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2.2 Os verbos SEE e VER

2.2.1 O primeiro teste com o verbo see

2.2.1.5 O grupo-controle adulto

Para esclarecer essas dúvidas e verificar se havia uma diferença entre as respostas infantis e as desse grupo, ou seja, se a gramática infantil e a do adulto eram diferentes, o mesmo experimento foi realizado com um grupo de dez universitários com idade entre 19 e 22 anos e cuja língua materna é o inglês. Os adultos foram testados com os mesmos estímulos linguísticos fornecidos às crianças e nas mesmas condições.24 Os resultados são apresentados no Quadro 6 abaixo. Todas as respostas dos adultos foram as mesmas25 e também igualmente negativas para ambas as perguntas da condição 3, para todos os sujeitos testados.

Quadro 6 – Respostas do grupo-controle adulto para o verbo see

Condiçã

o Pergunta

Sujeito

Sh Br As Je A

n Ey Is Ta Jo Sa

1 Did you see Raccoon eat the apple? Y Y Y Y Y Y Y Y Y Y

Did you see Snoopy draw the bird? Y Y Y Y Y Y Y No Y Y

2 Did you see someone paint the house? No No No No No No No No No No

Did you see someone break the vase? No No No No No No No No No No

3 Did you see that someone drank the juice? No No No No No No No No No No

Did you see that someone crushed the ball? No No No No No No No No No No

4 Did you see that Linus ate the banana? No No No No No No No No No No

Did you see that Elmo bit the cookie? No No No No No No No No No No

24 O mesmo grupo de adultos foi também testado para o verbo ouvir e para os verbos causativos, que serão

apresentados no capítulo 6. Um outro grupo de adultos, de brasileiros, foi utilizado para os testes em PB.

25 Uma única resposta divergente no próprio grupo dos adultos foi em relação à segunda pergunta da primeira

condição (Did you see Snoopy draw the bird?). A história era a seguinte: A primeira figura mostrava o cachorro Snoopy e Woodstock, um pássaro, brincando. O experimentador dizia: Olha só... o Snoopy tá

brincando com o amigo dele! Vamos ver o que eles vão fazer depois? Em seguida aparecia a figura do

Snoopy com uma tela de pintura em frente dele e um pincel nas mãos. Na tela de pintura havia uma imagem pintada de Woodstock e o experimentador dizia: Olha lá, o Snoopy está pintando o amigo dele. E em seguida fazia a pergunta. O informante que respondeu não justificou dizendo que não viu Snoopy pintar, mas viu que a imagem já havia sido pintada. Tal resultado, entretanto, não interferiu nos resultados infantis, como vimos.

O que se conclui, inicialmente, é que a gramática infantil funciona da mesma maneira que a gramática adulta no caso das perguntas testadas para a condição 3 (e também para as demais condições). Aparentemente, apenas mencionar que alguém bebeu o suco não é evidência suficiente para que a inferência possa ser feita e para que a percepção indireta seja garantida, nem mesmo para os adultos. Talvez exista uma preferência (universal) pela percepção direta, ainda que a indireta esteja disponível. Esta é justamente uma das hipótese destacadas por Grant & Schreiner (2009) para a semelhança das respostas das crianças e dos adultos, já mostrado na seção 1. A outra hipótese das autoras também pode servir de justificativa: pode ser em função dos itens não serem tão “marcados” para a resposta indireta às perguntas proposicionais, o que tem a ver com a quantidade e qualidade das evidências.

Outro ponto interessante revelado a partir da testagem com os adultos vem da informação fornecida por um deles. Após a realização do experimento, um participante informou que os exemplos com see that (ver que) foram complicados, pois ele não viu o acontecimento, mas apenas ouviu o que ocorreu do experimentador. Para ele, caso a pergunta tivesse sido com o verbo hear (ouvir), nesse contexto, suas respostas teriam sido afirmativas. Portanto, o que parece é que existe uma incompatibilidade entre o tipo de evidência fornecida e o tipo de pergunta feita. Ou seja, o acesso à única evidência disponível é por meio da escuta de um relato (o informante ouve a sentença do experimentador), e a pergunta feita utiliza um verbo de percepção visual (ver). Não existe uma percepção visual do evento (que seria a melhor evidência possível), e ainda que se afirme que alguém bebeu o suco, isso não parece ser suficiente para evitar que ocorra a inferência de outras possibilidades.

A semelhança entre a gramática adulta e a infantil para os complementos finitos de verbos perceptivos também havia sido levantada no estudo de Grant & Schreiner, cujos resultados apontaram que, ainda que a resposta esperada fosse a proposicional, os adultos preferiram a resposta eventiva e apenas respondem com uma proposição em 11% dos casos. Ora, aqui a preferência por uma resposta proposicional (sim) foi rejeitada em 100% dos casos pelos adultos e a resposta negativa dada por todos eles para ambas as perguntas da condição 3 basicamente confirma a interpretação eventiva da situação.

Resume-se o que foi até aqui discutido a respeito dos resultados obtidos, retomando algumas explicações possíveis:

1. Em função das propriedades de escopo, o uso de someone na pergunta pode ser um complicador no processamento das informações denotadas na sentença;

2. O número de evidências, ou mesmo a qualidade dessas evidências, não foi suficiente para gerar uma única explicação possível para o que era mostrado nas figuras e para o estímulo linguístico que acompanhava a figura;

3. A própria natureza da percepção (ou seja, o sentido denotado pelo verbo ver): perceber diretamente um evento envolve experienciar de modo sensorial (visual, neste caso) direto com o evento denotado, e perceber indiretamente envolve ter acesso a evidências suficientes que possam ser computadas e que permitam (juntamente com um conhecimento prévio) concluir que o evento ocorre.

