“ O q ue fa ç o é músic a ” , d e c la ro u Hé lio O itic ic a . De fa to , p a ra a lé m d o c a rá te r p o lê mic o d e ssa a firma ç ã o , a músic a , ind ub ita ve lme nte , te ve um imp o rta nte p a p e l e m sua s p ro p o siç õ e s a mb ie nta is, c o mo já fo i p e rc e b id o p e lo s c rític o s d e sua o b ra , e sp e c ia lme nte a re la ç ã o e ntre o Pa ra ng o lé e o Sa mb a . Sa ind o d o te rre iro d o sa mb a , a ssina -se a q ui a re la ç ã o d o ro c k c o m o tra b a lho d e O itic ic a , re ssa lta nd o o s d e sd o b ra me nto s é tic o s d isp a ra d o s p o r e sta re la ç ã o d e ntro d a re c o d ific a ç ã o d o s Pa ra ng o lé s, o c o rrid a no p e río d o a b o rd a d o . Este s d e sd o b ra me nto s visa m o q ue o a rtista c ha mo u d e d e smitific a rã o , d a ultra p a ssa g e m d a “ c o ni-c o nvivê nc ia ” p re se nte no c o tid ia no d o mina d o p e la re tific a ç ã o . Pa ra isso , va mo s utiliza r a lg uma s imp lic a ç õ e s e ntre sa b e r, p o d e r e sub je tiva ç ã o p re se nte s no c o nc e ito d e “ d isp o sitivo ” , d e Mic he l Fo uc a ult re lid o p o r De le uze (1990) e a lg uma s no ç õ e s p ro p o sta s p o r Má rio Pe rnio la no livro Pe nsa nd o o Ritua l: Se xua lid a d e , Mo rte e Mund o (2000).
O ro c k n’ ro ll te m uma imp o rtâ nc ia fund a me nta l na o b ra d e Hé lio O itic ic a , p rinc ip a lme nte no p e río d o e m q ue o a rtista vive u e m Ne w Yo rk e m se u a uto - e xílio , no s a no s 70, d ura nte o re g ime milita r b ra sile iro . O ro c k fo i um e le me nto c ha ve q ue p e rmitiu a O itic ic a e ste nd e r o s d e sd o b ra me nto s d o Pro g ra ma Amb ie nta l d ura nte sua e sta d ia e m Ne w Yo rk. Essa p a ssa g e m d o sa mb a a o ro c k p õ e e m e vid ê nc ia a s mud a nç a s na s c o nc e p ç õ e s d o s Pa ra ng o lé s e ntre me a d o s d a d é c a d a d e 1960 e a o s a no s 1970.
d e se nvo lvime nto d e se us p rime iro s Pa ra ng o lé s, p ro p o siç õ e s sing ula re s c ria d a s p o r O itic ic a , p ro p o siç õ e s c o mp o rta me nta is, a mb ie nta is, q ue p e d ia m a p a rtic ip a ç ã o d o e sp e c ta d o r. Junta me nte a e sse d e slo c a me nto d o p a p e l d o p úb lic o , o s Pa ra ng o lé s c o lo c a va m ta mb é m o p ro b le ma d o te mp o , já q ue e ste último e ra c o nvo c a d o p a ra a tiva r o e sp a ç o , c o nfluind o p a ra a c ria ç ã o d e um e sp a ç o -te mp o a mb ie nta l, o nd e a s c a te g o ria s d e o b ra e e sp e c ta d o r a ssumia m d e te rmina ç õ e s d ife re nte s d a s tra d ic io na is :
