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História e estrutura do manual

No documento Pátria e Liberdade (páginas 155-158)

Pátria E LiBErdadE Criadora no PEnsaMEnto FiLosóFiCo

1. História e estrutura do manual

Aludindo à tragicidade coeva, marcada pelas operações da Primeira Guerra Mundial – a Grande Guerra, na linguagem paradigmática da época –, João Soares e Elísio de Campos reflectiram no seu manual escolar, desta forma, a urgência do ensino da educação cívica, com a sua intencionalidade perfeitamente inscrita na

demopedia do Republicanismo4: “Nesta hora pavorosa e incerta, em que o velho mundo se aniquila numa tremenda conflagração, no meio da grave crise moral que nos assoberba, a educação do carácter impõe ‑se absolutamente. É indispen‑ sável aperfeiçoar fisicamente a raça e paralelamente educar a mocidade no amor e no respeito às leis, fazendo de cada homem um cidadão, de cada cidadão um consciente defensor da Pátria e da República”5.

2 Para os Programas de 1891 e de 1912 do Partido Republicano Português, cf. Ernesto Castro Leal, Partidos e Progra‑

mas. O campo partidário republicano português (1910 ‑1926), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2008,

pp. 143 ‑161.

3 Ernesto Castro Leal, Partidos e Programas, pp. 143 ‑210.

4 Fernando Catroga, O Republicanismo em Portugal. Da formação ao 5 e Outubro de 1910, Coimbra, Faculdade de

Letras da Universidade de Coimbra, 1991; Joaquim Pintassilgo, República e Formação de Cidadãos. A Educação Cívica

nas Escolas Primárias da Primeira República Portuguesa, Lisboa, Edições Colibri, 1998.

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A abertura do concurso público para a escolha do manual de Educação Cívica dirigido à formação nas escolas primárias e normais e à educação pós‑ ‑escolar foi feita através da portaria de 4 de Fevereiro de 1916, na altura do 2º Governo de Afonso Costa (29 ‑11 ‑1915/15 ‑03 ‑1916), sendo ministro da Instrução Pública, Frederico Ferreira de Simas. O manual escolar de João Soares e de Elísio de Campos foi um dos que foram aprovados pelo decreto de 20 de Junho de 1917, na vigência do 3º Governo de Afonso Costa (25 ‑04 ‑1917/10 ‑12 ‑1917), ocupando o cargo de ministro da Instrução Pública, José Maria Vilhena Barbosa de Magalhães. Boavida Portugal teve também o seu manual de Educação Cívica aprovado por esse decreto6.

O livro Portugal – Nossa Terra. Educação Cívica exprimiu bem a maneira de pensar ideológica da corrente política republicana tutelada por Afonso Costa, acen‑ tuando o apostolado anticlerical e antijesuíta, o antimonarquismo, o laicismo e a republicanização integral das consciências e do Estado ‑nação, a qual, em relação ao ideário educativo, seguia a doutrinação formulada pelo intelectual e pedagogo João de Barros, alto funcionário do Ministério da Instrução Pública7. João Soares, Elísio de Campos e João de Barros partilhavam a exemplaridade educativa de João de Deus, autor da Cartilha Maternal ou Arte de Leitura (1876), muito devedora do novo espírito pedagógico de Pestalozzi e de Froebel8. Uma das gravuras deste manual escolar tem uma imagem com a legenda “João de Deus, O Educador Nacional”9; João de Barros tinha apresentado no 2º Congresso Pedagógico (1909) precisamente a comunicação “João de Deus, o único educador nacional”.

