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Heitor Ferreira Lima e o Caminhos Percorridos

Capítulo II – O grito dos excluídos: literatura de testemunho, trajetórias e

2.2. Presos políticos

2.2.5. Heitor Ferreira Lima e o Caminhos Percorridos

Heitor Ferreira Lima nasceu em Corumbá, em Mato Grosso. Embora não saibamos exatamente a data do seu nascimento, pelas datas e idades que menciona ao longo de seu livro, Heitor deve ter nascido no ano de 1905. Ele era filho de um gaúcho que morava no Paraguai e de uma paraguaia. Quando sua mãe decidiu vir ao Brasil reclamar a herança de seu marido, morto, atravessou a fronteira pelo Mato Grosso. E por ali mesmo acabou ficando. Ainda em Corumbá, Heitor aprendeu o ofício de alfaiate. Quando foi para o Rio de Janeiro continuar os estudos, em 1922, para ajudar a se sustentar, arrumou um emprego de ajudante de alfaiate.226

No Rio de Janeiro, ficava na casa de amigos de sua mãe, como o tenente Lucas, que fazia parte do movimento comunista, e apresentou a Heitor essa ideologia. O tenente Lucas aconselhou Heitor a procurar Otavio Brandão, que mais tarde o apresentou a Astrogildo Pereira. Este último incentivou Heitor a entrar na União dos Alfaiates, onde teve oportunidade de continuar seus estudos marxistas. Acreditamos que isso tenha acontecido ainda em 1922 ou em 1923, quando o movimento comunista estava cada vez mais forte dentro dos sindicatos, mas ainda com uma grande resistência do movimento anarquista. Esse embate ideológico foi narrado por Heitor em suas memórias.227

Como já foi dito anteriormente, na União dos Alfaiates, Heitor teve contato com vários militantes comunistas, dentre eles Leôncio Basbaum, e sua participação no sindicato aproximava-o cada vez mais do partido, a ponto de, em 1923, quando completou 18 anos, se filiar ao PCB.228 Já no ano seguinte, foi escolhido para ir

224

BEZERRA, op. cit,, pp.278-279. 225

Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro. 226

LIMA, op. cit,, pp.22-24. 227

Ibidem, p.34. 228

participar dos festejos do 10º aniversário da Revolução Russa e fazer o curso da Escola Leninista Internacional, criada em 1926.229 Em seu livro, Heitor copiou uma citação do livro de memórias de Basbaum sobre esse fato:

Depois de muito debater, nossa escolha recaiu sobre um jovem alfaiate, chamado Heitor Ferreira Lima, de 21 anos, por nos parecer inteligente e sério, além de ser militante ativo no seu sindicato, o que era para nós ponto de honra decisivo. É verdade que alfaiate não era uma profissão das que os comunistas mais apreciavam por não ser a alfaiataria uma ‘indústria básica’. Sempre havíamos preferido metalúrgico, ferroviário, marítimo e outras dessa ordem. Mas, assim mesmo, mandamos o Heitor, com boas recomendações.230

Em 1929, como já foi dito, ocorreu a I Conferência dos Partidos Comunistas da América Latina, que teve como representantes do Brasil Leôncio Basbaum, Heitor Ferreira Lima, Mário Grazzini e Danton Jobin.231 Na mesma época, Basbaum e Lima foram para São Paulo militar nos sindicatos e foram presos e encaminhados para a CCDR.232

Lima esteve no PCB de 1923 a 1942 e teve uma militância destacada, por ser o primeiro brasileiro a participar da Escola Leninista Internacional de Moscou, de 1927 a 1930. De volta ao Brasil, firmou-se no meio jornalístico, especializando-se em desenvolvimento industrial e economia e publicou alguns livros nessa área.

