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O Relatório do Grupo Executivo para Reformulação da Educação Superior (GERES) parte do trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior (BRASIL, 1985a), visto no item anterior. A introdução do Relatório do GERES destaca que, no discurso de posse do presidente Tancredo Neves, lido por José Sarney, a universidade brasileira passava por uma profunda crise e era necessário compor uma Comissão

de alto nível para estudar a situação e formular propostas. Foi criada, então, a Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior. O GERES esclarece que o documento elaborado pela Comissão não é um projeto, mas um conjunto de proposições que precisam ser tratadas de acordo com sua natureza. Destaca que o fio condutor da proposta da Comissão foi o debate em torno da autonomia da universidade, pensada, contudo, dentro da responsabilidade social da instituição que precisa ser avaliada por processos públicos.

Para a formulação da proposta do GERES, o então ministro da Educação, Jorge Bornhausen, convocou a comunidade. O grupo ligado ao GERES promoveu debates, escreveu artigos, deu entrevistas e recebeu no Ministério representantes de entidades. Nos trabalhos internos, as propostas da Comissão Nacional para Reformulação da Educação Superior foram repassadas e o GERES recorreu a pessoas da comunidade acadêmica para opiniões e sugestões. Mas, como dito anteriormente, as proposições da Comissão Nacional mereciam diversos tratamentos. Medidas de âmbito administrativos recomendadas pela Comissão foram executadas mesmo antes da entrega do relatório final. Medidas administrativas de maior abrangência e profundidade, como a avaliação institucional, foram debatidas como ponto central tanto pela Comissão como pelo GERES. Mudanças nos ordenamentos jurídicos da educação superior exigiam medidas legais prioritárias; então, o GERES redigiu um Projeto de Lei em que “propõe a unificação dos regimes jurídicos das autarquias e fundações universitárias numa só instituição, especificamente intitulada universidade” (BRASIL, 1986, p. 4). A Comissão Nacional sugere uma reformulação no papel e na composição do Conselho Federal de Educação. Na educação superior, o GERES apresenta um Anteprojeto de Lei, mas destaca que não vai propor reformulações à LDB, pois “esta e outras matérias deverão, ainda, receber contribuições importantes da própria Assembléia Nacional Constituinte” (BRASIL, 1986, p. 4). Propostas da Comissão Nacional recomendam mudanças na concepção e organização do sistema de ensino superior, entre elas o debate em torno da necessidade de as universidades terem currículos mínimos para profissões regulamentadas e, como consequência, a influência das corporações profissionais em torno da formação oferecida pela universidade que, para muitos, implica na autonomia didático-científica da universidade, que deveria ter liberdade para propor os seus currículos. Tratar da questão do currículo acarreta debater a concepção de ensino superior. O GERES destaca que a não aceitação do currículo mínimo proposto pelas corporações profissionais pode gerar a necessidade de as corporações exigirem outros processos de avaliação/formação, além da formação universitária, para o exercício da profissão. Então, para o GERES, “ou se retira desde logo o caráter profissional do diploma, ou se aceita que os Conselhos Profissionais regulem a questão, por exemplo, estabelecendo eles mesmos o

currículo aceitável, mediante acordo com a universidade ou à revelia desta” (BRASIL, 1986, p. 4).

Após esclarecer que as proposições da Comissão Nacional precisavam ser tratadas de acordo com a natureza de cada uma, o documento do GERES segue debatendo as questões fundamentais tratadas pela Comissão Nacional, como: Sistema de Educação Superior; as questões de autonomia e avaliação; a reformulação do Conselho Federal de Educação; os aspectos ligados à gestão da universidade; e o debate em torno do financiamento das IES. Em seu Anexo I, apresenta medidas sugeridas pela Comissão Nacional que estão sendo executadas por serem de âmbito administrativo; no Anexo II traz a relação das contribuições recebidas pelo GERES tanto de entidades como de contribuições individuais. Na sequência, o relatório apresenta um Projeto de Lei que dispõe sobre a natureza jurídica, a organização e o funcionamento dos estabelecimentos federais de ensino superior e finaliza com um Anteprojeto de Lei que reformula o Conselho Federal de Educação, suas finalidades e competência e dá outras providências.

