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O cinema é o espelho dialético do mundo: que imagens e sons estão nas telas nacionais? Qual o interesse das imagens e sons que vemos/ouvimos nos filmes brazyleiros?

Glauber Rocha

O objeto de arte, de modo geral, não se reduz apenas à exposição em museu, noite de autógrafos em livrarias ou aberturas de congressos, exposição em salas de cinema, estreias em teatro. A obra de arte é uma leitura do tempo histórico e psicológico, envolve um pensar filosófico numa sociedade com diferentes regimes políticos e econômicos, pois a arte transcende o tempo, apropria-se de tintas, penas e teclas, massa e forma. Assim, descobre, mostra, percebe e representa outro mundo que se manifesta de alguma forma. Daí a necessidade de um jogo entre aquele que cria e o outro que recebe. Porém, necessita-se de um pacto, de um acordo para que possa ocorrer uma interação entre o texto e o espectador/leitor, que são fundamentais para a configuração e existência de uma história.

Parodiando Eco, o texto é uma máquina sossegada que espera pelo receptor, quando este se prepara para adentrar-se, ou melhor, quando nós entramos no “[...] bosque da ficção, temos de assinar um acordo ficcional com o autor e estar dispostos a aceitar, por exemplo, que lobo fala; mas quando o lobo come Chapeuzinho Vermelho, pensamos que ela morreu” (ECO, 1994, p.83). E, depois, pensar em sua ressurreição é algo extremamente extraordinário. Desse

modo, a literatura e o cinema despontam entre as diversas artes criadas no decorrer da história da humanidade. Ambas provocam questionamentos e discussões intermináveis que resultam na elaboração de teorias, estilos, tendências e métodos analíticos. Nesse sentido, apropriamo- nos da literatura e do cinema e abrimos espaço para refletir sobre as duas linguagens artísticas, sustentadas por palavras e imagens.

De modo geral, podemos assinalar que estudiosos de diferentes áreas se preocupam com essas manifestações artísticas e se voltam para a compreensão de cada uma delas. Sabemos que há contradições, ideias dissonantes que resultam de vieses teóricos diferentes. Além disso, tais interrogações, sobretudo sobre a literatura, já se evidenciavam em tempos remotos, como, por exemplo, na Odisseia, poema escrito no século VI a.C., no qual Ulisses, herói da narrativa, enaltece Demódocos pela sua capacidade de contar o rumo daquele povo, como legado divino. Assim, a origem da literatura adviria dos ensinamentos dos deuses, num primeiro momento: sua função instaura-se na reconstrução dos feitos dos heróis. Essa construção permite a revelação de um caráter mítico, poético e ideológico. Posteriormente, Platão (V- IV a.C.) e Aristóteles (IV a.C) preocupam-se com a definição de literatura. Os dois filósofos classificaram os gêneros literários, centraram seus estudos nas formas, nos modos e nas figuras16. Aristóteles, na Poética, texto clássico e básico para o estudioso da área, focaliza o conceito de arte literária e reconhece a inexistência de um termo específico para designar o objeto em pauta.

À proporção que o tempo passa, há novas formulações teóricas sobre a questão, pois ainda mantemos a busca por uma definição. Basta observarmos as reflexões dialéticas formuladas por Eagleton (1997), que traz à tona uma série de abordagens e teorias sobre literatura. O estudioso as analisa e compara, deixando explícitas a divergência e a pluralidade da forma como cada corrente teórica aborda o texto literário. Logo, percebe a difícil tarefa de defini-lo objetivamente.

Antonio Candido (1971), por seu turno, salienta que as manifestações literárias traduzem as necessidades inerentes do homem. Portanto, sua extensão rompe com fronteiras geográficas e dialoga com o tempo. Isso remete à sua universalidade, já que podem refletir sobre as relações humanas e com o mundo. Para Candido, a literatura é, pois, um sistema que abrange obras e leitores, na medida em que os receptores se apropriam de textos literários. Por

16 Compagnon observa: “Platão e Aristóteles não faziam teoria da literatura, pois a prática que queriam codificar não era o estudo literário, ou a pesquisa literária, mas a literatura em si mesma. Procuravam formular gramáticas prescritivas da literatura, tão normativas que Platão queria excluir os poetas da Cidade. Atualmente, embora trate da retórica e da poética, e revalorize sua tradição antiga e clássica, a teoria da literatura não é, em princípio, normativa” (COMPAGNON, 2001, p.19-20).

isso, uma obra literária traz em si não só o tempo presente, mas o futuro, e permite uma projeção no porvir. Nesse sentido, a literatura envolve elementos intrínsecos e extrínsecos na sua totalidade, e sua consolidação se dá a partir das relações entre o público, o texto e o autor.

