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“Você é que vai valer à sua família, minha filha. Você é tão inteligente e boazinha” (MORLEY, 1998, p.335, 31dez95).

No que se refere à personagem protagonista e narradora do diário, trata-se de uma adolescente, com idade entre treze e quinze anos, como já assinalamos. A construção de Helena como sujeito fictício está associada à sua vivência individual em relação ao espaço em que está inserida, a cidade de Diamantina, e o ambiente familiar, sobretudo na Chácara, na escola e na rua da pequena cidade. Dessa maneira, a construção da personagem se dá à medida que relata as vivências experimentadas no seu cotidiano e a maneira como atua no mundo vivido, através dos seus relatos, além das lacunas que surgem na organização linguística, que possibilitam ao leitor construir sua interpretação sobre o modo de narrar de Helena, já que os registros permitem a atribuição de sentidos, a criação de hipóteses sobre Helena.

A protagonista relata em primeira pessoa aquilo que lhe convém, ficando a narrativa dependente da intencionalidade da menina. Além disso, Helena mostra-se habilidosa no uso das palavras, preocupa-se com o tempo passado, com o presente e projeta-se no futuro. Se, inicialmente, o leitor tem a imagem de uma simples menina de treze anos, aos poucos começa a questionar suas habilidades de escrita e observações que transpassam todos os espaços que a circundam. Helena tece um emaranhado de tipos planos e complexos que atuam na sociedade e volta-se para a sua própria complexidade, ou seja, a passagem de uma fase para outra. Experimenta um rumo, toma um caminho, estranha situações, surgem paradoxos. Defende-se a si mesma e procura uma via que lhe agrade e na qual possa suportar as dificuldades econômicas ou de outra ordem que a afligem.

Já os traços psicológicos são múltiplos e o comportamento de Helena evidencia-se sempre de forma questionadora, pois não se convence com maneiras padronizadas da sociedade em que convive. Ela experimenta um processo de construção de identidade, já que interpreta os fatos da realidade e busca uma medida coerente que se enquadre ao seu modo e condição de vida. Ela apreende a realidade cotidiana através de exercícios diários, advindos, principalmente, pela prática da escrita, que lhe permite reelaborar as circunstâncias do cotidiano. Ela bem sabe que vive “dentro de uma teia de relações humanas” (BERGER. LUCKMANN, 1985, p.39) e, nesse contexto, ficam subentendidas as diferenças e as necessidades imediatas.

O comportamento de Helena caracteriza o avesso da rotina da sociedade em que está inserida, totalmente ligada às coisas que acontecem ao seu redor, pois acompanha os acontecimentos religiosos, políticos, econômicos e do cotidiano de Diamantina. Helena quer saber de tudo e de tudo participar, mesmo como ouvinte; outras vezes, opina, questiona e tece

considerações. Notamos a oposição entre os limites do mundo físico e do interior, este marcado pela apreciação de situações próximas às atitudes filosóficas, talvez transcendentais: “Às vezes fico pensando que é bem difícil a gente ir para o céu e perco até as esperanças. Eu vejo vovó fazer tanta coisa para Nossa Senhora e para o Divino que penso que é até adulação” (MORLEY, 1998, p.151, 4mai94).

A personagem é marcada pela subjetividade, indiferente a dados objetivos e prontos. Ela se constrói no decorrer das experiências, portanto, não representa a coisificação humana, mas se constrói como um sujeito que pensa e estabelece sintonia com o mundo. As outras crianças, ou melhor, os primos e primas que fazem parte do relato desempenham uma função relevante na narrativa, porque nos permitem observar a autonomia de Helena; estas sempre estão em contato com ela e participam dos acontecimentos, na praça, na chácara ou em outros lugares que a protagonista frequenta. O relato dessa participação reforça a autonomia da protagonista.