O Pa ra ng o lé re ve la e ntã o o se u c a rá te r fund a me nta l d e e strutura a mb ie nta l, p o ssuind o um núc le o p rinc ip a l: o p a rtic ip a d o ra -o b ra , q ue se d e sme mb ra e m “ p a rtic ip a d o r” , q ua nd o a ssiste e “ o b ra ’ q ua nd o a ssistid a d e fo ra ne sse e sp a ç o -te mp o a mb ie nta l. Esse s núc le o s p a rtic ip a d o ra -o b ra a o se re la c io na re m num a mb ie nte d e te rmina d o (numa e xp o siç ã o p o r e x.) c ria m um siste ma a mb ie nta l Pa ra ng o lé q ue p o r sua ve z p o d e ria se r a ssistid o p o r o utro s p a rtic ip a d o re s d e fo ra (O ITIC IC A, 1986, p .76)
O s Pa ra ng o lé s a la rg a m se u c a mp o d e a ç ã o d e sd e sua c ria ç ã o e m 1964. Ma is d o q ue o simp le s uso d e uma c a p a , o s Pa ra ng o lé s sina liza m c o m o jo g o a tiva d o a tra vé s d a a ç ã o d o p a rtic ip a d o r (e x-e sp e c ta d o r). C o nstitue m-se c o mo uma a ç ã o e m te mp o re a l, p e rmitind o o imp ro viso surg id o a p a rtir d a s p ro p o siç õ e s. Alé m d o p ro b le ma d a ima g e m, c o mo re ssa lta m vá rio s c o me nta d o re s6 e o a rtista e m a lg uma s d e sua s no ta s, o p ro b le ma d o te mp o e ra c o lo c a d o e nq ua nto d ura ç ã o . O te mp o , ne sse c o nte xto , nã o e ra a e sp a c ia liza ç ã o d o te mp o p ro p o sta p e la sua me nsura b ilid a d e . O te mp o e nq ua nto d ura ç ã o é a p re e nd id a p e la intuiç ã o e nã o p o r uma ra c io na lid a d e a sse nta d a na c iê nc ia , no se nso c o mum e na ling ua g e m. O p ro b le ma d o te mp o ve m a se so ma r c o m a d e sc o b e rta d a ima nê nc ia , c o mo no s mo stra Pa o la Be rste in Ja q ue s:
A d e sc o b e rta d a ima nê nc ia p o r O itic ic a fe z-se , p o rta nto , p o r inte rmé d io d a d a nç a , o u a nte s, d a s ima g e ns p ro vo c a d a s p o r mo vime nto s d a s d a nç a s q ue mud a m c o ntinua me nte , p a ssa nd o p o r vá rio s e stá g io s inte rme d iá rio s (e sta r). Da te mp o ra lid a d e d a d a nç a , o u d o se mitismo d o s g e sto s p ro vo c a d o s p e lo ritmo d o
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sa mb a , re sulta uma fra g me nta ç ã o d e ima g e ns q ue d e se sta b iliza a p ró p ria no ç ã o d e c ria ç ã o a rtístic a e m O itic ic a (BERENSTEIN, 2003, p .41).
O s Pa ra ng o lé s (Im a g e m 5), o s Bó lide s
(Im a g e m 6) e o s Pe ne trá ve is (Im a g e m 7)
fo ra m a s b a liza s q ue e strutura m a s q ue stõ e s e sp a ç o s-te mp o ra is iné d ita s d e se us d e se nvo lvime nto s. Era o fim d a p intura , c o nfo rme d e c la ra va Hé lio , e o surg ime nto d e se u Pro g ra ma Amb ie nta l, q ue c o lo c a e m e vid ê nc ia a lg uns d o s e le me nto s c ha ve s d e se us tra b a lho s, c o mo o a sp e c to “ c o mp o rta me nta l” e a “ p a rtic ip a ç ã o d o p úb lic o ” , a mb o s ma rc a d o s p e lo “ e sta d o d e inve nç ã o p uro ” , o u o “ e xe rc íc io e xp e rime nta l d a lib e rd a d e ” , c o mo p re fe re Má rio Pe d ro sa (in: O ITIC IC A, 1986, p .10).
