma central. (...) A integração implica que o equilíbrio entre o nível de desenvolvimento das forças produtivas e o valor da força de trabalho não se pode ser achado na formação periférica, mas apenas no sistema mundial no qual o último está integrado. Esta falta de correspondência interna entre os dois elementos em questão resulta no círculo vicioso do desenvolvimento periférico: para reproduzir suas próprias condições de existência, a formação periférica ainda deve conter modos de produção pré- capitalistas ou produzir modos não capitalistas que, sendo dominados, fornecem o modo capitalista com mão de obra barata.46

Veja que a principal característica é, portanto, a não correspondência interna entre o nível de desenvolvimento e os salários da população. Trata-se do desequilíbrio do mercado interno, onde o setor dinâmico é o exportador. No entanto, esse se caracteriza por baixos salários, mesmo quando há demanda de altos investimentos (como na extração de petróleo, por exemplo). Isso porque a produtividade média da sociedade é baixa, como resultado da escassez da acumulação de capital. Samir Amin ainda ressalta que a reprodução desse sistema depende, também, da reprodução de relações não capitalistas, sem as quais a reprodução da mão de obra, ao preço desejado, seria impossível.47

*Organograma de elaboração própria

Pg. 218

47 No Brasil, um exemplo desse tipo de relação é o tráfico de drogas, pessoas, etc.

PIB

Distribuição

de renda

Consumo

Investimento

Massa

Luxo

Importação

Exportação

Importação

de capital

Câmbio

Inflação

Juros

Variável A compõe variável B Variável A demanda variável B Variável A afeta variável B Variável A e variável B são interdependentes

Modelo 1.6

Organograma do

modelo econômico

de dependência

brasileiro

Pode-se entender que, entre 1999 e 2013, a atividade econômica brasileira funcionou de acordo com o organograma acima. O nível de atividade econômica, descrito pelo PIB, decorreu em dada distribuição de renda. Essa, por sua vez, afetou o investimentos e o consumo (de massa e de luxo) do país. A parcela do consumo de massa foi parcialmente atendida pela produção interna, e parcialmente atendida por importações. No entanto, os investimentos e o consumo de luxo dependeram fortemente das importações. Disso resultou que o crescimento do PIB dependia das importações. Por sua vez, para importar era necessário ter divisas, que ou foram adquiridas pelas exportações, ou foram atendidas pela importação de capital.

Enquanto as exportações afetaram diretamente o nível de atividade econômica, permitindo crescimento momentâneo, ela foi utilizada para compensar a importação de consumo. A larga aquisição de divisas e a política econômica de usar o câmbio para combater a inflação levaram à sobrevalorização do real. Essa sobrevalorização permitiu, no período, reduções periódicas na taxa de juro. Essa redução incentivou novos investimentos, que foram alocados para o setor exportador. Observa-se que nesse modelo, as variáveis cruciais foram as importações, exportações, e a importação de capital, mediadas pela taxa de câmbio.

Outra forma de descrever o modelo econômico vigente no Brasil, entre 1999 e 2013, é E Y Y/E in/in* Juro i+x-m=S D e O e W Y Deficit Superavit X-M+LC=0

Modelo 1.7: Modelo de equilíbrio Vanek-Staley adaptado

através de uma adaptação do modelo de equilíbrio Vanek-Staley. A adaptação reside em trocar a curva de volume monetário por uma curva da relação entre inflação interna e a inflação externa (curva “In/In*”)48. Trata-se de um modelo de equilíbrio de curtíssimo prazo, ou de longo prazo. Os pontos de equilíbrio são, em médio prazo, sempre cruzados, mas raramente a atividade econômica brasileira consegue se estabilizar em pontos de equilíbrio, dada a oscilação dos preços no comércio exterior. Em longo prazo, o equilíbrio é alcançado nos diversos desequilíbrios, gerando o “Stop & Go” da economia brasileira.

O primeiro quadrante é o “EY”. Ele representa a relação entre a população empregada e a renda, expressando a produtividade brasileira na curva Y/E. Observa-se que a curva da produtividade é mais inclinada na direção da força de trabalho. Isso significa que há, no país, produtividade pequena. Para que ocorra um aumento na renda nacional, é necessário um grande emprego da força de trabalho.