Helena age livremente, toma decisões, determina o que é bom para si, e, embora os adultos tentem manter uma atitude de autoridade, não conseguem dominar seu espírito. Por isso, ela vive intensos conflitos à medida que revela a si mesma, rejeita a sua condição econômica e desaprova o comportamento resignado da mãe, mesmo admirando sua relação com o esposo, pautada na fidelidade e dedicação; no entanto, a passividade da mãe, conforme o seu olhar, a perturba. Daí sentimentos ambivalentes lhe tomarem conta. A protagonista lida com esse problema, em meio às fantasias e imaginações. Além da ausência paterna, por conta de Alexandre estar constantemente à busca de diamantes. Assim, ela vai se completando à medida que vivencia as múltiplas experiências do cotidiano.

A vida é a fonte de inspiração para o relato dos fatos inscritos no diário, porém a autora não deixa de registrar a aversão ou contradição dos adultos, que discordam e discutem sobre a sua maneira de ser: às vezes, ela é amada, outras, odiada e castigada. Todavia não deixa de ser vítima das ideias alheias e do poder doutrinador da religião ou da educação patriarcal. Assim, a narradora adquire significação graças a suas atitudes, palavras, seus atos, à exposição crítica que postula e às oposições e diferenças em relação às pessoas de modo geral, porque há um número significativo de personagens que participam do seu mundo. Dessa maneira, Helena se constitui sujeito ao se confrontar com opiniões alheias, situações que contradizem a sua maneira de conceber o mundo. Isso acontecerá também na relação com seus futuros leitores. Desse modo, ela pode ser vista não de uma forma unilateral, mas como uma totalidade mais complexa, apresentando comportamentos que surpreendem o leitor.

Portanto, Helena se caracteriza por ser uma personagem dinâmica, multifacetada, divertida, crítica, constituindo-se imagem polêmica para o seu tempo.

A forma de Helena perceber a realidade, as situações problemáticas, a visão das pessoas e das circunstâncias em seu entorno, sobretudo as do âmbito familiar e do escolar, surgem de maneira complexa, porque ela é adorada pela matriarca rica e poderosa, é inteligente e sofre as críticas alheias, mas nada a intimida. Assim, acredita num futuro melhor: “Faz hoje três dias que eu entrei para a Escola Normal. Comprei meus livros e vou começar vida nova. O professor de português aconselhou todas as meninas a irem se acostumando a escrever, todo dia, uma carta ou qualquer coisa que lhes acontecer” (MORLEY, 1998, p.26, 18fev93). Diante dessa empolgação, já em outro momento, a Mestra Joaquininha dissera a tia Madge que a menina fora a aluna mais inteligente “[...] da escola dela, mas era vadia e falhava dias seguidos. Isto é verdade, porque o ano passado fomos, muitas vezes, passar dias com meu pai na Boa Vista” (MORLEY, 1998, p.26, 18fev93).

Desse modo, desde o início do diário, há uma contraposição de valores positivos e negativos, por vezes em favor de Helena, outros, ao contrário. Desse modo, essa oscilação percorre todo o registro da menina que, inclusive, deixa espaço para se proteger e defender de futuras críticas. Como exemplo, acentua que as faltas escolares estavam ligadas às necessidades familiares, isentando-se, pois, da culpa. Posteriormente, comenta sobre as facilidades de os primos estudarem porque os pais têm uma condição econômica estabilizada. Percebemos, aqui, um jogo que ocorre no decorrer da narrativa. Nesse percurso, Helena procura compreender a situação que a envolve, voltando-se para si mesma:

Não sei por que hei de ter este gênio de não suportar as contrariedades, tendo sido criada na nossa família, com todos tão resignados e conformados, e também sendo filha de meus pais que nunca discutem e não procuram se meter em nada. Penso sempre que a educação nada vale. Cada pessoa nasceu como Deus a fez e assim terá de ser.

Aqui em casa somos quatro irmãos e mamãe sempre diz que eu nem pareço filha dela nem de ninguém da família, e não sabe a quem saí. Meu pai diz que eu saí a uma irmã casada que mora em São Paulo e que não conhecemos. Chama-se Alice. Casou com um doutor colega de vovô que veio passear em Diamantina, foi logo para São Paulo e nunca mais voltou. Meus irmãos são muito diferentes de mim. (MORLEY, 1998, p.137, 15mar94).