Com relação ao Sistema de Educação Superior, o relatório destaca que, no Brasil, a tradição é as instituições de ensino superior se dedicarem ao ensino. Com a Lei nº 5.540/68 (BRASIL, 1968) foi feita uma tentativa homogeneizadora de que, para receber o status de universidade, a instituição deveria atender o princípio da universalidade dos campos de saber atrelado à indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. Para o GERES, “esta concepção de universidade tomada como natural, esvaziada, portanto, de seu conteúdo histórico, introduz um elemento estranho à tradição de nosso ensino superior: a pesquisa” (BRASIL, 1986, p. 5).

A proposta de universidade prevista na Lei 5.540/68 pressupõe dois modelos teóricos de instituição: uma voltada para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, a partir da pesquisa universitária, modelo previsto para o Brasil, mas que esbarrou no modelo de desenvolvimento dependente. O outro modelo, embasado em paradigmas humanistas e liberais, pressupõe o desenvolvimento do ser.

Conforme o GERES, após 18 anos dessa tentativa homogeneizadora, temos um sistema complexo e heterogêneo com dois grandes tipos de instituições: uma que busca atender a legislação, com pesquisa e pós-graduação, mas nem sempre com melhorias para a graduação; e outra que atende um modelo institucional em que não existe pesquisa.

Na prática, o conceito de universidade ficou mais ligado à universalidade de campos de saberes do que ao desenvolvimento de pesquisa, sobretudo nas instituições privadas; pelo alto custo de pesquisas, temos as “universidades de ensino”.

Diante de questões tão complexas, a Comissão Nacional e o GERES fazem propostas para dar organicidade ao sistema de ensino superior e ao sentido de definir o conceito e o papel da universidade nesse sistema. Para a Comissão Nacional, do ponto de vista conceitual, “é conveniente manter a distinção entre universidade e estabelecimento isolado de ensino superior, já que é possível estabelecer diferenças claras de natureza e funções” (BRASIL, 1986, p. 6).

Para o GERES, na prática, o conceito de universidade está atrelado à autonomia didática, administrativa e financeira; então, a proposta do GERES é de que o conceito de universidade esteja atrelado ao de autonomia e não à necessidade de universalidade de campo de saber atrelado ao ensino e pesquisa. A partir de instrumentos de avaliação institucional, a instituição isolada poderá receber o status de universitária.

O Relatório do GERES discutiu o tema da autonomia e da avaliação. Para o Grupo Executivo, o processo de avaliação para concessão de autonomia para as instituições atende a necessidade de controle social da utilização de recursos públicos, mas também contribui com o processo de formulação de políticas e de estabelecimento de normas para o sistema educacional. Até o momento existia um controle burocrático dos meios (orçamentos, rubricas, número de docentes etc.), mas não se fazia uma avaliação das atividades fins das instituições de ensino superior. O objetivo seria uma avaliação institucional e dos cursos oferecidos e, apesar do processo de avaliação ser coordenado pelo MEC/SESu, a avaliação contará com a comunidade acadêmica, por meio das Comissões de Especialistas de Ensino. Conforme o relatório do GERES (BRASIL, 1986, p. 9),

Todo processo de avaliação exige um período razoável de maturação até que seus procedimentos e metodologia adquiram a confiabilidade indispensável. Por isso, é imprescindível que desde o início o processo seja aberto ao conhecimento público especialmente à comunidade educacional, órgãos do governo e entidades interessadas.

O relatório final do GERES prevê uma reformulação no Conselho Federal de Educação, “tanto em relação ao seu papel e competência, quanto em relação à sua composição e forma de designação dos seus membros” (BRASIL, 1986, p. 10). O documento destaca que o Conselho estava sobrecarregado com questões casuísticas da rotina das instituições e ingerência em questões das universidades em sua autonomia e, como consequência, atuando pouco no assessoramento e na formulação de políticas educacionais.

