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2.2 A Reforma da Universidade no Contexto Europeu

2.2.1 O Processo de Bolonha

O Processo de Bolonha foi um instrumento político para a construção do Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES). O Processo de Bolonha foi pensado para o espaço de uma década (1999-2010), e conduzido como processo de adesão “voluntária” tanto dos países quanto das instituições. No final da década, o acordo foi assumido por 47 países. Entre os objetivos do Processo de Bolonha estava a necessidade de romper as barreiras que impediam a mobilidade estudantil e, para tanto, foi necessário estabelecer mecanismos para a compatibilidade e comparabilidade dos sistemas de ensino superior (PEREIRA, 2011).

Conforme Pereira e Almeida (2011, p. 16), que organizaram uma proposta de análise dos dez anos do Processo de Bolonha, as interpretações são “tanto na perspectiva de olhar o Processo de Bolonha como um movimento inteiramente positivo para as universidades, como na perspectiva mais crítica de vê-lo como um instrumento mais a serviço da demanda neoliberal”.

Autores acreditam, por outro lado, que a mudança de paradigmas no ensino superior, tanto em nível nacional quanto internacional, foram reformas que pretenderam dar respostas aos desafios da educação superior no terceiro milênio. Zgaga (2011), ministro da Educação da Eslovênia em 1999-2000, discute que, apesar das diferenças entre os sistemas de ensino superior na Europa, é possível identificar alguns problemas comuns em todos os países e regiões. Nas palavras do autor,

Em todos os lugares, por exemplo, o número de alunos começou a crescer muito no início dos anos 1990 e, desde então, o acesso ao ensino superior tem sido tema constante de debates políticos e públicos. Surgiram rapidamente Instituições Privadas: tratava-se de um fenômeno novo em quase toda parte. Os orçamentos do Estado diminuíram muito e as universidades públicas atravessaram sérios problemas; passando a cobrar taxas dos estudantes, algo outrora imaginado. Quase todos os países enfrentaram problemas com a ‘fuga de cérebros’, nos dois sentidos, numa situação de futuro sombrio e indefinido (ZGAGA, 2011, p. 550).

Zgaga (2011) aponta, por outro lado, que os impactos do Processo de Bolonha, enquanto fórum internacional, foi pensado de diferentes formas a partir do contexto nacional dos países. As diretrizes de Bolonha foram interpretadas e adaptadas conforme os interesses e objetivos nacionais, e concluiu que há “Bolonha”, mas há “bolonhas”.

Ainda temos de testar eventuais saldos. A implementação nem sempre segue ideias políticas verdadeiras na íntegra, mas isso não deve ser interpretado de forma simplista como um movimento ‘fora de origem’ ou como ‘traição’. Os processos de concepção e implementação dependerá de lógicas diferentes e eles estão enraizados por motivos diferentes – mas eles também precisam uns dos outros, como um ‘corretivo’ mútuo. No entanto, se estiverem muito distanciados uns dos outros, isso pode ser um problema (ZGAGA, 2011, p. 44).

Para Zgaga (2011, p. 59), ainda existe a necessidade de uma análise aprofundada do Processo de Bolonha em cada país, pois, diante disso, “não seria difícil demonstrar que essas traduções nacionais da ‘filosofia’ de Bolonha em ‘diretrizes’, às vezes nada têm a ver com os verdadeiros documentos de Bolonha”.

Andrée Sursock (2011), por outro lado, que realiza uma avaliação dos dez anos do Processo de Bolonha a partir do Relatório Tendências de 2010, apresentou uma análise diferente da de Zgaga (2011) em relação ao processo de adaptação e interpretação das diretrizes de Bolonha pelos diversos países. A autora é consultora sênior da Associação Europeia de Universidade, “que representa as universidades europeias por meio de 850 membros, em 46 países, tem sido um importante ator no Grupo de Acompanhamento do Processo de Bolonha” (SURSOCK, 2011, p. 68).

Os governos e líderes institucionais, segundo Sursock (2011), continuam avaliando o Processo de Bolonha com o filtro do contexto nacional ou regional. Muitas vezes, “o Processo de Bolonha é aproveitado no nível nacional como uma oportunidade de trazer mudanças que não são necessariamente acordadas no nível europeu” (SURSOCK, 2011, p. 71). Na maioria das vezes, as alterações do sistema de ensino são apresentadas como mudanças nacionais e não mudanças na perspectiva europeia; para alguns, o quadro é misto (o Processo de Bolonha é tanto nacional como europeu).

A medida final das reformas de Bolonha, segundo Sursock (2011), é a mudança de paradigma para a aprendizagem centrada no aluno, na perspectiva de formações compatíveis e comparáveis, e mudança na forma de organizar, conduzir, avaliar e validar a formação dos alunos, de forma a permitir uma mobilidade estudantil, e a futura empregabilidade dentro do Espaço Europeu de Ensino Superior é o objetivo central de Bolonha, mas um desafio para as nações e instituições.

Para outros intérpretes, como Cachapuz (2011, p. 94), a progressiva ruptura do modelo tradicional da universidade europeia “visa, antes de mais nada, criar a Universidade/Empresa ao serviço da reorganização internacional do trabalho e satisfazer a troca de ‘serviços’ defendida pela Organização Mundial do Comércio”. O autor destaca, ainda, a existência de um processo de estratificação das universidades europeias entre universidade de investigação e universidade de ensino.

Para Bauman (2008, p. 168), o processo de atrasar a formação superior profissional dos jovens está associado à “universidade abrigo temporário em uma sociedade de desemprego estrutural”. Destaca que a atual crise educacional é uma crise de instituições e filosofias herdadas; “Criadas para um tipo diferente de realidade, elas acham cada vez mais difícil absorver, acomodar e manter as mudanças sem uma revisão meticulosa dos conceituais que empregam” (BAUMAN, 2008, p. 164). As mudanças, na realidade, trazem impacto para as instituições.

No caso do Brasil, Rossato (2011) destaca que o impacto do Processo de Bolonha leva a um aprofundamento do processo de neoliberalismo na educação, que vinha se desenhando desde a LDB (BRASIL, 1996). Algumas tendências, como a universidade de serviço, no Brasil são resultado da aplicação das diretrizes de Bolonha no contexto nacional.

A experiência europeia do Processo de Bolonha, que pretende buscar a integração de sistemas de ensino superior tão diversos, é um desafio (NUNES, 2012, p. 85). O desenvolvimento desses sistemas nos diversos países está relacionado com demandas políticas

e sociais dessas sociedades ao longo do tempo. Como exemplo, traremos algumas características dos modelos alemão, americano, francês, chinês e inglês.