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Parte III A Herança Digital e a Transmissão de Conteúdos Digitais em Vida

6. A Herança Digital

6.8 Herança Digital Cultural

O conceito de Herança Digital Cultural tem vindo a ser bastante explanado pela UNESCO, e concerne com a preservação dos recursos intelectuais e culturais em formato digital que são produzidos por uma sociedade, de modo a que o seu património cultural possa ser preservado, não só no “mundo físico” como no plano digital. Esta preservação pode ser crucial para evitar o risco de se criar graves lacunas na herança cultural das gerações futuras. Sendo a partir deste modalidade que se começou a pensar na problemática da Herança Digital.

De facto, o universo digital duplica o seu tamanho a cada dois anos, e irá crescer dez vez mais até 2020237, sendo que no meio de todos os conteúdos que integram este universo, muitos

deles podem ser culturalmente relevantes para uma sociedade como parte integrante do seu património digital. Neste sentido, a UNESCO criou a plataforma para o aumento da sustentabilidade da sociedade de informação transglobal, com o intuito de garantir a preservação deste património cultural digital. Tendo esta como missão fornecer um ponto de vista abrangente desta problemática às bibliotecas, arquivos, museus, e outras instituições similares aquando da elaboração das suas próprias políticas de seleção da herança digital para garantir a sua preservação ao longo termo. Igualmente, salienta-se que estas necessidades podem ser diferentes em função das diversas comunidades, regiões e países, e da necessidade de compromisso e cooperação entre os sectores públicos, privados e os criadores dos conteúdos, de modo a garantir a efetiva existência de uma herança digital cultural238.

De igual modo, o papel crucial na manutenção do património digital cultural tem que ser desempenhado pelas instituições nacionais, sendo que em alguns países já existem legislação especialmente destinada a criar depósitos da sua herança digital, incluindo quer material

237 Informação obtida na página no site da EM𝐶2: http://www.emc.com/about/news/press/2014/20140409-01.htm [18-05-2016] 238 Cf. Sarah CHOY, Nicholas CROFT, Robert FISHER, Ngian Lek CHOH, Susanne NICKEL, Clément OURY e Katarzyna SLASKA, The

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publicado, quer documentos oficiais dos seus próprios governos. Pelo que esta proteção deve ser estendida também aos conteúdos digitais239. Porém, importa considerar que a preservação

dos materiais digitais requer custos significativos, como já aqui mencionado, de modo que se torna essencial a intervenção estatal para garantir a disponibilidade de recursos.

6.8.1 O Impacto Legal na Seleção dos Conteúdos que integram a Herança Digital

Cultural

Como é óbvio estando em consideração conteúdos de carácter cultural e intelectual é crucial considerar quais as repercussões e vicissitudes legais que necessitam de ser pensadas, observadas e respeitadas, visto que o ambiente legal pode ter relevantes repercussões na seleção e preservação deste tipo de herança digital.

Na verdade, torna-se necessário tomar em conta as leis nacionais e internacionais que regulam a disseminação, acesso e uso dos conteúdos protegidos por direitos de autor, curando pela autorização destes para a preservação de conteúdos e a sua integração no leque da herança digital cultural. Sendo que muitos conteúdos podem ser limitados pela proteção dos direitos de propriedade intelectual, pela privacidade de cada pessoa, e até mesmo com a confidencialidade do segredo de estado, dependendo dos conteúdos em questão240. Ora,

juntamente com a definição do acesso público à informação, são estes os pressupostos que devem ser respeitados de modo a que a herança digital possa ser preservada.

Portanto, estas restrições legais criam um risco para a preservação da herança digital cultural, que só podem ser contornadas por eventuais autorizações dos autores dos conteúdos, ou em alternativa, pelo fim do prazo legal dentro do qual os conteúdos se encontram protegidos pelo direito de autor. Podendo surgir como solução a realização de acordos com os titulares dos direitos de autor dos conteúdos, e também dos softwares, de modo a ser possível a preservação e proteção de certos tipos de património digital cultural.

