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Parte I Do Direito Civil e Sucessório

3. Modalidades de Sucessão

3.2 Sucessão legitimária

A sucessão legitimária é a outra modalidade sucessória que, a par da sucessão legítima, completa o leque da sucessão legal, isto é a “sucessão deferida por lei”, conforme a letra do artigo 2026º do Código Civil.

Na verdade, a sucessão legitimária é aquela que per si representa a sucessão legal por excelência, uma vez que “é aquela que é deferida por lei, que não pode ser afastada pela vontade do de cujus e que respeita à porção de bens de que o autor da sucessão não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários”50. Ora, podendo os conteúdos

digitais ser transmitidos, poderão eventualmente ser incluídos nesta porção de bens do autor da sucessão.

Com efeito, para melhor compreender este conceito, e este tipo de sucessão em si, é então necessário destrinçar, no conjunto de bens do autor da sucessão, entre duas porções de bens, ou quotas. De tal modo, surge neste âmbito, a distinção entre a quota legítima ou indisponível, e quota disponível. Assim, na primeira está compreendida a porção de bens da qual o autor não tem poder para dispor, a denominada legítima, uma vez que se encontra consignada aos herdeiros legitimários, sempre que estes existam claro está. Sendo que esta quota pode variar entre 1

3 a 2

3, em função dos herdeiros legitimários existentes e de acordo com as regras elencadas nos artigos 2158º a 2161º do Código Civil. Por outro lado, a quota disponível representa a porção da herança de que o autor pode dispor livremente, e que compreende, quando existam herdeiros legitimários, a quota restante. Caso não existam sucessores legitimários, então esta quota irá abarcar o total da herança.

Portanto, este tipo de sucessão só ganha relevo quando existam sucessores legitimários, e delimita quer a sucessão legítima, quer os poderes de disposição mortis causa do autor da sucessão, visto que uma quota dos seus bens é “imperativamente deferida”51 aos seus herdeiros

legitimários.

50 Cf. Rabindranath Capelo de SOUSA, ob. cit., p. 39. 51 Cf. Rabindranath Capelo de SOUSA, ob. cit., p. 40.

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3.2.1 Categorias de sucessíveis legitimários

Como já foi possível constar, a sucessão legitimária é aquela que, por força de lei imperativa, difere aos seus herdeiros legitimários uma quota da herança global, quota essa da qual este último não pode dispor, sendo inderrogável.

Por conseguinte, importa então perceber quais são os herdeiros legitimários a quem é deferida esta quota. Assim, o elenco desta classe de sucessíveis é oferecido no artigo 2157 º do Código Civil, sendo que engloba o cônjuge do autor da sucessão, os seus descendentes e ascendentes, de acordo com as regras definidas para a sucessão legítima.

Deste modo, e tendo em conta as regras definidas para a sucessão legítima, que já foram analisadas, estabelecem-se duas classes de sucessíveis legítimos, ao abrigo das alíneas a) e b), do número 1, do artigo 2133º. Sendo que, a primeira classe é composta pelo cônjuge e descendentes, encontrando-se incluídos nestes últimos os adotados e seus descendentes. Por sua vez, a segunda classe é constituída novamente pelo cônjuge, e pelos ascendentes do de cujus.

Além disso, é igualmente necessário observar a natureza da quota legítima, uma vez que esta pode variar em função dos herdeiros legitimários existentes, quer pelo tipo de herdeiros, quer pelo seu número. Pelo que, podem encontrar-se três situações, nas quais o valor da legítima varia.