Lançado pela editora Brasiliense em 1982, seu livro de memórias se pretende um relato diferente de tudo até então visto, com novos documentos e a versão de um brasileiro com visão privilegiada dos acontecimentos. Já no início do prefácio, Paulo Sérgio Pinheiro agradece pela publicação de um livro tão esperado. Depois diz que tais memórias de Lima são, na verdade, um pretexto para fazer uma análise do PCB, assim como sua atividade política, desde sua fundação até os anos 1940.233 Pinheiro ressalta que Heitor é um historiador, e que, por isso, seus escritos serão importantes não apenas aos que gostam de ler memórias, mas aos que tem interesse em fazer uma arqueologia

229

Ibidem, p.69. 230

Ibidem, op. cit,, p.70. Percebe-se que a idade que Leôncio Basbaum citou não é a mesma que evidenciamos com as memórias de Heitor Lima. Essa confusão é comum, mas não interfere em nada na nossa análise.

231

VIANNA, op. cit,, p.54. 232

LIMA, op. cit,, p.168. 233

do partido.234

Pinheiro promete um ângulo diferente de qualquer outro livro de memórias de militantes que à época já existiam em um número considerável. Isso se deve pelo fato de Lima ter sido o único brasileiro a fazer parte dos festejos do 10º aniversário da Revolução Soviética e ter morado naquele país por cerca de três anos, ainda na década de 1920. Ainda diz que o chamado Dr. Heitor Ferreira Lima tinha posse de documentos que nenhum outro militante teve, o que lhe permitiu entender de outra forma alguns acontecimentos.235

Este mote de “raridade do testemunho” é seguido pelo próprio Heitor na parte denominada “Justificativa”. De fato, é este seu principal objetivo.

Parece-me assim justificada a narração que vou fazer aqui, não propriamente da minha vida que nada tem de especial, mas desses fatos e episódios em que tomei parte ou que lhe dizem respeito muito de perto.

Nesse caso, o eu será aqui mero pretexto ou servirá apenas como um fio condutor para referir esses acontecimentos e traçar ligeiros perfis das personagens a eles ligados. (...) No entanto, embora detestável, impõe- se aqui, para definir atitudes, delimitar responsabilidades e esclarecer posições, pois às vezes certas coisas era eu quem pensava, realizava ou propunha, devendo, portanto, ser separado do coletivo, entidade ou grupo, como frequentemente acontece em atividades de vários organismos, onde o nós é quem norteia tudo.236

O primeiro parágrafo deste trecho nos mostra o que já foi discutido, o apelo da raridade do depoimento. Já o segundo parágrafo, se aproxima da narração de Graciliano Ramos, que também foge do “pronomezinho irritante”.237 Porém, diferentemente de Ramos, Lima faz questão de se diferenciar quando for necessário, ou seja, quando sua atuação política foi importante para os rumos do partido. É possível que isso se deva ao abandono da sua militância no PCB.

Passados alguns anos, acredita que vai apresentar uma interpretação mais clara dos acontecimentos de que tomou parte. E poderá avaliar estes momentos sob o prisma da atualidade, como um resultado de experiência vivida. Assim, sua epígrafe faz muito sentido: “Mas evocar o passado para nós é pensar no futuro”.238

234 Ibidem, p.9. 235 Idem. 236 Ibidem, pp.13-14. 237

RAMOS, Graciliano. Memórias do Cárcere. Rio, São Paulo: Record, 1982. 15ª edição.vol. 1, p.37. 238

A editora Brasiliense foi fundada em 1943 por Caio Prado Júnior em parceria com Monteiro Lobato e Arthur Neves. Embora Caio Prado Júnior fosse diretor da editora e comunista, seu selo era completamente autônomo em relação ao PCB, publicando livros também com outras direções políticas. O livro também recebe na capa o selo do Arquivo de História Social Edgard Leuenroth (AEL), da UNICAMP.239 Este arquivo foi criado em 1973, depois da doação dos documentos de alguns intelectuais militantes à universidade, entre os quais o que lhe conferiu o nome. Ainda hoje é um espaço de construção de pensamento importante na instituição. Porém, embora lá esteja guardado o Fundo Heitor Ferreira Lima, nenhum livro do autor consta como publicado. Provavelmente foi uma parceria entre o AEL e a Brasiliense. Embora, também no site da Brasiliense não se encontre mais o livro no catálogo.