Podemos observar que o cinema, de certo modo, também se define como um sistema, uma vez que integra toda uma produção, envolve trabalho coletivo e, por fim, ao ser exibido o filme nas telas, dialoga com o espectador por meio de imagens e de outros recursos que definem a sua natureza. Além disso, cinema e literatura dialogam, porque ambas as manifestações artísticas se apropriam de um leitor ou espectador que busca encontrar nas páginas de um livro ou nas telas uma narrativa ficcional, onde podem entrar em comunhão ou não com as personagens. Apesar de apresentarem suportes diferentes, as duas modalidades exigem do leitor um afastamento das atividades cotidianas, pois o texto, imagético ou verbal, prevê a presença de espectadores e leitores; estes são indispensáveis para a atualização dos textos, visto que tanto o filme quanto o texto literário não apresentam uma única perspectiva, isto é, sempre há diferentes pontos de vista com os quais o leitor/espectador pode atualizar as respectivas construções artísticas, atribuindo sentido seja ao que diz um narrador, seja ao que mostra o olhar da câmera.

O cinema, por sua vez, é um espetáculo que se configura a partir de imagens fotográficas que se movimentam e incluem o som, quer dizer, as palavras e a música apresentam uma duração e se servem de um aparelho, geralmente sofisticado, para a exibição do filme. Tal experiência acontece de forma coletiva, geralmente numa ampla sala ou, hoje, transposto para o DVD, podendo ser visto solitariamente. Já a literatura se apropria da palavra e da sua construção linguística; estas garantem a produção de imagens. Assim, o leitor ganha um papel efetivo, visto que ativa os atos de imaginação. Esse ato leva-o a constituir o sentido do texto de modo a marcar sua presença no mundo que se elabora na instância textual.

Dessa forma, o cinema e a literatura exibem similaridades, pois ambos narram histórias fictícias, apresentam espaço, personagens e tempo. Tais elementos fazem parte de um conjunto de ações em que se evidencia uma série de conflitos e experiências humanas, singulares e coletivas, que geralmente provocam reações reflexivas diante das construções elaboradas artisticamente. Entretanto, é relevante destacar que se trata de modalidades artísticas diferentes. Um diretor de cinema pode se valer de um texto literário para adaptar a obra, numa apresentação fílmica. Todavia, não podemos comparar o texto literário ao filme como resultado, pois um texto de alta qualidade artística e estética nem sempre garante a adaptação de filme bem elaborado e vice-versa. Nessa perspectiva, não há uma substituição de um pelo outro, porque cada um apresenta um estatuto diverso.

Robert Stam, no texto A literatura através do cinema (2008), afirma que a crítica tradicional censura a adaptação fílmica de romances, discrimina a transposição de um suporte para outro e dissemina a ideia “[...] de que o cinema vem prestando um desserviço à literatura. Termos como ‘infidelidade’, ‘traição’ [...] ‘profanação’” (STAM, 2008, p. 20, grifos do autor) são corriqueiros e fecham a ideia de que o livro é melhor. Porém, diante do já mencionado, um princípio pautado na fidelidade não representa um caminho metodológico adequado. Além disso, a expressão “infiel” significa uma violência, porque expressaria a decepção pela adaptação fílmica. Em outras palavras, o diretor do cinema não teria conseguido traduzir aspectos essenciais da narrativa, sejam temáticos, sejam relativos a qualidades específicas da literatura. Stam enfatiza que a noção de fidelidade não deve ser redutora, pois “[...] (a) algumas adaptações de fato não conseguem captar o que mais apreciamos nos romances- fonte; (b) algumas adaptações são melhores do que outras; (c) algumas adaptações perdem pelo menos algumas das características manifestas em suas fontes” (STAM, 2008, p. 20).