Se os pais não exercem o papel em que deveriam atuar, a avó e a tia tomam atitude e regulam a vida da menina, conforme seus projetos para o futuro dela. Os desejos de Helena decorrem de uma curiosidade natural que perpassa a fase em que vive, sobretudo porque se deixa levar pelos relatos de outras pessoas e cria para si um mundo imaginário e, por

consequência, uma vontade de experimentar o que outras situações podem lhe mostrar ou oferecer:

Quem me fez vontade de ir ao baile foi tia Quequeta, contando o que elas faziam no tempo delas. Uma amiga dela pôs máscara, disfarçou a voz e buliu com o pai a noite inteira, a ponto dele ficar apaixonado e no dia seguinte, em vez de ir para o almoço, ficou passeando no jardim, de cabeça baixa, pensando na mascarada. Outra amiga deixou o marido ir para o baile e foi atrás, de máscara, brincou com ele, deixando-o apaixonado, a ponto dele ficar suspirando a noite inteira. (MORLEY, 1998, p.25, 15fev93).

O relato de tia Quequeta, por exemplo, desperta na menina o desejo de participar de situações cômicas, porém implicitamente relacionadas ao desenvolvimento psicossexual do sujeito, pois se trata das relações entre pai e filha e estende-se ao ápice das relações entre o homem e a mulher. Nesse fragmento, podemos perceber o desejo de crescer de Helena, a menina que vivencia e experimenta uma fase natural de seu desenvolvimento. Se, de um lado, a avó lhe propicia uma situação de frustração, por outro, ameniza tal sofrimento, visto que a presenteia compensatoriamente com um vestido e uma pratinha de dois mil-réis. Nessa perspectiva, mantém seu poder manipulador e controlador sobre ela, sem perder sua autoridade e a afetividade que as une. Todavia, pudemos perceber o desejo de emancipação da protagonista, ao questionar a ordem estabelecida pelo adulto e tentar experimentar outras condições que não as das limitações impostas pela infância e pela condição econômica. Num outro relato, já no mês de julho, ela diz:

Eu e Luisinha passamos um dia, esta semana, na casa de tia Aurélia com as nossas primas. Elas são muito boazinhas, mas vivem metidas numa casa da cidade que não tem vista nem jardim para se brincar e não se pode ficar na rua. Temos de ficar brincando só de fazer comidinha de boneca o dia inteiro. Antigamente eu gostava, mas hoje, com treze anos, não gosto mais desses brinquedos. (MORLEY, 1998, p.64, 6jul93).

Nesse fragmento, a menina evidencia a passagem de uma fase para outra: da infância para a adolescência. Nesse sentido, Helena já traz dentro de si uma promessa, um fiasco de luz, de que provavelmente algo de bom a espera no porvir, sobretudo porque se trata de uma família que acredita nas superstições. Enfrenta as opiniões alheias e faz escolhas conforme sua intuição. Porém, essa autonomia e alegria incomodam a mãe. Como exemplo, uma passagem em que relata a festa da Santa Cruz, na Chácara da avó. A neta aproveita todos os momentos e festeja a noite toda. Entretanto, o dia seguinte é pior para ela: “Mamãe é que tem pena de mim porque diz que eu não vou ser feliz com este gênio de querer aproveitar tudo;

que a vida é de sofrimentos. Mas eu é que não serei tola de fazer de uma vida tão boa uma vida de sofrimentos” (MORLEY, 1998, p.52, 4mai93).

À medida que Helena relata os fatos, o leitor participa de sua subjetividade e podemos perceber a transparência da protagonista. Ela, já aos treze anos, assinala que uma das coisas que a entristece é “[...] gostar muito de uma pessoa, pensando que ela é boa e depois ver que é ruim” (MORLEY, 1998, p.65, 11jul93). Esse relato refere-se a Isabelinha, mestra que recebia seis mil réis por mês para ensiná-la a fazer flores; porém as aulas foram canceladas, porque a professora percebeu que a aluna era habilidosa e teve medo de ser superada por ela. Dessa maneira, na adolescência a menina experimenta a hipocrisia, o egoísmo alheio e como se dá essa relação com o outro num prisma capitalista, ou seja, o saber pode representar a concorrência.

