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Hegemonia do dólar

No documento livro-a-febre-do-ouro.pdf (páginas 109-114)

Financiamento comercial entre dois países soberanos é apenas uma questão de manter registros. Por exemplo, um país envia produtos para outro, o que gera dívida em determinada moeda. Esse país, por sua vez, envia produtos para aquele, o que gera dívida em outra moeda. As duas transações de moedas estrangeiras podem ser compensadas, com a liquidação estabelecida com a moeda de sua preferência. É a balança comercial, que é acertada periodicamente. Você pode estabelecê-la em dólares, figurinhas de baseball ou tampas de garrafa. Qualquer numerário ou dispositivo de contagem com a qual as partes concordam é suficiente para esse propósito, o que significa que um vasto conjunto de moedas pode ser usado como moeda de troca. O yuan certamente se qualifica.

Há uma diferença entre moeda de troca e moeda de reserva. A moeda de reserva não é apenas uma maneira de acertar balanços comerciais. É como você investe seu superávit. Agir como moeda de reserva exige muitos ativos líquidos disponíveis. É por isso que o yuan não está perto de alcançar o status de moeda de reserva – os ativos líquidos disponíveis não estão lá.

Não há mercado no mundo que se aproxime do mercado do Tesouro americano em capacidade de absorção de fluxos de capital resultantes de investimentos e comércio mundial. Quando você considera as posições de reserva do Japão, da China, de Taiwan, e de alguns outros, as quantidades são medidas na casa dos trilhões de dólares. A curto prazo, não há mercado capaz de absorver esses fluxos de capitais de forma líquida, com exceção do mercado de títulos do Tesouro americano.

Dito isso, não há dúvidas de que a Rússia, a China e outros países gostariam de se livrar da hegemonia do dólar. Eles gostariam de um sistema que não fosse baseado em dólar, mas há obstáculos no caminho.

A China teme porque tem US$ 2 trilhões da dívida americana em seus US$ 3,2 trilhões de posições de reserva (o resto está em ouro, euro e outros ativos), e está preocupada que os Estados Unidos inflacionem a moeda.

A Rússia quer dar as costas ao dólar porque os EUA se opuseram às suas ambições na Europa Oriental e na Ásia Central, em 2015, e impuseram sanções em dólar e euro.

A Arábia Saudita talvez dê as costas ao dólar porque se sente traída pelos Estados Unidos. Em dezembro de 2013, o presidente Obama efetivamente ungiu o Irã como a potência hegemônica regional do

Golfo Pérsico, permitindo que o país mantivesse seu reator nuclear e seu programa de enriquecimento de urânio. A Arábia Saudita viu essa atitude como uma facada nas costas, principalmente por causa do acordo secreto com os Estados Unidos, décadas atrás.

Na década de 1970, durante as administrações de Nixon e Ford, os Estados Unidos e a Arábia Saudita fizeram o acordo do petrodólar. Os Estados Unidos garantiriam a segurança nacional da Arábia Saudita e, em troca, a Arábia Saudita exigiria que o petróleo fosse precificado em dólar. Assim que o petróleo foi precificado em dólar, todos precisaram de dólares porque todos precisam de petróleo. O acordo do petrodólar criou uma base forte para manter o dólar como moeda de reserva mundial.

Hoje, a China, a Rússia e a Arábia Saudita são nações poderosas que exportam petróleo, gás natural e bens manufaturados e compartilham o interesse de acabar com a hegemonia do dólar no sistema monetário internacional.

Em 2009, fui um dos desenvolvedores e facilitadores do primeiro jogo de guerra financeira do Pentágono, um evento sobre o qual escrevi em meu primeiro livro, A guerra das moedas (2011). Quando o jogo começou, fiquei no time da China e meu colega no time da Rússia. Juntos, elaboramos um plano em que a Rússia e a China uniriam as reservas de ouro, as colocariam em um cofre suíço e emitiriam uma nova moeda lastreada em ouro, utilizando um banco londrino. A China e a Rússia anunciariam que, quem quisesse comprar energia russa ou bens manufaturados chineses não poderia pagar em dólares. Quem quisesse a nova moeda, poderia tomá-la emprestada ou depositar ouro junto aos russos e chineses para obtê-la do banco londrino. O banco a emitiria lastreada em ouro.