Assim, não é possível generalizar de fato a questão de fidelidade, porque uma “[...] adaptação é automaticamente diferente e original devido à mudança do meio de comunicação. A passagem de um meio unicamente verbal como o romance para um meio multifacetado como o filme” (STAM, 2008, p. 20 grifo do autor); ou seja, o cinema mobiliza outros recursos, como a música, a animação, as imagens fotográficas e os efeitos diversos. Indiscutivelmente, a noção de fidelidade não se concretiza, de fato. Há, sim, uma relação intertextual e intersemiótica com o romance que propiciou a criação artística num outro suporte, sobretudo quando consideramos as pressuposições teóricas sobre intertextualidade de Kristeva, com base no dialogismo de Bakthin.

Bakthin ressalta a necessidade de reavaliar a questão da originalidade, considerando-a problemática, tendo em vista que uma obra dialoga com outra, independentemente dos aspectos temporais. O teórico observa que a obra de arte é uma construção de formas híbridas: o híbrido “[...] romanesco é um sistema de fusão de línguas literariamente organizado, com um sistema que tem por objetivo esclarecer uma linguagem com a ajuda de uma outra, plasmar uma imagem viva de uma outra linguagem” (BAKHTIN, 2002, p. 159). Acerca das teorias relacionadas à forma e ao conteúdo do cinema, Stam explica que a “[...] teoria da adaptação é o que a translinguística bakthiniana chamaria de ‘enunciado historicamente situado’. E, da mesma forma que não se pode separar a história da teoria da adaptação da história das artes e do discurso artístico” (STAM, 2003, p. 36, grifo do autor), muito menos podemos separá-la da história “[...] tout court, definida por Jameson como ‘aquilo que dói’, mas também como aquilo que inspira” (STAM, 2003, p. 36, grifos do autor).

Para Stam, na junção de narrativa e espetáculo, o cinema tem a capacidade de multiplicar a magia de tempos e espaços entremeados em si numa ficção e apresenta a “[...] história do colonialismo do ponto de vista do colonizador” (STAM, 2003, p.34). Nesse sentido, podemos repensar na questão da fidelidade e da originalidade, como, também, a história da literatura e a da produção cinematográfica17. Há o encontro de duas linguagens num processo dialógico, mas isso não significa que a segunda representa apenas uma reprodução da primeira. Ao contrário, trata-se de outra criação artística que resulta da leitura do receptor. A teoria da adaptação, conforme Stam, apresenta uma série de termos, como tradução, canibalização, transcodificação, dentre outros, que colaboram para ampliar o sentido da adaptação. E o estudioso acrescenta:

O tropo da adaptação como uma “leitura” do romance-fonte, inevitavelmente parcial, pessoal, conjuntural, por exemplo sugere que, da mesma forma que qualquer texto literário pode gerar uma infinidade de leituras, assim também qualquer romance pode gerar uma série de adaptações. Dessa forma, uma adaptação não é tanto a ressuscitação de uma palavra original, mas uma volta num processo dialógico em andamento. O dialogismo intertextual, portanto, auxilia-nos a transcender as aporias da “fidelidade”. (STAM, 2008, p. 21 grifo do autor).

Sendo assim, a adaptação fílmica de romances não reproduz em si a narrativa, pois o diretor do filme pode dialogar, criar cenas imprevisíveis, afinal, a adaptação cinematográfica resulta de um processo de interação entre o leitor e o texto, ou seja, há a criação de uma outra obra. Além do mais, o leitor, nesse processo de interação com o texto, cria as suas imagens e nem sempre tais imagens dialogam com o gosto criado pelo cineasta ou pelo escritor. Assim, a obra literária apresenta suas especificidades particulares e, da mesma forma o cinema: ambos devem ser analisados conforme os sistemas de significação próprios de cada arte, tais como as técnicas.

Anelise Reich Corseuil, em parte do livro Teoria literária: abordagens históricas e

tendências contemporâneas (2003), organizado por Thomas Bonnici e Lúcia Osana Zolin, especificamente no capítulo intitulado “Literatura e cinema”, discute a vertente que considera a adaptação fílmica uma produção criativa, porém dependente da literatura, na qual a preocupação se detém na imposição do literário sobre o filme. Se, de um lado, há resquícios