Em primeiro lugar, a legítima pode corresponder a dois terços da herança, podendo tal suceder em diferentes situações. A legítima global corresponderá a dois terços da herança quando concorrerem nesta o cônjuge sobrevivo, com um, ou mais filhos, ou uma ou mais estirpes do autor da sucessão, isto à luz do número 1, do artigo 2159º e do artigo 2160º, ambos do Código Civil. Do mesmo modo, quando não existir cônjuge sobrevivo, e sobreviverem ao autor da sucessão dois ou mais filhos, ou duas ou mais estirpes de descendentes, o valor da legítima corresponderá ao mesmo da situação anterior, ao abrigo do número 2, do artigo 2159º. Mais ainda, quando não existam descendentes do de cujus e, juntamente com o cônjuge, concorram à sua sucessão um ou mais descendentes, independentemente do seu grau de parentesco, a quota legítima terá, igualmente, o valor de dois terços do total da herança.

No entanto, o valor da legítima global é suscetível de variar em mais casos, sendo correspondente a metade do valor total da herança numa panóplia de três situações. Consequentemente, quando o único herdeiro legitimário seja o cônjuge, este terá direito a pelo menos metade da herança correspondente à sua legítima, de acordo com o artigo 2158º do

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Código Civil. Porém, quando sobreviva ao titular da herança somente um filho, ou uma só estirpe de descendentes, a legítima global corresponde também a metade da herança, segundo os artigos 2159º, n.º 2 e 2160º. Finalmente, o valor da legítima será este também nos casos em que apenas sobrevivam ao autor da sucessão, um ou ambos os seus pais, não existindo cônjuge, nem descendentes sobrevivos, de acordo com a primeira parte, do número 2, do artigo 2161º do Código Civil.

Por fim, o valor da quota legítima cingir-se-á a um terço da herança quando inexistindo cônjuge, descendente e pais do autor da sucessão, forem chamados à herança qualquer dos seus ascendentes do 2º grau e seguintes, segundo o artigo 2161º, número 1 do Código Civil.

Por conseguinte, estas quotas legítimas só podem ser fixadas no momento da abertura da sucessão, sendo que será relevante para a determinação da sua proporção todos os herdeiros legitimários que, naquele momento, possam influir na distribuição do bens do de cujus. Autonomamente da vontade destes sucessores de não quererem, ou não poderem, aceitar a herança.

Assim sendo, e analisada a sucessão legitimária e as variantes da legítima global, é manifesto que as variantes da quota disponível são representadas pelas partes remanescentes da herança, segundo o entendimento expresso no artigo 2162º do Código Civil. Relativamente à natureza jurídica desta quota, existe uma conceção que defende que esta assume uma autêntica pars hereditatis, e não um simples crédito dos herdeiros legitimários sobre a herança, o que resulta que após a abertura da sucessão o direito à legítima seja um direito a uma parte dos bens da herança. Porém, existe também outro entendimento que entende o direito à legítima como um pars bonorum, ou seja, como um direito a uma parte do valor dos bens52.

3.2.2 Princípios fundamentais da sucessão legitimária

Analisadas as duas classes de sucessíveis legitimários, é possível compreender que o que as separa são o princípio de preferência de classes e o princípio de preferência de graus de parentesco. Pelo que, os herdeiros legitimários da primeira classe de sucessíveis preferem aos da classe imediata por virtude do princípio de preferência de classe, estatuído no artigo 2134º do Código Civil, e que se torna aplicável aos herdeiros legitimários por força do artigo 2157º do mesmo código. Logo, os herdeiros legitimários da segunda classe apenas são chamados à sucessão se não existirem os da primeira classe de sucessíveis.

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Por sua vez, surge o princípio de preferência de graus de parentesco, mas este de uma forma muito mais diluída, uma vez que se apresenta, de forma muito ténue, ao cingir o valor da quota legítima a um terço da herança quando não exista cônjuge, descendente e pais sobrevivos do autor da sucessão, e forem então chamados à herança qualquer dos seus ascendentes do 2º grau e seguintes, segundo o artigo 2161º, número 1 do Código Civil. Sendo este, o valor mais diminuto possível da legítima global, e surgindo somente quando os únicos sucessores sobrevivos sejam de um grau de parentesco mais afastado, particularmente do 2º grau e seguintes.