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2 REVISÃO DA LITERATURA

2.3 Transtornos Invasivos do Desenvolvimento

2.3.4 Habilidades cognitivas e adaptativas em crianças com AI e SA

Os testes de inteligência têm sido uma das contribuições da Psicologia para o estudo da capacidade cognitiva geral e das habilidades cognitivas específicas (Sparrow, Davis, 2000) tanto em crianças com desenvolvimento esperado para sua faixa etária como naquelas com patologias do desenvolvimento. Internacionalmente, os testes de inteligência não apresentam dados normativos em crianças com AI e SA, mas são largamente utilizados e considerados índices “padrão ouro” para avaliação do funcionamento cognitivo e neuropsicológico nessa população.

Os testes são compostos por provas não-verbais e provas verbais. Os testes não-verbais de inteligência avaliam modelos cognitivos e habilidades tais como raciocínio abstrato, raciocínio visual-espacial, memória, atenção e velocidade de processamento. Os testes verbais avaliam resolução de problemas verbais, memória, raciocínio lógico-matemático, atenção e aprendizado acadêmico.

Os perfis cognitivos e adaptativos têm revelado habilidades específicas relacionadas às crianças com AI e SA. A linguagem na criança com Síndrome de Asperger pode ser afetada em múltiplos aspectos; no entanto, a maioria das pessoas não reconhece as peculiaridades da linguagem das crianças com esta patologia. Muitas delas têm um extenso vocabulário, pronunciam facilmente as palavras e as empregam de forma aparentemente apropriada. O DSM-IV-Tr

(APA, 2002), classifica as características da linguagem das crianças com SA como sendo um discurso peculiar que pode ser pedante na qualidade,

repetitivo e/ou insistente, com ritmo ou cadência de discurso pouco natural; inflexão monótona e sem ritmo; volume da fala não apropriado; uso idiossincrático das palavras; conversação excessiva, mínima ou seletiva, fora de contexto ou da idade da criança; dificuldade para interpretar linguagem não- verbal e para compreender o tom, inflexão e/ou ênfase das palavras (Perissinoto, 2003). Considerando o aspecto fonológico da linguagem, algumas crianças com AI ou SA pronunciam cada letra e sílaba de maneira precisa, exagerada e pedante (Fernandes, 2005; Fernandes, 2008). Elas falham em reconhecer diferenças e variabilidade dos sons da linguagem e seguem as regras de linguagem literalmente. No aspecto semântico, as crianças usam vocabulário e construções frasais sofisticadas. No entanto, os estudos mostram que as respostas são prontas e decoradas e é provável que não entendam todas as palavras e frases que estão usando. Observa-se que algumas crianças inventam suas próprias palavras e expressões, apresentam dificuldades em usar as palavras espontaneamente e combiná-las, e também em formular questões espontaneamente (Pereira, 2000). Esses problemas semânticos tornam difícil a efetiva comunicação das crianças com as pessoas ao seu redor, pois o que dizem nem sempre é o que estão querendo comunicar. Muitas crianças têm também dificuldades com a gramática. Podem usar as palavras em ordem incorreta como, por exemplo, inverter a ordem normal do substantivo e do adjetivo. O uso correto das preposições também é algo complicado, pois as preposições são conteúdos lingüísticos abstratos (Moore, 2005). É interessante observar que algumas crianças são muito preocupadas com as regras de linguagem e ficam constantemente conferindo a precisão da fala do outro, e são pouco atentas ao conteúdo. Algumas verbalizam as correções para o interlocutor enquanto ele está falando, impedindo o processo de comunicação. Outro aspecto que surge na sintaxe desses indivíduos é a tendência que têm em usar a linguagem de maneira muito formal. A pragmática é a área da linguagem na qual essas crianças têm maior dificuldade. Sob este ponto de vista, um interlocutor imprime sentido à sua fala pela inflexão da voz, do volume, da linguagem corporal. Essas crianças não apresentam recursos para compreender o significado da fala quando este precisa ser obtido por meio do tom de voz, de expressões

idiomáticas, do uso de ironias e gestos (Tamanaha et al., 2005; Tamanaha et al., 2007). Além de problemas com a interpretação, essas crianças têm dificuldade em se expressar, usam palavras e frases de maneira estranha, não conseguem usar linguagem corporal ou a usam de modo inapropriado, falam demais ou falam muito pouco e os aspectos qualitativos da voz são pouco usuais. A ecolalia também surge como uma forma de se comunicar (Tamanaha et al., 2004; Tamanaha et al., 2005); e, dependendo do tipo de ecolalia, o diálogo entre a criança e seu interlocutor apresenta características específicas (Menezes et al., 2006).

