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A história e seus autores

Quanto ao aspecto cronológico, acredita-se que o primeiro professor de sur- dos tenha sido Ponce de Leon, religioso beneditino, responsável pela instrução dos surdos ilhos da nobreza. Ponce de Leon viveu de 1520 a 1584, na Espanha. Comen- ta-se que alguns de seus ex-alunos foram pessoas de destaque como historiadores, astrônomos, ilósofos etc. Em sua prática de ensino ele utilizava leitura orofacial, treinamento da voz e sinais.

Em 1755 o abade Charles Michel De L´Epée recolheu os surdos pobres que vagavam nas ruas de Paris e, aprendendo a Língua de Sinais com eles, deu início a um trabalho revolucionário para a época. Segundo alguns historiadores, a par- tir do conhecimento da Língua de Sinais Francesa, o abade catalogou um número signiicativo de sinais, dando origem a um vocabulário que associava os sinais com palavras escritas e imagens.

Conforme Sacks (2010, p. 26), a preocupação maior do abade era com a inclu- são dos surdos na experiência religiosa: “[Ele] não podia tolerar a ideia de as almas dos surdos-mudos viverem e morrerem sem ser ouvidas em conissão, privadas do catecismo, das Escrituras, da Palavra de Deus; [...]”

A pergunta retórica de Sócrates no Crátilo de Platão, (SACKS, 2010, p. 25):

se não tivéssemos voz, nem língua e, ainda assim, quiséssemos expressar coisas uns aos outros, não deveríamos, como aqueles que ora são mudos, esforçar-nos para transmitir o que desejásse- mos dizer com as mãos, a cabeça e outras partes do corpo?

 E, as ideias ilosóica e linguística de uma língua universal, que ganhava relevo naquele século, encontraram um campo fértil: a mente do Abade De L´Epée. Em- bora, equivocadamente, L´Epée acreditasse na existência de uma língua universal e que esta língua era a Língua de Sinais, “a noção de que a compreensão das ideias não dependia de ouvir palavras era revolucionária”. Ao falecer, em 1789, havia es- tabelecido vinte e uma escolas para surdos e treinado vários educadores que deram continuidade às suas ideias.

Figura 1 – Capa do livro Linguagem de Sinais do Brasil (2003)

Este mesmo sentimento religioso pelos surdos trouxe ao Brasil o padre Eugênio Oates, missionário redentorista que, em 1946, percorreu o país expandindo a assis- tência religiosa católica entre os surdos brasileiros. Em 1951, foi ordenado o padre Vicente Burnier (surdo). Oates e Burnier organizaram diversos encontros religiosos no país. O primeiro Encontro Nacional de Ensino Religioso para Pessoas Surdas foi realizado no ano de 1975. Oates tornou-se nacionalmente conhecido pelo livro Lin- guagem das Mãos. Em 1969 esta obra foi publicada pela Gráica Editora Livro S.A.; tornando-se o que parece ser o primeiro livro no Brasil com o objetivo de divulgar a Língua de Sinais Brasileira. Ele também publicou outras obras dedicadas à cateque- se dos surdos. Outro livro – Linguagem de Sinais do Brasil –, com o patrocínio da Mill Neck Foundation de Nova York, nos Estados Unidos, e tendo como coautores Harry W. Hoemann, Eugênio Oates e Shirley A. Hoemann, foi editado em 1983 e distribuído, estrategicamente, juntamente com um videoteipe, Modelos Surdos de Linguagem de Sinais do Brasil, em todo o território nacional. Como resultado de tudo isto, temos, hoje, diversas Pastorais de Surdos e vários programas religiosos voltados para essa parcela da sociedade.

Figura 2 – Joan e Ivan Peterson

Figura 3 – Família Peterson no Brasil

Fonte: Eric, 2007

Outro personagem, ainda um ilustre desconhecido, é o Reverendo Dr. John Everett Peterson, enviado para o Brasil pela organização não governamental Asso- ciation of Baptists for World Evangelism – Associação de Batistas para a Evangeli- zação do Mundo (ABWE), com sede em Harrisburg, capital do Estado da Pennsyl- vania (EUA). “Pastor João”, como é mais conhecido, e sua esposa Jean Peterson, iniciaram seus trabalhos junto aos surdos no Brasil em 1979, com o apoio do tam- bém norte-americano John Cabbage. Assim como De L´Epée, Jonh Everett Peterson aprendeu a Língua de Sinais com os próprios surdos. Isto em um momento em que a Língua de Sinais era considerada desprezível pela maioria dos educadores. Con- forme ele mesmo comenta em um panleto de sua autoria:

Vinte e cinco anos atrás, minha esposa eu começamos a ensinar Libras, naquela época chamada mímica. A época era difícil por- que as escolas de surdos rejeitaram o uso de sinais manuais para comunicar. Quando as diretoras e professoras souberam que éra- mos professores de Libras, o trato era igual ao dado a um porta- dor de doença contagiosa: isolação (PETERSON, 2003, p. 1).