De repente, haveria um novo padrão-ouro, uma nova moeda patrocinada pela Rússia e pela China, com abertura para a participação de outros, e uma urgência de uso, porque a moeda seria necessária para obter as exportações russas e chinesas.

Sabíamos que o cenário de ouro russo-chinês não se desenrolaria imediatamente. O objetivo do jogo era pensar fora da caixa e ajudar o Pentágono a observar o futuro distante.

Na época, nós fomos ridicularizados por alguns de nossos colegas participantes – economistas extremamente respeitados. Os supostos gurus insistiram que estávamos sendo ridículos e que ouro não faz parte do sistema monetário internacional. Fomos acusados de estar desperdiçando o tempo de todos.

Tudo bem, nós pensamos; vamos apenas sorrir, suportar as críticas e ver como o jogo se desenvolve. Elaboramos o cenário em 2009, desde então, a Rússia aumentou suas reservas de ouro em 100%, e a China dobrou suas reservas de ouro diversas vezes. Em outras palavras, a China e a Rússia estão se comportando exatamente como previmos em 2009. Os dois países podem ver a quebra do sistema monetário internacional se aproximando e estão se preparando com a aquisição de ouro. Investidores devem fazer o mesmo.

Isso não significa que vamos acordar amanhã de manhã e que o rublo será a moeda de reserva mundial lastreada em ouro. Não espero nada disso. A Rússia tem muitos problemas com corrupção, com estado de direito e com ausência de um mercado de títulos. Não vemos o rublo como moeda de reserva mundial num futuro próximo. Mas a Rússia e a China definitivamente estão se afastando do dólar e se aproximando do ouro.

Vimos evidências desse movimento em 2014 com o anúncio de acordos multianuais e multibilionários de desenvolvimento e comércio de petróleo e gás natural entre a China e a Rússia, que anunciou um acordo similar, um pouco menor, mas ainda grande com o Irã. Tanto Irã quanto Rússia estão sofrendo sanções dos Estados Unidos. O Irã chegou a ser expulso do sistema de pagamentos do dólar por um período. Isso ainda não aconteceu com a Rússia, mas os Estados Unidos fazem ameaças o tempo todo. O Irã e a Rússia também estão se unindo para fugir da armadilha do dólar com novos acordos envolvendo armas, reatores nucleares, ouro e comida.

A Rússia concordou em comprar petróleo iraniano, o que é estranho porque a Rússia é uma das maiores exportadoras de petróleo do mundo. Por que a Rússia importaria petróleo do Irã se é uma grande exportadora? Porque, até recentemente, os iranianos não conseguiam vender com facilidade no mercado aberto por causa das sanções americanas. Se o Irã vender petróleo para a Rússia, ele pode ser reexportado (petróleo é fungível até certo ponto) para a China e outros países. A Rússia, já sob sanções americanas, pode agir como intermediária na venda de petróleo iraniano para a China (também sob sanções americanas) e manter as mãos chinesas limpas.

Recentemente, a China fez uma troca de moedas com a Suíça para ter acesso a francos suíços em troca de yuans. Podemos começar a juntar os pontos. A China tem acesso a francos suíços, uma moeda altamente desejável. O Irã está vendendo petróleo para a Rússia, que poderá ser revendido para a China. A China pode pagar a Rússia em francos suíços que a Rússia pode intermediar por meio do novo banco do Brics. O que falta nessa cadeia de comércio? O dólar, ele não está envolvido.

Todos esses países estão trabalhando nos bastidores para acabar com a hegemonia do dólar enquanto os Estados Unidos parecem estar dormindo no ponto. Investidores acordarão um dia e verão que o dólar está em queda livre e ninguém sabe por quê. Mas você pode ver essa grande mudança chegando. Se o dólar entrar em colapso pela falta de confiança, todo o sistema monetário entrará em colapso.

No documento livro-a-febre-do-ouro.pdf (páginas 109-114)