Pesquisas têm buscado estabelecer relação entre habilidades de atenção compartilhada e linguagem em crianças com AI e SA (Menezes, 2007). Estudos defendem a atenção compartilhada como sendo uma boa preditora de habilidades de linguagem em crianças com AI e que essa habilidade relacionada com a linguagem distingue crianças com AI em idade pré-escolar daquelas com desenvolvimento tardio de linguagem, assim como daquelas com desenvolvimento típico (Sigman et al., 1999; Dawson,1998; Dawson et al., 2004; Mundy et al., 2007).

Sigman et al. (1999) realizaram um estudo longitudinal com grupos de crianças com Autismo Infantil e Síndrome de Down e relacionaram habilidades de atenção compartilhada com habilidades de linguagem ao longo do tempo. A amostra consistiu de 70 crianças com AI, 93 crianças portadoras de Síndrome de Down, 59 com atrasos de desenvolvimento e 108 com desenvolvimento típico. As crianças tinham idades entre 2 e 6 anos. Os resultados sugeriram que prejuízos únicos na atenção compartilhada, em algumas brincadeiras, na capacidade de resposta às emoções e na iniciação do engajamento com pares foram identificados no grupo com Autismo Infantil. Enquanto que o grupo com Síndrome de Down apresentou prejuízos específicos na linguagem. As habilidades de atenção compartilhada estavam igualmente associadas à habilidade lingüística em todos os grupos.

Crianças com AI e SA muitas vezes têm dificuldades para iniciar e responder à atenção compartilhada. Dawson et al., 2004 avaliaram crianças com idades entre 3 e 4 anos com AI e SA, dando ênfase aos prejuízos sociais,

incluindo a comunicação.Os resultados encontrados mostraram que crianças com AI e SA fazem poucas tentativas de comunicação por meio da atenção compartilhada, quando comparadas aos dois outros grupos. Na iniciação da comunicação usando a atenção compartilhada, crianças com atrasos do desenvolvimento tiveram desempenho idêntico aos das crianças com desenvolvimento típico.

Delinicolas, Young (2007) investigaram as relações entre habilidades para iniciar e responder à atenção compartilhada em crianças do espectro autistico. Participaram da pesquisa 51 meninos e 5 meninas com AI e SA e idades entre 2 e 6 anos. Medidas de comportamento de atenção compartilhada, linguagem e estereotipias foram aplicadas em uma única avaliação; a atenção compartilhada e a linguagem se correlacionaram mais significativamente do que a atenção compartilhada e comportamentos estereotipados.

Crianças com AI e SA muitas vezes não seguem a direção do olhar de outros indivíduos, não seguem o apontar, não dividem a informação visual com o adulto perdendo oportunidades de aprender com eles sobre objetos e ou eventos (Baron-Cohen et al., 1992 ; Dawson, 1998).

Autores como Travis et al. (2001); Siller, Sigman (2002) compararam as relações entre comportamento social e linguagem em grupos de crianças com Autismo Infantil e com outros quadros de atrasos de desenvolvimento. Os pesquisadores relataram que formas de entendimento social mais intuitivas, não verbais, como a iniciação de atenção compartilhada e consciência de expectativas sociais, estão mais prejudicadas nas crianças com Autismo Infantil na comparação com as crianças com atrasos de desenvolvimento.

Mundy et al. (2007) investigaram o desenvolvimento da atenção compartilhada numa amostra composta de 95 crianças com idades entre 9 e 18 meses. A atenção compartilhada foi medida por meio da Resposta a Atenção Compartilhada (RJA) e também pela Iniciação de Atenção Compartilhada (IJA). A RJA refere-se à capacidade da criança em seguir os olhares e gestos de parceiros; a IJA representa a freqüência com que a criança usa o contato dos olhos, aponta e mostra o objeto para iniciar uma relação. Os resultados

mostraram a RJA sendo identificada aos 12 meses de idade e a IJA aos 18 meses. Concluiu-se que RJA e IJA são preditoras da linguagem aos 24 meses de idade.