A partir dessas explicações, torna-se crucial controlar a estrutura sintática da pergunta e a quantidade de evidências presentes na história. Para a condição 3, então, novas histórias foram pensadas de modo a garantir que a percepção dita indireta fosse a única disponível. As perguntas também foram modificadas, de modo a privilegiarem a informação sobre a natureza da evidência. Vejamos:

Quadro 7 – Quadro de figuras com o verbo quebrar

Cena 1 Cena 2

No Quadro 7 acima, a Cena 1 mostra a janela intacta e a Cena 2 mostra a mesma janela quebrada. Ao observamos ambos os quadros, não existe a percepção do evento

[quebrar a janela], mas sabe-se que a janela foi quebrada em função da mudança do estado da janela de um quadro para outro. Percebe-se, portanto, o evento de maneira indireta; existe a percepção do fato de que a janela quebrou. Para fazer referência a esse tipo de percepção, é preciso que haja uma sentença complemento do tipo finita, como vimo anteriormente nos capítulos 2 e 3 e na própria discussão levantada neste capítulo. Para questionar sobre essa percepção indireta, inferida, pode-se formular pelo menos três perguntas diferentes, em inglês.

(16) a. Did you see that the window broke? ‘Você viu que a janela quebrou?’

b. Did you see that the window got broken?26 ‘Você viu que a janela foi quebrada?’

c. Did you see that someone broke the window? ‘Você viu que alguém quebrou a janela?’ (17) No, because I didn’t see anyone break it.

‘Não, porque eu não vi ninguém quebrá-la’

Em uma estrutura como (16a), tem-se uma alternância causativa-incoativa (Cambrussi, 2009) em que o predicado encaixado (that the window broke) denota o estado resultante da quebra. O DP the window recebe papel temático de paciente (afetado) pelo verbo break. Em (16b), a causa fica implícita uma vez que a sentença encaixada é passivizada e apenas um papel temático pode ser atribuído – trata-se de uma passiva do tipo get, inexistente no PB. Finalmente, em (16c) tem-se a pergunta com a mesma estrutura sintática testada na condição 3 do experimento. Nessa estrutura o sujeito gramatical (someone) está presente e o verbo quebrar (break) tem sua realização como um predicado de dois lugares que atribui papel temático de paciente afetado para o DP the window e o papel de agente para o DP

someone.

26 Em oposição à passiva com was, a passiva com o verbo get não necessariamente implica que houve um

sujeito para a situação denotada. Em português, uma estrutura passiva análoga a essa formada com o verbo

Não apenas existem diferenças sintáticas entre as sentenças, mas também semânticas. Uma vez que o agente não está presente na sentença encaixada, elimina-se a necessidade de haver evidências para a agentividade e menos evidências são computadas. Na sentença encaixada em (16c), parte da evidência necessária é sobre o autor da ação. Notamos também que a resposta em (17), apesar de ser gramatical, é apenas adequada como resposta para a sentença interrogativa em (16c) e não pode ser utilizada como resposta a (16a) ou (16b). Portanto, essa resposta negativa só é permitida para a sentença (16c), exatamente a sentença que foi testada.

Verbos inacusativos também apresentam um comportamento semelhante, como pode ser acompanhado nos exemplos em (18) abaixo.

(18) a. Did you see that the plant grew? b. *Did you see that the plant got grown? c. #Did you see that someone grew the plant?27

Uma estrutura como (18a) é inacusativa e o predicado encaixado (that the plant grew) denota o estado resultante. O DP the plant recebe papel temático de experienciador afetado pelo predicado crescer. A passiva do tipo get não é possível com este verbo (conforme (18b)) e a sentença com um argumento externo para o verbo encaixado (grew) também não funciona para o sentido desejado. O que nos interessa é que uma pergunta como (18a), em que não existe um agente para a ação, parece ser a mais adequada para se testar a percepção indireta, uma vez que se elimina a necessidade de evidências quanto ao agente, que é justamente um dos aspectos que acreditamos ser um complicador.

O ponto que procuramos sustentar não está, entretanto, relacionado com a melhor escolha lexical dos melhores verbos a serem encaixados como complementos do verbo ver. Pelo contrário, está relacionado à grade temática do verbo, à estrutura sintática do predicado. Verbos que permitem a alternância causativo-incoativa e os verbos inacusativos são saturados por um único argumento cujo papel temático é de paciente (afetado) ou de experienciador, conforme (19) a seguir. Os verbos como beber, comer e quebrar, da

27

maneira que foram utilizados nos experimentos, são verbos que precisam de dois elementos na sua grade temática para serem saturados, como em (20). O argumento aqui é: aumentando-se a quantidade de argumentos, consequentemente aumenta-se o número de evidências a serem computadas para a percepção indireta.28

(19) ver [QUE alguma coisa ACONTECEU]

Verbos inacusativos; alternância causativo-incoativa (20) ver [QUE alguém FEZ alguma coisa]

Verbos como beber, comer e quebrar (da maneira que foram testados aqui)

Desta forma, em função desses fatores (grade temática e número de evidências), espera-se que melhores resultados sejam obtidos quando a testagem ocorrer levando-os em consideração. E isso aconteceu com as novas crianças testadas, como passamos a relatar na subseção a seguir.

2.2.2 O segundo teste com o verbo see e o teste com o verbo ver