C o m o d e se nvo lvime nto d e se u Pro g ra ma Amb ie nta l, Hé lio “ tinha c he g a d o a o limite d e tud o ” , c o mo c o lo c a C e lso Fa va re to :
Te nd o c he g a d o a o “ limite d e tud o ” na “ White c ha p e l Exp e rie nc e ” e na “ Info rma tio n” , O itic ic a d e sa p a re c e d a s p ro mo ç õ e s a rtístic a s. Aninha nd o e m No va Yo rk, le va a o e xtre mo a
ma rg ina lid a d e d o e xp e rime nta l. De sinte g ra d a a p intura e e nc e rra d o s o s mo vime nto s d e va ng ua rd a , O itic ic a vive o p uro “ e sta d o d e inve nç ã o ” ; a ssume o e xp e rime nta l é a p ro p ria d a , nã o p a ra se r e nte nd id a c o mo d e sc ritiva d e um a to a se r julg a d o p o ste rio rme nte e m te rmo s d e suc e sso o u fra c a sso , ma s c o mo um a to c ujo re sulta d o é d e sc o nhe c id o (FAVARETTO , 1992, p .205).
a ve ste
Im a g e m 6 - Bó lide s
Imagem 5 - Nildo da Mangueira veste Parangolé
O itic ic a d e line ia se us d e se nvo lvime nto s futuro s a p a rtir d a e xp o siç ã o
Ap o c a lip o p ó te se , re a liza d a no Ate rro , e m 1968. Pa ra O itic ic a , Ap o c a lip o p ó te se
fig uro u c o mo se nd o sua ma nife sta ç ã o p úb lic a ma is imp o rta nte no s a no s 60, p o is e la a nte c ip a o s d e se nvo lvime nto s futuro s, c o mo Éde n (Im a g e m 8) e o Ba rra c ã o .
Ap o c a lip o p ó te se d e sve nd o u-me o futuro : a e xp e riê nc ia White c ha p e l ma is d o q ue uma sínte se d e to d a a minha o b ra , o u a so ma d e id é ia s, d e c o rre d e Ap o c a lip o p ó te se : a c ria ç ã o d e um e sp a ç o d e ntro -d e te rmina d o , inte nc io na lme nte na tura lista , a b e rta c o mo o c a mp o na tura l p a ra to d a s a s d e sc o b e rta s: o c o mp o rta me nto q ue se re c ria q ue na sc e : na Ap o c a lip o p ó te se a s e strutura s to rna m-se g e ra is d a d o s a o c o mp o rta me nto c o le tivo -c a sua l-mo me ntâ ne o : e m White c ha p e l o c o mp o rta me nto se a b re , p a ra q ue m c he g a e se d e b ruç a no a mb ie nte c ria d o , no frio d a s rua s lo nd rina s, re p e tid a s, fe c ha d a s e mo nume nta is, e se re c ria c o mo d e à na ture za , a o c a lo r infa ntil d e se d e ixa r a b so rve r: a uto -a b so rç ã o , no úte ro d o e sp a ç o a b e rto c o nstruíd o , q ue ma is d o q ue “ g a le ria ” o u “ a b rig o ” , e ra e sse e sp a ç o (O ITIC IC A, 1996, p .130).
O c a mp o c o mp o rta me nta l d a s e xp e riê nc ia s se rá re a liza d o a p a rtir d a visã o d o a rtista , a p a rtir d e um c o nta to g rup a l c o le tivo a p a rtir d a insta ura ç ã o d e uma nuc le iza ç ã o o rg a niza d a d e ntro d e um c o nta to g rup a l c o le tivo . Essa s e xp e riê nc ia s se d a ria m a p a rtir d a a c e ita ç ã o e a d missã o
d o imp o nd e rá ve l, d a
e xp e rime nta ç ã o q ue
Im a g e m 7 - Pe ne trá ve is
Im a g e m 8 – Éde n, White c ha pe l Expe rie nc e
Imagens 7 - Penetráveis
Im a g e m 8 – Éde n, White c ha pe l Expe rie nc e
41 d e sc o nhe c e um fina l (FAVARETTO , 2000, p .178).