A memória imediata e de curto prazo, a resolução de problemas visual- espaciais e o raciocínio visual são apontados como as habilidades cognitivas específicas de maior ênfase nas crianças com Autismo Infantil. (King et al., 2003; Happé, Frith, 2006). O processamento complexo da informação, a compreensão verbal e o planejamento para solucionar tarefas viso-motoras não são habilidades observadas com freqüência nestas crianças. No entanto, as crianças apresentam melhores desempenhos cognitivos em provas viso- espacial com cubos (Dawson et al., 2007).

Estes perfis não têm sido verificados em pesquisas realizadas em diferentes culturas, o que nos leva a pensar na possibilidade de que crianças com AI e SA mostram grande variabilidade nas habilidades cognitivas se comparadas com outras crianças (Peeters,1998, King et al., 2003). De modo geral, crianças verbais com AI e SA, que exibem dificuldade com a atenção e a interação interpessoal, como procurar o examinador e seguir suas instruções para realizar a atividade pedida, por exemplo, têm mais dificuldade para completar os testes e, nestes casos, os perfis cognitivos precisam ser avaliados com muita cautela (Dawson et al., 2007).

Algumas crianças com AI e SA têm uma memória surpreendente para decorar, mas não a utilizam com significado e contexto. Precisam de ajuda para guardar as informações na memória e para acessá-las. As informações processadas não são generalizadas para diferentes contextos. É necessário que se utilizem práticas repetidas e freqüentes para que a criança consiga memorizar e guardar as informações na memória de longo prazo.

Alguns estudos mostram que as manifestações comportamentais aparecem fortemente correlacionadas com o comportamento adaptativo, e não com o nível intelectual dessas crianças (Szatmari et al., 2002). Em outros, o atraso cognitivo reflete em maiores inabilidades nos comportamentos adaptativos em crianças com Autismo Infantil (Carpentieri, Morgan, 1996).

A correlação entre inteligência e funcionamento adaptativo foi examinada em crianças com Autismo Infantil e em crianças com retardo mental sem Autismo Infantil, usando como instrumentos de medida o Stanford-Binet Intelligence Scale 4th Edition (Thorndike et al., 1986) e a Vineland Adaptative Behavior Scale – VABS (Sparrow et al., 1984). O grupo com Autismo Infantil obteve escores mais baixos do que o grupo de retardo mental nos domínios Socialização e Comunicação da VABS e na área Raciocínio Verbal do Stanford-Binet. Correlações entre as duas medidas foram mais altas para o grupo com Autismo Infantil do que para o grupo de retardo mental (Liss et al., 2001).

Jenkins e Astington, em 1996, mostraram que vocabulário e memória, medidos pelo Test of Early Language Development (TELD) e pelo Stanford- Binet (Thorndike et al., 1986), predizem o comportamento adaptativo de crianças com Autismo Infantil de alto funcionamento e SA. Segundo Benjamin et al. (2006), o nível intelectual pode agir como um fator limitador para crianças com Autismo Infantil de baixo funcionamento e as de alto funcionamento apresentam prejuízos específicos na linguagem e memória verbal. Essas falhas cognitivas não aparecem, no entanto, como fator de risco precoce e específico para estas crianças, mas emergem como prejuízos secundários à desordem.

As habilidades de memória e as estratégias de aprendizagem foram observadas em adultos com Síndrome de Asperger, e os resultados indicaram problemas na memória visual desses indivíduos (Ambery et al., 2006; Boucher, 2007).

As pesquisas vêm demonstrando consistentemente que crianças com AI e SA estão significantemente atrasadas em relação àquelas com desenvolvimento cognitivo e adaptativo normais (Liss et al., 2001). As falhas cognitivas, muitas vezes, são menos severas que os insucessos adaptativos; no entanto, o nível intelectual surge fortemente como preditor do comportamento adaptativo em crianças com AI cujo grau de severidade é mais comprometido.