As semelhanças com o Abade De L´Epée não se limitam a este fato. Dr. John Everett Peterson, assim como De L´Epée, registrou os sinais que ele chamava de

Mímica Folclórica Brasileira. Em um site em inglês ele declarou: “Nós ensinamos Libras por alguns anos por uma lista de palavras que incluía as instruções escritas que explicam os gestos”.

Figura 4 – Sentados da esquerda para a direita John e Ivan Peterson

Fonte: Eric, 2007

O material, intitulado Vocabulário de Mímica para Surdos registra, com ri- queza de detalhes, quinhentos sinais que, ainda hoje, são de uso comum dos surdos brasileiros. Vejamos alguns exemplos:

• Água: A mão direita em “L”, o polegar tocando no queixo, o indicador abana um pouco.

• Sol: A mão direita em “S” elevada, abaixa um pouco e abre em “L”. • Antes: O polegar da mão direita em “L” toca na palma esquerda e o

indicador gira para trás.

Fazendo referência às contribuições do Dr. John E. Peterson para a Língua de Sinais no Brasil, durante o III Encontro de Ciências da Linguagem Aplicadas ao Ensino (ECLAE), em Maceió, Silva (2006) comenta a respeito do vocabulário pro- duzido por Peterson: “É interessante observar a atualidade no uso dos sinais nela [apostila] contidos”. E acrescenta (slide):

Outra apostila, que tinha o desenho como forma de registro e como autora a norte-americana Judy Ensminger – hoje Judy Ensminger Froehlke, que veio ao Brasil a convite do Dr. Peterson – e como título Aprendendo a Comunicar: um Livro para a Edu- cação do Surdo, foi, na verdade, o embrião do popular “Comuni- cando com as Mãos”, agora com o acréscimo de “em LSB”.

Pouco se sabe sobre Judy Ensminger. Em seu site, John E. Peterson airma que ela veio como voluntária para o Brasil e que já trabalhava com surdos em Minneapolis, no Estado de Minnesota, também nos Estados Unidos. Sobre seu livro, desenhado em Fortaleza, capital do Ceará, John E. Peterson comenta (site em inglês):

seu livro tem sido muito útil no ensino de Libras e nós imprimi- mos e distribuímos aproximadamente 7.500 cópias do livro. Os livros normalmente têm o desenho do gesto e a palavra que ele representa, sendo útil a alguém que não sabe a Língua de Sinais ou não sabe ler. Judy extraiu uma ilustração da ação ou objeto e, então, o sinal na Língua de Sinais que corresponde a ele, seguido pela palavra. Assim temos um livro que analfabetos surdos po- dem usar para aprender Língua de Sinais (tradução nossa).

Judy é uma das artistas responsáveis pela arte da coletânea Sign Language Inter- national, trabalho publicado sob a direção de Don Cabbage. Cabbage, cuja esposa é Betty Rice Cabbage (surda), é o presidente da World Mission Society situada em Peso, no Texas. A World Mission Society é uma das muitas ONGs responsáveis pela inclusão dos surdos nas igrejas evangélicas norte-americanas e em outras espalha- das pelo mundo. A convite do Dr. John E. Peterson, Cabbage veio várias vezes ao Brasil ministrar palestras com esse objetivo.

Os acampamentos

Os encontros com surdos coordenados por John E. Peterson, por serem, quase sempre, realizados em locais para retiros espirituais, como é comum em seu país de origem, receberam o nome de Acampamentos com Surdos (Deaf Camps). Nesses eventos, além da programação religiosa, eram comuns os cursos de Língua de Sinais para ouvintes. “Sessenta semanas de acampamentos” foi o alvo inicial. Quase todos

os Estados da federação foram contemplados, alguns mais de uma vez. Surdos e ouvintes que participaram destes primeiros encontros são hoje luentes em Libras, líderes, instrutores e intérpretes espalhados por todo o território nacional.

Figura 5 – Ensinando surdos em um dos acampamentos no Brasil

Fonte: Eric, 2007