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No passado, acreditávamos que os docentes, quando estavam na situação de recém-graduados, estavam aptos para atuarem no exercício da docência, pois o pro- cesso formativo que tiveram era o suiciente para a vida proissional. Hoje, já não podemos mais pensar assim. O seu processo formativo vai muito além e envolve a formação contínua para trabalhar com todo e qualquer alunado e, se o atendimen- to for recusado, isto se constituirá em discriminação, de acordo com o Decreto n° 3.298/99 (BRASIL, 1999). Uma conquista, sob bases legais, pois todas as pessoas precisam ter abertura para a educação inclusiva. Para tanto, cabe à sociedade estar consciente de que a formação do proissional docente precisa ser permanente e de forma integrada à sua vida diária. 

Os escritos de Magalhães e Ruiz (2011, p. 10) referem-se a um currículo oculto, este fruto de práticas subjacentes que marcaram a vida dos docentes, constituído no senso comum, que também “materializa formas de controle social”. Tais rele- xões desses autores vão ao encontro de nossas relexões, principalmente, quando consideramos que, na prática inclusiva com o estudante surdo, a formação docente precisa atentar para novos saberes para a aceitação das diferenças.

Pelas razões até aqui expostas, caberia ainda perguntar, se o campo educacio- nal tem procurado discutir sobre a questão da formação docente para atuar com o

aluno surdo, ou o que lhe interessa é supor que todos já possuem os conhecimentos necessários ao processo de inclusão.

Dubet (2008, p. 54), quando discute a escola das oportunidades, no cenário francês, e faz referência aos docentes, nos diz que alguns fazem seus alunos progre- direm, reduzindo as diferenças entre os melhores e piores, entretanto, outros não o fazem, quando acentuam as diferenças no momento em que utilizam os mesmos argumentos da elite escolar nos contextos de decisões em favor do benefício para a sociedade. Como esse autor mesmo diz as desigualdades, que parecem ser justas, raramente tenderão em favor da igualdade, haja vista, portanto, serem originárias de grupos favorecidos.

No caso brasileiro, esse talvez seja um dos pontos mais complicados de um ensino inclusivo bilíngue, por isso enfatizamos que ainda as decisões de orientação escolar, sob os mecanismos escolares, como resultados de aprendizagem atribuídos pelo sistema de notas, acabam por trazer como consequência o fracasso escolar, atribuído não à instituição e suas práticas, mas ao aluno, daí o docente precisa saber mais sobre as diferenças, a diversidade e as deiciências, pois o que percebemos é um ranço de homogeneização indiferente ao crescimento que o mundo moderno exige das ações escolares.

Os escritos anteriores convergem signiicadamente para a importância dos do- centes terem um desenvolvimento proissional contínuo, para se sentirem sensibi- lizados, motivados e desaiados a aceitar as diferenças de forma consciente de seu papel na sociedade, e também de adquirirem competências e conhecimentos espe- cíicos relativos às diferenças, para melhor entender as necessidades dos estudantes.

Nesses termos, consideramos que a pessoa surda, distanciada de paradigmas que tratam como deiciência, enquanto falta e marca do preconceito e da discrimina- ção, pode frequentar uma escola na qual todos desejam, uma escola que reinterpreta as diferenças a partir de pressupostos antropológicos, para oportunizar condições de um aprendizado signiicativo. Sá (2011, p. 208), reportando-se ao papel dos edu- cadores na Educação dos Surdos, diz que é preciso que os docentes se conscientizem da necessidade de “trabalhar com essa educação especíica, que valorize diferentes

saberes na produção do conhecimento e que considere o universo singular dos gru- pos de surdos” para que os avanços na escolarização destes sejam contemplados.

O que de fato se torna evidente é que os educadores podem e devem descons- truir nas outras pessoas o que mais se evidencia no sujeito com deiciência: o rótulo, que o estigmatiza fazendo com que seja reconhecido por uma marca e não como um indivíduo que merece respeito. Nas salas de aula, o rótulo pode servir como aliado à falsa impressão de que o sujeito surdo, ao copiar tudo o que tem (na lousa), ou simplesmente icar olhando em silêncio, está participando com os demais e está aprendendo o conteúdo. Em relação ao sujeito que sofre estigmatização, Gofman (2008, p. 61) vem nos dizer que há um esforço por parte dele para se apresentar ao grupo de pertencimento como uma pessoa comum, mesmo que não esconda a limi- tação que tem. Também nessa perspectiva, diz que as pessoas que têm um estigma aceito fornecem um modelo de “normalização” (grifo do autor) que mostra até que ponto podem chegar os normais quando tratam uma pessoa estigmatizada como se ela fosse um igual.

Salientamos, portanto, que vivenciar, por meio da docência, as experiências de uma inclusão, que não é só educacional, mas social, requer muito mais de sua formação, pois sua graduação foi fundamental para a proissionalização docente, entretanto, a prática de ensino é uma ação articuladora e contínua, sendo permeada por inovações que, muitas vezes, remetem à desigualdade social e educacional e, por isso, necessitam de saberes e de posicionamentos em relação à valorização das diferenças.