Outro fato recorrente diz respeito aos olhares de Iaiá e Dindinha, que lhe dizem: “Esta é águia!” (MORLEY, 1998, p.88, 17set93), pois invejam a relação da neta e a avó. Esta gostaria que Helena fosse morar com ela, porém ela mesma não quer ir, pelo cuidado excessivo que a avó lhe dedica. E mais:

Não gosto de muito cuidado. Na nossa família tem um homem que nem ao meu caderno eu conto quem é, que gosta de pôr a minha mão entre as dele e me agradar, para agradar vovó. Que horror eu tenho! Fico tão arrepiada que parece que minha mão está em cima de calango. Graças a Deus ele já não está fazendo isto mais; parece que já viu que eu não gosto. (MORLEY, 1998, p.89, 23set93).

Nesse fragmento, Helena traz uma dose de angústia e de sofrimento. Primeiro diz sobre o tio que procura chamar atenção de dona Teodora; a menina deixa traduzir uma sensação de que se aproxima de assédio sexual devido ao asco descrito, como também a incompreensão dos adultos no que se refere ao mundo interior dos adolescentes. As pessoas conhecem apenas máscaras que se mostram para o outro e não se preocupam com os aspectos subjetivos. Há interação entre eles, e na vida cotidiana há uma clara impressão de que cada um procura delimitar e marcar o espaço de si e do outro. Na verdade, apesar da união, ou melhor, da reunião na Chácara entre os familiares, percebe-se uma divisão marcada já com as características de um sistema de produção capitalista, com o controle dos interesses materiais. Se, de um lado, o relato de Helena descreve como se dá a representação na vida cotidiana entre os familiares, por outro, podemos pensar na validade das afirmações, porque o adolescente vivencia uma condição enigmática, luta com as próprias transformações internas e externas, as fantasias e o dado real. Paralelo a isso, a menina faz parte de uma estrutura social que apresenta uma padronização de comportamentos esperados e onde cada indivíduo

deve ocupar um determinado espaço. Todavia, Helena rompe com essa padronização e, por certo, não deve ser agraciada pelos adultos que a percebem como adversária, rompendo, em consequência, com as expectativas padronizadas desse grupo social.

Nessa perspectiva, podemos trazer a reflexão de Peter Blos, que estuda a adolescência, especificamente no capítulo intitulado “Determinantes ambientais”, no qual discorre que “[...] a angústia social é para o indivíduo o sinal de advertência de que ele está ultrapassando os limites e pisando terreno perigoso” (BLOS, 1998, p.272). Helena mantém uma batalha com os seus pares e tem como apoio a figura mais forte dessa hierarquia e organização social à qual pertence. Isso posto, a menina rompe com a verdade estabelecida e propõe outras alternativas ou escolhas. Um exemplo pode ser visto quando ela relata a morte de uma tia inglesa que mal conhecia e de cujo velório não participou. Esse fato era inconcebível para a Diamantina do século XIX. Eis o relato de Helena:

Estou hoje cansada pois foi um dos dias em que tive mais trabalho. Mas poderei deixar de contar ao meu caderno amigo o que me aconteceu ontem? Imagino que Diamantina inteira não teve hoje outro assunto a não ser: “Vocês viram ontem Helena e Luisinha dançarem a noite inteira com a tia delas no caixão?”. Só sinto não falarem a mim própria, pois eu explicaria. Más, também que caiporismo o nosso! Tia Neném levou o mês inteiro morrendo e deixou para dar o último suspiro ontem.

Eu sei muito bem que a tia Neném é a irmã mais velha de meu pai e que ele a estima muito. Mas confesso que não posso chorar a morte de uma tia inglesa que eu não conhecia. Ela vivia doente há muitos anos na fazenda e nenhum sobrinho a conhecia. Quando meu pai soube que ela estava passando mal foi para lá, há uns oito dias. Nós já estávamos convidados desde antes para o casamento de Leontina. Era a primeira festa a que eu ia assistir. O vestido cor-de-rosa foi o primeiro vestido bonito que já tive. Como podia perder tudo isso? (MORLEY, 1998, p.170-1, 19jul94).