17 No que se refere à representação do mundo, nas telas cinematográficas, pode ocorrer de maneira diversa, conforme a pretensão dos produtores do filme, pois a câmera cinematográfica, “[...] com todos os seus recursos auxiliares de imergir e emergir, seus cortes e seu isolamento, suas extensões de campo e suas acelerações, seus engrandecimentos e suas reduções [...], nos abre, pela primeira vez, a experiência do inconsciente visual” (BENJAMIN, 1983, p. 23). De certo modo, Stam dialoga com Adorno, especialmente do ponto de vista da indústria cultural, visto que o cinema pode ser considerado como disseminador dos aspectos ideológicos da burguesia.

impositivos e se revela uma postura redutora da adaptação, de outro, há estudos de adaptação que “[...] têm proposto uma análise mais contextualizada do filme adaptado, respeitando o momento histórico-cultural em que ele é produzido e inserindo-o nos vários discursos que o constituem como produção cinematográfica” (CORSEUIL, 2003, p. 295). A pesquisadora apropria-se do texto Film adaptation: series depth of Field (2000), organizado por J. Naremore, e acrescenta a “[...] performance dos diversos atores e como eles operam na indústria cinematográfica, a ideologia dominante no filme, o sistema de divulgação e produção, os elementos narrativos e a linguagem específica ao cinema” (CORSEUIL, 2003, p. 295).

Apesar da distinção entre as duas formas de representação artística, há adaptações que tentam reproduzir com fidelidade os diálogos do texto verbal, com o intuito de atender uma clientela específica, facilitando-lhes o consumo de romances, sobretudo do século XIX. Como exemplo, adaptações dos romances de Charles Dickens ou Jane Austen. Tais produções, de modo geral, reavivam o passado e conseguem reconstituir um período da história, além de garantir um espaço privilegiado no mercado. Todavia, essas produções cinematográficas não atualizam o texto literário e dão-lhe a “[...] impressão de que o filme é um teatro filmado, inerte e sem expressão própria” (CORSEUIL, 2003, p. 296).

Isso posto, podemos notar que análises pautadas no grau de fidelidade da produção fílmica “[...] podem neutralizar os elementos cinematográficos que diferenciam a linguagem literária, verbal, da cinematográfica, predominantemente visual” (CORSEUIL, 2003, p. 296). Dessa maneira, é de suma importância uma análise crítica que leve em consideração os elementos que fazem parte da constituição da linguagem cinematográfica, dentre eles a montagem ou a edição e a ordenação dos planos. Nesse processo, trata-se de colar os fragmentos do filme em sequência por um montador, no caso, um especialista, sob a responsabilidade do diretor do filme. O plano resulta de uma imagem alcançada por movimentos da câmara. Já a fotografia, inicialmente, esteve ligada à pintura e pode ser trabalhada conforme a impressão que se quer causar, devendo haver uma preparação da luz artificial, ou não, decorrente do objetivo a ser alcançado.

O som, por sua vez, é “[...] produzido pela vibração rápida dos corpos, que se propaga em meios materiais e excita o órgão do ouvido” (AUMONT, 2007, p. 275). Por conseguinte, nos filmes, evidenciam-se ruídos diversos, as falas entre as personagens e a música. A composição de som na constituição do filme pode ser considerada um trabalho artístico, porque o som e todo o processo narrativo se interligam e se comungam. Desse modo, o som fílmico anda em paralelo com uma “[...] percepção visual, até mesmo nos casos-limite em que

a tela fica escura. A percepção fílmica é, portanto, áudio(verbo)visual e faz intervir numerosas combinações entre sons e imagens: redundância, contraste, sincronismo ou dessincronização etc.” (AUMONT, 2007, p.276)18.

Outro elemento fundamental no cinema é o ponto de vista narrativo, de que, posteriormente, trataremos com cuidado, mas, resumidamente, trata-se da perspectiva ou do lugar do qual a cena foi filmada. Conforme Aumont, se o pintor se apropria de uma perspectiva para organizar o seu quadro, o cineasta assume um ponto imaginário e móvel e tal ponto de vista depende do olhar e, “[...] em um filme narrativo, a questão será saber se esse olhar pertence a alguém: a um personagem (plano “subjetivo”), à câmera, ao autor do filme ou a seu enunciador ou “mostrador” (Gaudreault)” (AUMONT, 2007, p.237 grifo do autor). Além deste, podemos assinalar a cenografia, a sequência constituída pela unidade de ação e a cena (a parte de uma representação ou fragmento da ação).