Tal como problematizado por Nunes (2001, p. 35), de modo geral, a lógica da inclusão ainda produz poucos frutos, mesmo em face de formações continuadas, que estão sendo oferecidas pelo sistema educacional, em resposta às expectativas de democratização de acesso e melhoria da qualidade do ensino. Portanto, as nossas airmações anteriores não são vazias, na medida em que se ouvem as preocupações de outros pesquisadores, tais como “[...] prática de ensino desvinculada do processo de apropriação do conteúdo a ser ensinado” (MELLO, 2001, p. 100). “[...] Um bom número de professores não se sentem compromissados com a inclusão, icando à margem do processo” (PIRES, 2006, p. 44).

Além disso, nas práticas existentes ainda encontramos a presença de opiniões, atitudes e projetos conlitantes que exprimem divisões e contradições da sociedade como um todo que acabam sendo pouco discutidas na coletividade, fazendo com que as competências dos docentes prescindam no domínio e repasse de conteúdos.

Para Mello (2001, p. 2), a competência do docente requer uma ação articulado- ra dos diferentes conhecimentos, implicando em “[...] organizar conhecimentos de conteúdo especializado, de didática e prática de ensino, de fundamentos educacio- nais e de princípios de aprendizagem em um plano de ação docente consistente com o projeto pedagógico”.

Isso signiica que a competência do trabalho pedagógico não é dissociável da evolução do saber ensinar na perspectiva da emancipação dos sujeitos aprendizes. Caso contrário, a prática em sala de aula pode icar restrita à aplicação do estabele- cido, por exemplo, a reprodução do que está escrito na lei.

Se ainda pensarmos que muitas escolas continuam cultivando os surdos sem pensar na educação destes, pensamos, também, que falta clareza em relação ao de- bate educacional crítico, haja vista que, na própria vida, além da razão, existem de- sejos e emoções resultantes das relações interpessoais.

Assim, com esta percepção da realidade, de forma sutil, é necessário repensar numa proposta curricular voltada para a cidadania, que deve preocupar-se com a diversidade. Ademais, lembremos que a diversidade em educação nasce junto com a ideia de “[...] respeito, aceitação, reconhecimento e tolerância para com o outro” (SKLIAR, 2006, p. 30).

Nos escritos da Carta Aberta enviada ao Ministério da Educação, por oca- sião da divulgação da versão preliminar da Política Nacional de Educação Especial (2007), Sá (2011) coloca que um ensino voltado para o estudante surdo, sem a presença do docente sinalizador luente, traz inquietações que devem ser analisadas criticamente, pois, pode signiicar, de fato, uma maneira excludente de ensinar. Para essa pesquisadora, não se trata de homogeneizar os alunos surdos, pois também representam uma heterogeneidade – no próprio seio da comunidade surda e fora dela – à medida que têm outros contatos sociais (e inúmeros) com ouvintes.

Conclusão

Investir numa verdadeira educação inclusiva para todos os surdos é, histori- camente, reunir esforços no sentido de evidenciar as condições para uma boa for- mação docente que assegure um processo inclusivo, seja na escola comum, seja na especializada – o que para nós, ainda é um desaio. Não podemos esquecer que, na trajetória política e educacional brasileira e nas diversas formas de olhar os jeitos e as necessidades especíicas do ser humano, os alunos surdos foram vistos como em- pecilhos, e, no contexto em que vivemos – em que há políticas públicas, planos de gestores, tempo, métodos, recursos de adaptação etc. – ainda existem constatações sérias de experiências negativas frente à sua verdadeira inclusão na escola.

Muito se tem discutido sobre a diiculdade que tem o docente em investir em sua formação proissional visando melhor atender a todos os estudantes, conside- rando suas diferenças. Entretanto, geralmente ocorre que, na educação dos alunos surdos, o docente não possui recursos escolares disponíveis. E, às vezes, quando os possuem não os sabe usar.

Feitas estas considerações alcançamos algumas conclusões, tais como: a rea- lidade escolar é ainda mais complexa quando o docente é desaiado a ampliar a relexão e as práticas de inclusão num contexto atual de expansão com qualidade, para se tornar cada vez mais capaz de promover a inclusão social, de tal forma que não separe democracia e democratização do saber. Ainal, na instituição escolar, o papel do docente é de ser formador e este ocupa importante posição na sociedade do conhecimento, de modo a ter a necessidade de renovação de seu sentido e da sua missão.

Alcançamos conclusões parciais que as possíveis inovações perpassam por transformações alicerçadas pelo desejo de, entre outros: lançar um novo olhar sobre o aluno surdo e o processo de aprendizagem; deinir objetivos não só a médio, mas em longo prazo; tornar as metodologias e os conteúdos mais dinâmicos e atualiza- dos; focar o desenvolvimento pessoal por meio de cenários contínuos de formação, elegendo mais atividades do âmbito extracurricular.

Nesses termos, ao fazer a defesa de uma escola bilíngue, pleiteamos mudanças fundamentais, pois acontece que a inclusão social vai além da inclusão educacional e a formação continuada do docente em serviço é fundamental na História da Edu- cação de Surdos, para que seja assegurado o lugar da diferença.

Vimos, portanto, que, desde os primórdios até a contemporaneidade, mudan- ças políticas, econômicas e sociais inluenciaram na formação docente e consequen- temente na Educação dos Surdos. Isto é fato. Podemos dizer que a inserção do surdo na sociedade aconteceu e que na formação docente isto está sendo repensado, entre- tanto, a verdadeira inclusão escolar não.

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