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Os incentivos fiscais têm o poder de atrair indústrias para um ente estatal, gerando empregos e aumentando a arrecadação tributária indireta. Entretanto, os entes que não fazem uso do incentivo perdem esse poder de atração. Contam, a seu favor, com outros benefícios, tais como a proximidade do mercado consumidor, da mão de obra especializada ou das vias de escoamento da produção. E é exatamente por possuírem essa vantagem competitiva que essas unidades federadas não aceitam que as outras façam uso de mecanismos desonerativos do ICMS, pois perderão a oportunidade de receber novas indústrias, que irão para o ente que possuir o benefício, assim como correrão o risco de perder as que ali já se encontram instaladas. Ademais, as empresas já fixadas perdem competitividade para as que recebem o benefício fiscal, pois estas não suportarão a mesma carga tributária daquelas.

É nesse contexto de disputa que nasce a famigerada guerra fiscal do ICMS. Ela começa quando um ente estatal concede uma desoneração do imposto à revelia da aprovação dos demais entes. Nos termos do art. 2º, §2º, da Lei Complementar nº 24/75, essa concessão depende de convênio, aprovado em votação unânime. Como o quorum de unanimidade é muito difícil de ser alcançado, os entes federados derrotados na votação optam por desobedecer a lei, gerando a revolta dos demais.

A guerra fiscal acontece quando há um abuso no exercício da autonomia local de um Estado, provocando prejuízos aos interesses de outros entes federados. Ela não se caracteriza pela adoção de políticas de incentivo fiscal pelos Estados e Municípios, pois isso é inerente ao federalismo. A guerra fiscal tem como pressuposto a violação do princípio da conduta amistosa federativa, mediante ações abusivas ou ilegais, com o fito de atrair empreendimentos que, sem essas práticas, seriam destinados a outro ente (RIBEIRO, 2012, p. 141).

Os Estados prejudicados reclamam a aplicação das sanções previstas na lei complementar, mas o Poder Público tem atuado com ineficácia nesse sentido. Como resposta, alguns entes chegam a adotar posturas intransigentes diante da diminuição da arrecadação, como a resistência à utilização de créditos do ICMS sobre bens ou mercadorias advindos daquelas unidades federadas que concedem incentivos fiscais (CAVALCANTI, 2012, p. 261).

No entendimento de Ricardo Varsano (1998, p. 6):

A guerra fiscal é, como o próprio nome indica, uma situação de conflito na Federação. O ente federado que ganha — quando de fato, existe algum ganho — impõe, na maioria dos casos, uma perda a algum ou a alguns dos demais, posto que a guerra raramente é um jogo de soma positiva. O federalismo, que é uma relação de cooperação entre as unidades de governo, é abalado. Também a Federação — cara aos brasileiros a ponto de a Constituição conter cláusula pétrea que impede sua abolição — perde.

Para Sérgio Prado (2000, p. 18):

A guerra fiscal é um processo de alteração na alocação de capacidade produtiva, emprego e receita fiscal entre unidades federadas, onde o conjunto do país perde, mas nada impede que alguns, individualmente, ganhem.

Para Carlos José Wanderley de Mesquita (2012, p .232), a guerra fiscal é:

[…] a disputa fiscal no contexto federativo, que se manifesta de forma conflituosa e desordenada, através da intensificação de práticas concorrenciais unilaterais e extremas entre os Estados da federação, no que diz respeito à gestão de suas políticas desenvolvimentistas, em flagrante desrespeito à ordem jurídica, decorrente da ausência de políticas de desenvolvimento regionais e nacionais, revelando, entretanto, seu aspecto perverso pelos resultados negativos gerados para toda a sociedade brasileira.

A guerra fiscal nasce da concorrência ilegal entre os Estados, degenerando a Federação. Diante disso, qual seria a solução para acabar com essa “guerra”?

Há duas visões acerca do tema. Há aqueles que veem vantagem na disputa, pois, na ausência de uma eficiente política nacional de desenvolvimento regional, os Estados menos desenvolvidos contariam apenas com os incentivos fiscais do ICMS como instrumento de aceleração do seu desenvolvimento. Ademais, esses incentivos também servem para conter o crescimento do governo e da tributação, pois a concorrência entre os entes federados desestimula o aumento dos impostos.

Por outro lado, há os que consideram a concessão unilateral de incentivos fiscais um problema, pois haveria uma escalada de concessão de benefícios e, ao final, todos os entes públicos perderiam arrecadação. Além disso, seriam introduzidas distorções no

sistema tributário, geradoras de ineficiência. Por exemplo, para manterem o nível de arrecadação ao mesmo tempo em que concedem incentivos, os entes tenderiam a sobretaxar alguns setores econômicos de mais fácil tributação e que não podem transferir-se para outro Estado. São os casos dos setores de energia elétrica e de telefonia. O resultado seria o aumento do custo desses serviços essenciais.

Esses opositores acusam os Estados que fazem uso dos benefícios irregulares de desagregadores, gerando uma crise de descentralização, com conotações negativas à autonomia dos entes federados. Usam esses argumentos para justificar um novo pacto federativo, como se a guerra fiscal fosse causa e não efeito (MESQUITA, 2012, p. 233).

Nesse novo pacto, tenta-se diminuir a autonomia dos Estados, como aconteceu quando o Poder Executivo apresentou ao Congresso Nacional a PEC nº 233, de 2008, com uma proposta de reforma tributária. Um de seus objetivos era coibir a guerra fiscal por meio da federalização do ICMS e da substituição da tributação na origem (local de produção) pela tributação no destino (local de consumo). Em compensação, seria criado um fundo de desenvolvimento regional.

Não tendo a PEC logrado aprovação, a questão da guerra fiscal continua aberta. Em vez de suprimi-la, é possível regulamentá-la e colocá-la dentro de limites que evitem prejuízos econômicos excessivos à Federação. Esse é o caminho proposto neste trabalho, a partir da flexibilização do quorum de unanimidade exigido pela Lei Complementar nº 24/75 para a concessão de desonerações do ICMS. Afinal, como bem observou Everardo Maciel (2009):

Incentivos fiscais não são necessariamente ilegais. Guerra fiscal consiste em outorgá-los sem suporte legal. Por que persistem as ilegalidades? Porque há uma condescendência geral com práticas nocivas. O TCU jamais exerceu a competência que lhe foi conferida, há mais de 30 anos, pelo parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar nº 24. O Ministério Público, na condição de fiscal da lei, salvo singulares iniciativas, não se dispõe a tratar da questão. O Judiciário dispensa indiferença e morosidade às raras demandas. Os governos dos Estados prejudicados acomodam sua indignação na conveniência política. Nada se faz e todos protestam. Talvez seja um caso clássico de hipocrisia coletiva.