Estudos recentes procuram relacionar a origem das defasagens cognitivas de crianças com AI e SA aos problemas com a metarrepresentação

ou metacognição (Peeters, 1998). O que talvez chame mais a atenção nestes quadros é que essas defasagens sócio-cognitivas não se apresentam uniformemente em todos os processos cognitivos. Por exemplo, em geral, crianças com AI têm um ótimo desempenho nas funções perceptivas visuais e espaciais, como quebra-cabeças, mas apresentam dificuldades se nesse processo perceptivo for requerido compreender o significado de uma situação como, por exemplo, compreender uma seqüência de imagens que constituem uma história. Existem evidências científicas que mostram que crianças com AI têm um pensamento concreto e visual (Grandin, Scariano, 1999).

A avaliação das habilidades das crianças para auto-suficiência do dia-a- dia é um quesito importante para se verificar dificuldades ou problemas no desenvolvimento adaptativo.

A Vineland Adaptative Behavior Scale (Sparrow et al., 1984) tem sido amplamente usada para: a) apoiar diagnósticos de deficiência mental, Transtornos Invasivos do Desenvolvimento e atrasos no desenvolvimento; b) determinar a elegibilidade ou a qualificação em serviços especiais; c) planejar programas de reabilitação ou intervenção educacional; d) conduzir e avaliar o progresso dos programas de intervenção para melhor adaptação social dos indivíduos. Na revisão divulgada em 1984, esse instrumento recebeu o nome de Vineland Adaptative Behavior Scales, com modificações na sua aplicabilidade, padronização e normatização, apresentando melhores qualidades psicométricas. Essa escala tem sido utilizada também para avaliar prejuízo social e qualidade de vida em crianças com AI e SA (Elias, Assumpção, 2006).

A importância de se empregar a Vineland Adaptive Behavior Scale (Sparrow et al., 1984) dentro das normas da população especial bem como para indivíduos com Autismo Infantil e Síndrome de Asperger foi evidenciada por Carter et al. (1998). Ele apresentou as normas das escalas de habilidades adaptativas do comportamento em quatro grupos de indivíduos com Autismo Infantil: a) crianças não verbais com idade abaixo de 10 anos; b) crianças com pelo menos algumas habilidades verbais com menos de 10 anos de idade; c) indivíduos não verbais que estão com 10 anos de idade ou mais; e d)

indivíduos com pelo menos algumas habilidades verbais que estão com 10 anos de idade ou mais. A amostra incluiu 684 indivíduos diagnosticados com AI e SA segundo o DSM-IV(APA, 1994). As crianças mais jovens tiveram escores mais elevados do que os indivíduos mais velhos em todos os domínios da Vineland. No domínio da comunicação os indivíduos verbais conseguiram escores mais elevados em habilidades de vida diária do que os indivíduos não verbais. O perfil previsto para a área Socialização e em Habilidades de Vida Diária foi obtido com os escores nas idades equivalentes. Os achados são consistentes com a idéia de que a socialização é o problema central nas crianças com AI e SA (Volkmar et al., 1993; Klin, 2006). Paul et al. (2004) forneceram uma microanálise das diferenças no funcionamento adaptativo de crianças com Autismo Infantil em idade escolar e aquelas diagnosticadas como tendo o Transtorno Invasivo sem outra especificação, todas com atraso no funcionamento cognitivo variando de leve para moderado. A área principal de diferença entre crianças com Autismo Infantil e aquelas com Transtorno Invasivo sem outra especificação foi a de comunicação expressiva, especificamente o uso de elaborações na sintaxe e na morfologia, e no uso pragmático da linguagem.

Crianças com AI e SA podem ter tanto o funcionamento motor grosso como o do fino afetados devido a problemas neurológicos (Moore, 2005). A dificuldade para imitar e executar tarefas motoras afeta a coordenação motora, o ritmo e a destreza manual. Apesar de algumas crianças com AI e SA não apresentarem prejuízos motores visíveis, muitas têm dificuldades com a escrita, com atividades físicas, como correr e jogar bola, pois sua coordenação motora, equilíbrio, planejamento motor e viso-motor são deficientes, com a presença de baixo tônus muscular. O seu desajeitamento motor pode lhes causar problemas.

3 MÉTODOS

Com a intenção de verificar a correlação entre habilidades cognitivas e adaptativas em dois momentos de avaliação e identificar as habilidades cognitivas promotoras de melhor inserção social em crianças com Autismo Infantil e Síndrome de Asperger optamos por:

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