A memorialista coloca em pauta os seus desejos pessoais, a vontade de participar de um evento que para ela era novo; vestir o vestido cor-de-rosa e participar de um ato social significa embelezar-se e preparar-se para experimentar outra situação. Ou seja, é a inserção no mundo do adulto e ela, por sua vez, não poderia perder a chance de lançar-se a esse outro mundo. Além disso, não se intimida com os olhares alheios, que determinam o que o outro deve fazer ou não; ela não se deixa levar pela hipocrisia de permanecer velando alguém que não lhe é caro, apenas para satisfazer convenções.

No entanto, o seu desejo foi alcançado e isso provocou uma reação em todas as pessoas. Apesar de Helena não ter encontrado o príncipe, se tornou o centro de toda atenção. Ela participou de um evento onde se encontram as mulheres e o baile é algo significativo, porque propicia o espaço onde pode se apresentar para a sociedade não como menina, mas como mulher que encanta, um sujeito desejante. O vestido, por sua vez, não oculta a beleza de

Helena, mas, antes, a revela e a jovem tem consciência disso, percebendo que possui os atributos necessários para ser amada. Inclusive, nem o pai nem a mãe participam desse evento, porque há uma morte na família. Se há uma passagem de fato, real no cotidiano, há também outra passagem, mas de natureza outra. Poderíamos pensar num rito de passagem, apesar de simbolicamente se manter a pureza da cor do vestido.

Aconteceu uma morte necessária e uma morte simbólica, pois Helena vive a morte da criança para emergir no mundo dos adultos. Ela percebe que o mundo se descortina para ela, e sabe que pode trazer o mundo para si. E se os adultos a criticam, sabemos que não se referem apenas à sua ousadia de se curvar aos desejos dos mais velhos, mas pela vivacidade, a busca, a definição de seu estatuto social, além do sexual. É Helena acordando para o mundo como a Bela Adormecida, é Helena trocando as vestes no momento oportuno, retirando de seu ombro a Pele de Asno e, como Cinderela, dançando a noite toda, mesmo depois de um dia cansativo de trabalho.

A maturidade psicológica de Helena advém de sua capacidade de analisar, observar e problematizar os fatos cotidianos. Isso se transforma numa necessidade básica que a consome no dia-a-dia. Em outras palavras, o exercício de escrita e reflexão não se limita às atividades escolares ou ao simples fato de registrar apenas por registrar. A tarefa tornou-se um exercício necessário e provavelmente catártico. Ela não sossega enquanto não encontra algo interessante para registrar. Não se conforma apenas com as cópias dos textos cobrados pelo professor. Disso, nos remete à diferença, qualitativamente significativa entre cópia e autoria, informação factual e experiência no sentido benjaminiano. Helena, em vez de apenas copiar os Ornamentos, ratifica seu pendor de não apenas ouvir informações e reproduzi-las. Ao contrário, pensa, analisa-as e depois chega à determinada conclusão, que registra. Esse exercício a faz se libertar das imposições advindas do poder controlador. Façamos a leitura do trecho, na íntegra:

A superstição em Diamantina - Desde pequenina sofri com a superstição de todos os modos. Se estávamos à mesa treze pessoas, sempre eu é que tinha de sair. Pentear o cabelo de noite, em nenhuma hipótese, pois se manda a mãe para o inferno. Varrer a casa de noite faz a vida desandar. Quebrar espelho traz desdicha. Esfregar um pé no outro, andar de costas e outras coisas de que não me lembro agora, tudo faz mal. De algumas elas nos dão explicação do mal que fazem. De outras não. Assim, por exemplo, se a visita está demorando, vira-se a vassoura para cima, atrás da porta, ou joga-se sal no fogo e ela vai embora. Sal no fogo eu acredito que faz efeito se a visita escuta estralar, porque sabe o que significa.

Engraçado é que todos sabem que superstição é pecado, mas preferem levar o pecado ao confessionário a fazerem uma coisa que alguém diz que faz mal.

Uma vez eu perguntei a vovó: “A senhora não gosta de pecar, e como sabe que superstição é pecado e tem tanta superstição?” Ela respondeu: “São coisas que a gente nasceu com elas, minha filha. Quem viu provas, como eu, de treze pessoas na mesa, e