O segundo quadrante é o “YJ”. Representa o impacto do comércio exterior na renda nacional. Ainda, expressa o impacto do juros e da inflação relativa do país no comércio exterior, e, portanto, na renda. No modelo, a inflação e o juro se aceleram a partir do cruzamento com a linha de equilíbrio entre o setor externo e a poupança do país. Isso quer dizer que um crescimento econômico acima do sustentável pelo setor externo (ou pela poupança nacional) gera aumento da taxa de inflação, que tende a ser coberta por juros nominais maiores. Um cenário distinto apenas seria possível caso a curva de inflação mudasse sua inclinação ou posição, como resultado do aumento da demanda e oferta (ou da produtividade) do país, ou por novo ponto de equilíbrio do setor externo da economia.

O terceiro quadrante é o quadrante “JY”, e expressa a relação entre o superavit ou déficit no balanço de pagamentos, o juro realizado no país, e o nível de atividade econômica. No modelo, propõe-se que o equilíbrio do balanço de pagamentos é neutro entre juros e nível de atividade econômica, em longo prazo. Isso significa que o equilíbrio pode resultar tanto de ampliação da atividade econômica (exportação superior a importação) como da política de juros (juros proporcionalmente maiores ao equilíbrio da inflação para atrair investimento estrangeiro). Ou seja, o superavit é neutro entre sua origem nas transações correntes ou na importação de capital de longo prazo.

O quarto quadrante é o “WE”, e expressa a relação entre a população empregada e o

48 Na verdade, falar da relação entre a inflação interna e a inflação externa é a mesma coisa que falar de volume monetário, apenas passando de uma abordagem de valor absoluto para valor relativo.

nível salarial. Verifica-se as curvas de oferta e demanda de força de trabalho (“Oe” e “De”, respectivamente). A curva “De” é bastante inclinada na direção de salários mais baixos. Isso indica uma forte propensão local a pagar salários mais baixos. A curva “Oe” é neutra, indicando que, embora salários baixos gerem menor oferta de mão de obra, há tendência da população local em aceitar mesmo salários baixos.

Trata-se, portanto, de um país subdesenvolvido, dentro da classificação de Ragnar Nurkse (país com baixa acumulação de capital). É um país dependente, que sofre constrangimento externo, dentro da definição estruturalista-cepalina (um país cujo crescimento econômico depende do crescimento da capacidade de importação).

2 SOBRE O BALANÇO COMERCIAL BRASILEIRO

O balanço comercial (BC) é tido como o principal item do balanço de pagamentos (BP). No caso brasileiro, é nele que se registra a maior parte da entrada de dólares das contas correntes. Ainda, o BC tem suas características determinadas pela capacidade de produção do país e pela demanda externa e interna. Dessa forma, oferece elementos que elucidam as características da própria economia do país em análise.

Entre 1998 e 2013, o Brasil experimentou crises econômicas e a superação parcial delas (1998 – 2003); um crescimento acelerado (2005 – 2007); a resistência a uma crise internacional (2008 – 2009); algum crescimento econômico (2010 – 2011); e o esgotamento daquele crescimento (2012 – 2014). Especialmente entre 2004 e 2008, o comércio exterior apresentou ótimo desempenho em termos de saldo. A partir daí, cresceu mais singelamente e até mesmo diminuiu. Como consequência, o Brasil voltou a experimentar déficit na conta corrente, a partir de 2010.

Uma das principais características do comércio exterior brasileiro foi o ganho de importância da parceria comercial com a China. Também, houve crescimento das exportações de bens primários acima do crescimento da exportação de bens manufaturados. O Brasil se destacou como exportador de commodities em um momento de tendência de crescimento dos preços desse tipo de produto. São mercadorias cuja produção se caracteriza pela baixa produtividade e por não necessitarem de larga cadeia de produção. Como consequência, o aumento da exportação de bens manufaturados não leva, necessariamente, a um aumento da produtividade de país. O comércio exterior, quando marcado pela exportação de bens primários, apenas traz crescimento da renda de um país quando a balança comercial é superavitária. O crescimento se dá sem efeito multiplicador relevante, uma vez que não há ampliação da produtividade local, conforme as proposições teóricas existentes em parte da literatura sobre a economia internacional.49

A reflexão sobre o comércio exterior brasileiro e sobre o desempenho econômico do Brasil, entre 1999 e 2013, permite levantar algumas hipóteses a serem melhor investigadas ao

49 Para uma abordagem sobre o investimento e efeito multiplicador ver: ACKLEY, Gardner. Teoria

longo da presente tese. São elas: (a) parte da recuperação recente da econômica brasileira foi fruto do desempenho do comércio exterior brasileiro; (b) esse bom desempenho teve como fonte o crescimento chinês, que por sua vez expressou o sucesso da parceria China-EUA; e (c) a recuperação da economia brasileira não se caracterizou pelo fortalecimento do setor interno, com produção que fosse fortemente voltada ao suprimento do mercado nacional.