Os autores consideraram que tinha sido seu desejo produzir uma edição modelar de um manual escolar “perfeito, artístico, para que o aluno, desde a infância se habitue a olhá ‑lo com demonstrações de prazer e de carinho por vê ‑lo bem impresso, revestido de bonita capa e ilustrado com explicativos mapas e gravuras, que o ajudem a fixar o texto com deleite”10. Quanto aos mapas, encon‑ tramos os da Lusitânia proto‑histórica, dos domínios territoriais conquistados

6 Boavida Portugal, Educação Cívica, Lisboa, Livraria Clássica Editora de A. M. Teixeira, 1917.

7 Para uma visão geral, cf. A Pedagogia e o Ideal Republicano em João de Barros. Selecção de textos de Maria Alice Reis.

Nota introdutória de Joaquim Romero Magalhães, Lisboa, Edições Terra Livre, 1979 (reedição do opúsculo de João de Barros, Educação e Democracia [1916] e selecção de outros textos do autor); Alberto Araújo, O “homem novo”

no discurso pedagógico de João de Barros (Tese de Doutoramento), Braga, Instituto de Educação da Universidade do

Minho, 1994.

8 Isolina Alves Pereira, História de um paradigma – O método de João de Deus e as escolas móveis (Tese de Doutoramento),

Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1998.

9 João Soares e Elísio de Campos, op. cit., p. 224. 10 João Soares e Elísio de Campos, op. cit., p. 6.

por D. Afonso Henriques, das navegações portuguesas, de Portugal continental e dos domínios territoriais da República Portuguesa.

Em relação às numerosas gravuras, assinale ‑se as seguintes: emblema da Pátria e busto da República; D. Afonso Henriques, D. Dinis, Mestre de Avis/D. João I, D. João II “verificando a construção das caravelas”, “fuga de D. João VI [príncipe D. João] para o Brasil” e D. João VI “jura a constituição”; Viriato, Nun’Álvares, João das Regras, Infante D. Henrique, Luís de Camões, Marquês de Pombal, Gome Freire de Andrade, Manuel Fernandes Tomás, José da Silva Carvalho, marechal Saldanha, duque da Terceira, Mouzinho da Silveira, Joaquim António de Aguiar, Passos Manuel, Sampaio Bruno, capitão Leitão e João de Deus; auto ‑da ‑fé, “revolta do povo alentejano” (Évora) em 1637 contra Filipe III de Portugal, expulsão dos jesuítas no Pombalismo, entrada dos franceses em Lisboa em 1807, “caceteiros de D. Miguel”, revolução de 31 de Janeiro e proclamação da República.

Da leitura deste manual escolar é fácil verificar que o objectivo de inculcar princípios ideológico ‑políticos republicanos e visões patrióticas da história se situou, por vezes, dentro de uma perspectiva de endoutrinação demasiado pro‑ pagandística com o objectivo de educar exclusivamente para a República (regime político) e fazer cidadãos republicanos, ao invés de, democraticamente, educar para a cidadania livre, autónoma e responsável, permitindo escolhas conscientes diversas. A educação cívica recobria, assim, as dimensões de educação política e de educação histórica.

O livro Portugal – Nossa Terra. Educação Cívica organiza ‑se em vinte e cinco capítulos, que podem ser agrupados em duas partes principais: (1) introdução à política e à Constituição de 1911, onde se abordam as noções de Educação Cívica (capítulo I), de Pátria (capítulo II), de Soberania Nacional (capítulo XXIII), de Direitos e Deveres Cívicos (XXIV) e de Escola do Povo (“novo espírito demo‑ crático”) (XXV); (2) introdução à história de Portugal (capítulos III a XXII) através da selecção de momentos históricos e de estruturas de poder político e social considerados relevantes, com a anterioridade situada nos Lusitanos e o final marcado pelo início da Primeira Guerra Mundial: Constituição da Nacionali‑ dade, Soberania Popular, Cortes, Clero, Nobreza, D. Dinis e o Desenvolvimento Interno, Revolução Popular (1383 ‑1385), Epopeia Marítima, Príncipe Perfeito (D. João II), Decadência (inquisição e jesuítas), Camões e a Alma Nacional, 1640, Marquês de Pombal, Invasões Francesas, 1820 – A Constituição (1822), Reacção Absolutista, Guerra Civil, 31 de Janeiro e República.

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