G rup o a b e rto , q ue se ria isso : p o sso ima g ina r um g rup o e m q ue p a rtic ip e m p e sso a s a fins, isto é , c ujo tip o d e e xp e riê nc ia s se ja m d a me sma na ture za : ma s numa e xp e riê nc ia d e sse c a lib re , o p o nto c o mum se ria a p re d isp o siç ã o e m o s p a rtic ip a nte s a d mitire m a d ire ta inte rfe rê nc ia d o imp o nd e rá ve l: a d e sc o nhe c id a “ p a rtic ip a ç ã o c o le tiva ” – c o mo na s ma rc ha s d e p ro te sto (a liá s, c re io e u, a g ra nd e p a sse a ta d o s c e m mil te ria sid o a intro d uç ã o p a ra Ap o c a lip o p ó te se : sua imp re ssã o e vivê nc ia s g e ra is a ind a me sã o p re se nte s) – ma s a q ui, ne ssa ma nife sta ç ã o , a s surp re sa s d o d e sc o nhe c id o fo ra m e fic a ze s – se mp re o sã o e se mp re fa lta a lg o e m to d a s e la s, o q ue é imp o rta nte e b o m (O ITIC IC A,1986,p .128-129).
Ne sse a c o nte c ime nto e stã o c o ntid a s a s se me nte s
q ue d e se nvo lve rã o e m Lo nd re s, c o m a
White c ha p e l Exp e rie nc e .
De ssa ma ne ira , O itic ic a e nc o ntra e m Lo nd re s a s c o nd iç õ e s p a ra c ria r e p la ne ja r a ç õ e s q ue d e ma nd a va m e sp a ç o s a mp lo s, a rtic ula nd o e strutura e c o mp o rta me nto d ista nc ia nd o -se d o s e sp a ç o s d e g a le ria s e muse us.
O e ve nto na White c ha p e l (Im a g e m 9) c o nc re tiza -se nã o c o mo uma e xp o siç ã o ,
ma s c o mo a e fe tiva ç ã o d e um a c o nte c ime nto , a p a rtir d a c ria ç ã o d e re c into - p a rtic ip a ç ã o (FAVARETTO , 2000, p .186). No e ve nto o c o rrid o na g a le ria lo nd rina , O itic ic a le va o c o nc e ito d e C re la ze r a o se u á p ic e . O C re la ze r é o :
La ze r c ria d o r, nã o o la ze r re p re ssivo , d e ssub lima tó rio , ma s o la ze r usa d o c o mo a le va nte nã o re p re ssivo . O s “ e sta d o s d e re p o uso ” se ria m invo c a d o s c o mo e sta d o s vivo s ne ssa s p ro p o siç õ e s, o u me lho r, se ria p o sta e m c he q ue a “ d isp e rsã o d o re p o uso ” , q ue se ria tra nsfo rma d o num a lime nto c ria tivo , numa vo lta à fa nta sia p ro fund a , a o so nho , a o so no -la ze r, o u a o fa ze r-la ze r Im a g e m 9 – Hé lio O itic ic a E To rqua to -
White c ha pe l Expe rie nc e , 1969
Im a g e m 9 – Hé lio O itic ic a E To rqua to - White c ha pe l Expe rie nc e , 1969
d e sinte re ssa d o (O ITIC IC A, 1986, p .120).
De p o is d a Exp o siç ã o Info rma tio n (1970), re tro sp e c tiva d a a rte d o s a no s 1960 re a liza d a no MAM d e Ne w Yo rk, última e xp o siç ã o q ue O itic ic a p a rtic ip o u, o a rtista se mud a p a ra a c id a d e no rte -a me ric a na , a p ó s uma p e q ue na e sta d ia no Rio . Essa e xp e riê nc ia d ura se te a no s. Dura nte e sse p e río d o , fa z p e sq uisa s c o m multime io s (c ine ma , fo to g ra fia , so m); re no va o te xtua l e d e se nvo lve p ro je to s q ue p e nsa mo nta r no Bra sil; re inve nta o u re c o d ific a sua s a tivid a d e s: re vita liza Bó lid e s, Pe ne trá ve is e Pa ra ng o lé s.