O GERES discorda da Comissão Nacional no sentido de que o processo de avaliação das instituições deva ser conduzido pela Secretaria da Educação Superior, apesar de seus resultados serem importantes para a “formulação de políticas e ao assessoramento direto ao

Governo em matéria de planejamento e, inclusive, de orçamento e financiamento” (BRASIL, 1986, p. 10).

No projeto elaborado pelo GERES, “as atribuições do órgão, fixando-as sobretudo na definição de normas a serem observadas pelos órgãos executivos do sistema federal de ensino, além das funções de assessoramento na formulação das políticas de governo para a educação” (BRASIL, 1986, p. 10).

No que se refere à carreira no âmbito da IES federal, gostaríamos de destacar a questão da avaliação de desempenho proposta para os professores quanto às atividades do magistério e à produção científica e cultural. O documento produzido pelo GERES reforça as proposições da Comissão Nacional, de que a carreira dos docentes das instituições federais deveria estar associada à avaliação de desempenho. Diz o documento (BRASIL, 1986, p. 15):

A proposta será factível através da instauração da avaliação não apenas dos cursos e instituições, mas também dos próprios docentes. Tanto no projeto de lei que estabelece o novo ente jurídico, quanto no que trata do Conselho Federal de Educação, foram incorporados dispositivos relativos à avaliação pública, externa, vista como o corolário da própria idéia de autonomia da universidade pública.

Na temática relacionada com a gestão da universidade, tanto na Comissão Nacional quanto no GERES o grande debate ficou em torno da escolha dos dirigentes das IES federais, sobretudo os reitores. Existia um grupo que defendia a necessidade de ser respeitada a eleição direta dos reitores, e que caberia ao governo acatar a decisão da comunidade universitária, que escolheria seus dirigentes através do voto paritário. Uma segunda corrente defendia que a universidade não é a sociedade em miniatura e que os interesses em torno da gestão da universidade iriam além da comunidade interna – professores, técnico-administrativos e alunos –, pois o público em geral, ou seja, os contribuintes, precisam ter seus interesses representados a partir da representação e da presença do governo nos assuntos das instituições. Então, apesar das discordâncias dentro dos grupos que debateram em torno da Comissão Nacional, o GERES e seu relatório final orientou que listas tríplices com os dirigentes escolhidos pela comunidade interna das instituições sejam enviadas para o governo, que tomará a decisão final na escolha dos gestores das instituições federais. Conforme o documento (BRASIL, 1986, p. 18),

Merece repetido, contudo, que a universidade não é a sociedade em miniatura, mas sim uma instituição específica, em que as várias atividades e interesses a elas ligados devem subordinar-se à missão central de geração e transmissão de conhecimentos. A cidadania acadêmica, diferentemente da que se concede na sociedade global, não igualiza; ao contrário, diferencia, em função do mérito e da competência.

Quanto aos aspectos do financiamento, o GERES destaca a questão da avaliação de desempenho das instituições, como subsídios para alocação de recursos. Quanto ao financiamento das instituições privadas, um aspecto bastante debatido na Comissão Nacional “considerou o GERES requererem debate mais aprofundado, inclusive no âmbito da Assembléia Nacional Constituinte” (BRASIL, 1986, p. 20).

Conforme destacado anteriormente, na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão continua definindo o conceito de universidade e, consequentemente, a autonomia administrativa, didática e financeira; mas ficou aberto o caminho para a diversificação institucional, sobretudo das faculdades isoladas que, de acordo com o GERES, fazem parte da tradição brasileira de formação superior voltada para a profissionalização em instituições de ensino que não desenvolvem pesquisa. A LDB 9.394/96 (BRASIL, 1996) regulamentará essa diversificação institucional para a oferta de educação superior no Brasil.

Conforme Barreyro e Rothen (2008), o GERES foi um grupo executivo que, no Brasil, às vezes, é confundido com legislativo. Os autores destacam que as propostas da Comissão Nacional, da qual os trabalhos do GERES partiram, serão a base para a educação superior que, no Brasil, iria se organizar a partir de meados da década de 1990; e somente os aspectos de relação direta entre avaliação e financiamento foram parcialmente implementados nas instituições.