6.8.2 A seleção dos conteúdos que compõe a herança digital Cultural

Um dos principais desafios para qualquer instituição que possa curar com a herança digital cultural concerne com o facto de existir uma enorme vastidão de conteúdos no mundo

239 Cf. Sarah CHOY, Nicholas CROFT, Robert FISHER, Ngian Lek CHOH, Susanne NICKEL, Clément OURY e Katarzyna SLASKA, ob. cit., p. 4. 240 Cf. Sarah CHOY, Nicholas CROFT, Robert FISHER, Ngian Lek CHOH, Susanne NICKEL, Clément OURY e Katarzyna SLASKA, ob. cit., p. 5

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online, o que torna necessário realizar uma ampla seleção dos conteúdos que se enquadram neste âmbito. Por outras palavras, antes de se optar por preservar os conteúdos digitais é crucial identificar os que podem ter valor significativo para uma sociedade, a nível cultural e intelectual.

Na verdade, as instituições dirigidas para a criação de uma herança digital devem levar a cabo um papel proactivo na identificação dos conteúdos revelantes para a sociedade cuja herança pretendem salvaguardar, bem como da informação a eles atinente, por forma a garantir que os conteúdos com real valor para uma sociedade possam ser conservados241. De modo que,

nessa análise têm de ser utilizados como ponto de partida os bens físicos que, geralmente, importam conservar culturalmente, fazendo a sua correspondência no mundo digital. Assim, entre as formas tradicionais de herança digital podem ser destacados os jornais que relatam vários acontecimentos históricos de uma sociedade, mapas, fotografias, registos de som, e até registos governamentais, entre muitos outros. Mais ainda, devem ser considerados os trabalhos artísticos, de uma forma especial, visto confluírem com os direitos de autor dos seus criadores. Podendo ser enumerados entre estes os livros, pinturas, entre outros trabalhos artísticos, inclusive todos aqueles realizados sobre forma digital.

Porém, no mundo digital existem ainda outros conteúdos que não encontram correspondência no plano físico, como é o caso das páginas de internet por exemplo. Sendo nestes casos que a Herança Digital Cultural ganha especial relevo, em particular por, na maioria das vezes, estas novas formas serem negligenciadas, colocando em risco a transmissão destes elementos culturais às gerações futuras. O que, atualmente, face à importância e ubiquidade do mundo digital poderia originar severas falhas na reconstituição de uma herança cultural242.

Portanto, a seleção dos conteúdos a preservar demonstra-se essencial para garantir uma correta herança cultural, não simplesmente pela vastidão de conteúdos existentes, mas sobretudo pelo que representaria a perda para uma sociedade de alguns desses conteúdos.

Não obstante, é possível objetivar a importância de garantir uma herança digital cultural. Imagina-se então os blogs, uma simples página pessoal destas não possui qualquer valor cultural. Porém um conjunto destas páginas, de vários indivíduos de uma mesma sociedade, permite reconstituir um retrato da mentalidade e costume de uma época. Mais ainda, começam a existir cada vez mais publicações em formato digital, quer de livros, quer de artigos científicos, o que representa uma mudança de paradigma das bibliotecas como elementos essenciais da herança cultural de uma sociedade. Pelo que, as bibliotecas nacionais, além da extensa coleção

241 Cf. Sarah CHOY, Nicholas CROFT, Robert FISHER, Ngian Lek CHOH, Susanne NICKEL, Clément OURY e Katarzyna SLASKA, ob. cit., p.5. 242 Cf. Sarah CHOY, Nicholas CROFT, Robert FISHER, Ngian Lek CHOH, Susanne NICKEL, Clément OURY e Katarzyna SLASKA, ob. cit., p.6.

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que vão construindo de elementos físicos, terão igualmente de curar sobre os elementos em formato digital e adotar critérios que permitam a sua preservação a longo termo243.

Por outro lado, hoje em dia máquinas guiadas por software são capazes de conceber obras de arte digitais, por exemplo. Ora, o espólio de um museu também pode ser afetado pelo mundo digital, surgindo bens concebidos em formato digital, bem com informação e outros conteúdos históricos que são digitalizados, e ainda objetos que são alvo de reproduções em 3D. De modo que os museus também se tornam curadores da herança digital cultural. Finalmente, podem ser criados arquivos digitais de ficheiros com importância cultural ou histórica para uma sociedade, e que devem ser preservados como parte de uma herança cultural244.

Em suma, a existência de conteúdos digitais com importância cultural, histórica e intelectual é inegável. No entanto, face ao grande leque de conteúdos existentes no mundo digital, torna-se essencial que as instituições culturais procedam a uma seleção desses conteúdos com o intuito de salvaguardar partes essenciais da herança cultural de cada estado. Não obstante, essa seleção necessita de celeridade, pois face à efemeridade dos conteúdos digitais é vital que a sua preservação seja assegurada a longo termo.