Não podemos deixar de lembrar que a produção cinematográfica depende do produtor (aquele que financia a realização do filme), do exibidor e distribuidor. O filme ainda pode ser de curta-metragem, com duração até de trinta minutos; média e longa-metragem, quando ultrapassam mais de uma hora. A execução de um filme segue um roteiro que direciona as filmagens, uma vez que descreve o plano da narrativa e os demais elementos do filme. Para tanto, cabe ao diretor transformar o roteiro em cenas imagéticas e visuais. Conforme Bernardet, a “[...] tendência brasileira é que o diretor também seja autor do roteiro, participe da produção, da montagem, de todas as fases do filme, tornando-se assim realmente o autor do filme” (BERNARDET, 2007, p. 196).

18 Porém, é importante ressaltarmos que há uma série de estudos díspares sobre o som. Christian Metz, Rick Altman, Michel Marie, Francis Vanoye, dentre outros, conferem à trilha sonora uma atenção cuidadosa, como a da imagem. Esse interesse decorre dos eventos tecnológicos. Stam diz sobre o ‘atraso’ no estudo do som, mesmo tendo “[...] estado presente desde os seus primórdios, mas foi analisada com o devido rigor tão-somente nos anos 80 e 90 (com raras exceções, como Composing for the film, de Eisler e Adorno, de 1944). Parte desse atraso é o resultado, quem sabe, da visão convencional do som como mero acessório ou suplemento da imagem” (STAM, 2003, p.238).

No que se refere ao gênero, Stam assinala que o cinema19 se apropriou do mesmo princípio organizador da teoria da literatura; se Aristóteles (384-322 a.C), na Poética, fazia distinção entre as formas de representação literária, em diferentes modalidades, como epopeia, tragédia, comédia, dentre outros, também há uma tipologia específica para os filmes, apoiada na da literatura, como a comédia ou o melodrama, diários de viagem e desenhos animados, dentre outros. Assim, as adaptações fílmicas de romances “[...] invariavelmente sobrepõem um conjunto de convenções de gênero: uma extraída do intertexto genérico do próprio romance-fonte e a outra composta pelos gêneros empregados pela mídia tradutória do filme” (STAM, 2008, p. 23).

A transposição de uma obra literária para a versão cinematográfica não se resume numa mera mudança de suporte, aliás, é um processo complexo porque também não resulta apenas da recepção do leitor e da sua criação. Implica, pois, uma série de procedimentos técnicos próprios da linguagem visual e das escolhas das ações. Desse modo, a “[...] arte da adaptação fílmica consiste, em parte, na escolha de quais precisam ser descartadas, suplementadas, transcodificadas ou substituídas” (STAM, 2008, p. 23). Ao lado das questões técnico-narrativas há outro fator que perpassa a questão da adaptação do romance. De um lado, refere-se, portanto, às questões de cunho social e histórico, porque o cineasta relê o texto literário a partir do tempo em que vive; de outro, o texto literário traz implícitas nuances de um outro tempo. Todavia, isso não o impede de recriar no presente algo já dito. Ao lado desses fatores, o ritmo da leitura de um texto literário é organizado pelo leitor; já no âmbito do cinema a realidade é outra, porque o cinema prescinde de um tempo determinado, pois o espectador se vê diante da tela sabendo da duração da exposição fílmica.

Desse modo, o estudo da adaptação é uma das discussões trazidas à tona pela academia e isso acontece desde as origens do cinema, porque se volta para a questão da

19 Vale lembrarmos que uma das preocupações que acontece no âmbito da literatura da mesma forma ocorre em relação ao cinema: a busca de sua complexa definição enquanto estatuto artístico. O último trata-se da sétima arte, seu nascimento deu-se após as outras manifestações artísticas e também não se originou com o estatuto de arte. Assim, no dia 28 de dezembro de 1895, na cidade de Paris, Georges Méliès, que trabalhava com teatro, fez a exibição do primeiro filme no “Grand Café”. Os filmes eram de curta metragem, câmara parada, não tinham som, e em preto e branco. Já nessa primeira exibição, o público se emocionou com a imagem de um trem que se dirigia em direção à plateia. A impressão de realidade foi intensa e, isso garantiu o sucesso do cinema, pois o espectador tinha a impressão de viver um fato real, ou seja, tratava-se de uma ilusão. Inicialmente, ele entrou em contato com Lumière, pois pretendia adquirir uma máquina ou aparelho. No entanto, Lumière assinalou que o