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Guerras ciberfinanceiras

No documento livro-a-febre-do-ouro.pdf (páginas 105-109)

No dia 22 de agosto de 2013, a Nasdaq ficou fechada por mais de meio dia. Investidores não receberam uma explicação crível do ocorrido. Se houvesse uma explicação benigna ou técnica, a Nasdaq a teria divulgado. Poderia ter sido um código errado ou um erro de engenharia na atualização ou instalação de um software, mas ela nunca forneceu nenhuma explicação, com exceção de referências vagas a problemas de interface.

Por que não? A Nasdaq deve saber. A única resposta provável é que a causa do fechamento foi nefasta e provavelmente causada por hackers ou, pior ainda, ciberbrigadas militares da Rússia ou da China. Investidores não devem duvidar da habilidade de diversas unidades de combate cibernético estrangeiras de fechar ou atrapalhar o funcionamento de grandes bolsas dos Estados Unidos e de outros lugares do mundo.

Em 2014, a Bloomberg Businessweek fez uma matéria intitulada “The Nasdaq Hack”, cujo tema foi um incidente ocorrido em 2010. No entanto, apenas no fim de julho de 2014, a mídia conseguiu divulgar o que havia acontecido: com a ajuda do FBI, da NSA e do Departamento de Segurança Nacional, a Nasdaq encontrou um vírus em seus sistemas, identificou a origem e determinou que estava sob ataque. Ele não havia sido colocado lá por criminosos, mas pelo Estado russo.

Histórias desse tipo com frequência são divulgadas por fontes oficiais com interesses específicos. Por que essa história em particular vazou quatro anos após o incidente? A divulgação é oportuna, mas por que a fonte esperou quatro anos? Uma possibilidade é que alguém quis revelar a extensão da invasão russa nas bolsas americanas como forma de alertar os investidores para a possibilidade de que o pior estava por vir. Era um alerta.

Uma resposta comum dos analistas é que nossos hackers devem ser tão bons quanto os deles; nós poderíamos fechar a Bolsa de Valores de Moscou se os hackers russos fechassem a Bolsa de Valores de Nova York. Sim, é claro que poderíamos. Os Estados Unidos são melhores nas guerras cibernéticas do que qualquer outro país do mundo, mas considere os desdobramentos possíveis.

Se a Rússia fechar a Bolsa de Valores de Nova York, e os Estados Unidos fecharem a Bolsa de Valores de Moscou, quem perde? Os Estados

Unidos, porque nossos mercados são maiores e mais importantes. Há muito mais riqueza envolvida nos Estados Unidos e mais efeitos de alastramento de danos prováveis. Financeiramente, a Rússia não tem muito a perder. Não retaliamos nas guerras ciberfinanceiras porque elas terminam mal para os Estados Unidos. O presidente russo, Vladimir Putin sabe disso, e esse é um dos motivos pelos quais ele invadiu a Crimeia com confiança em 2014. Ele sabia muito bem que os Estados Unidos não escalariam no campo de batalha financeiro porque tinham mais a perder do que a Rússia. Para os não familiarizados com a Guerra Fria, uma dinâmica de agravamento também existiu. Os Estados Unidos tinham mísseis suficientes para destruir completamente a Rússia (na época, União Soviética). A Rússia tinha mísseis suficientes para destruir completamente os Estados Unidos. Uma situação extremamente instável porque havia muita tentação de disparar primeiro. Quem ataca primeiro e destrói o inimigo, vence. A resposta a essa instabilidade era construir mais mísseis. Com mísseis suficientes, seria possível resistir ao primeiro ataque e contra-atacar. O contra-ataque devastaria quem havia atacado primeiro. Era a capacidade de contra-atacar das duas partes que impedia que mísseis fossem lançados.

A dinâmica, aplicada à guerra financeira, não é completamente reconhecida hoje. As armas podem ser simétricas, mas as perdas não são. Os Estados Unidos são o país que mais tem a perder.

Outro perigo é o início acidental de uma guerra ciberfinanceira. Se você pedir a seus hackers para desenvolver a habilidade de fechar a Bolsa de Valores de Nova York, eles precisarão praticar. Por exemplo, pode surgir uma situação em que hackers russos não queiram dar início a um pânico financeiro, mas, durante investigações, acidentalmente causem o fechamento de bolsas. É um cenário muito mais preocupante porque não exige racionalidade, é a decorrência de um acidente, e acidentes acontecem o tempo todo.

Os Estados Unidos têm excelentes habilidades preventivas nas guerras cibernéticas por meio do Comando Cibernético dos Estados Unidos e da Agência de Segurança Nacional (NSA). No entanto, esforço insuficiente foi devotado à doutrina estratégica. Apenas alguns experts, como Juan Zarate, no Centro de Sanções e Finanças Ilícitas, e Jim Lewis, no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, têm desempenhado papéis comparáveis àqueles que Herman Kahn e Henry Kissinger desempenharam na década de 1960, quando a doutrina de guerra nuclear estratégica evoluiu. Essa deficiência estratégica aumenta o risco de guerras ciberfinanceiras. A ameaça é mais um motivo para se ter ouro, porque ouro não é digital e não pode ser “hackeado” ou apagado.

Abandonando o dólar Apesar de parecer uma política estranha, desde 2010, o governo americano efetivamente abandonou o dólar forte. Em janeiro daquele ano, os Estados Unidos acabaram com a política do dólar sólido que havia vigorado desde 1980. Uma política intencional de baratear o dólar para estimular a inflação e o crescimento nominal foi iniciado. A política tinha sido acordada na reunião dos líderes do G20 em Pittsburgh, em setembro de 2009. Considerava-se que os Estados Unidos eram a maior economia do mundo e, caso o crescimento do país entrasse em colapso, levaria o mundo com eles. Dólar fraco era a chave para o crescimento, por isso o dólar forte foi abandonado.

A tática do dólar fraco deu início a uma guerra cambial que está em curso desde então. Um problema com as guerras cambiais é que elas não têm conclusão lógica. No caso do dólar, há muita atividade pelo mundo feita para diminuir o papel do dólar como moeda de reserva mundial. Muitos de nossos parceiros comerciais e de investimentos perderam a confiança no dólar e se ressentem pela forma com que os Estados Unidos utilizam o status do dólar para criar déficits e imprimir dinheiro.

Por exemplo, houve uma grande comoção na França em 2014 quando os Estados Unidos extraíram quase US$ 9 bilhões de BNP Paribas, um dos maiores bancos franceses, por violar sanções econômicas. As ações que compunham a violação ocorreram na França, na Suíça e no Irã – fora da jurisdição dos Estados Unidos – e foram comunicadas por bancos franceses e contrapartes iranianas. Como as transações eram denominadas em dólares, e esses dólares tinham de passar por um sistema de liquidação controlado pelo Fed e pelo Tesouro, elas se tornaram sujeitas à jurisdição americana apesar de à primeira vista não haver nada nas transações em si para sujeitar os bancos à lei americana.

É possível questionar os méritos do processo. Mesmo assim, não há dúvidas de que parceiros comerciais, incluindo os aliados dos Estados Unidos, estão cansados do sistema global de dólar em parte por causa de tais processos. Como resultado, bancos estrangeiros estão se distanciando do sistema do dólar tão rápido quanto possível.

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