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Os descompassos na Educação dos Surdos, ora apresentados, mostram que, durante muito tempo, os surdos viveram numa precariedade de condições de en- sino em relação às suas diferenças. Fato a destacar é que a Língua Portuguesa era apresentada em seu processo de aprendizagem como via prioritária de acesso ao co- nhecimento, icando a Língua de Sinais esquecida. Esta e outras formas equivocadas atravessaram os tempos, signiicando tortura para esse grupo social (SOUZA, 1998, p. 125). Em razão disso e da importância da complexidade cultural que envolve as línguas de sinais, como língua de instrução para os surdos, estes vêm participando de movimentos que tratam a surdez, não como uma deiciência auditiva, no sentido restrito biológico (SÁ, 2010, p. 65), mas como condição de pessoas que pertencem a um determinado contexto cultural, linguístico e identitário, e que se encontram distantes de um enquadramento de deiciência, tratada clinicamente.

A organização dos surdos, portanto, vem lutando pela não supervalorização da voz, conforme uma das proposições da educação oralista, esta que há muito tempo vem sendo oferecida aos surdos, gerando o analfabetismo funcional. Em meio à luta, destaca-se, também, a família dos surdos, pois mesmo oferecendo-lhes a lín- gua oral majoritária, sentem a necessidade de apoio, visto que observam no meio familiar relações precárias “proporcionadas pelas próprias limitações, no que diz respeito à compreensão das condições do membro surdo” (DALCIN, 2006, p. 11). Nesse mesmo sentido, os escassos resultados apresentados pelos alunos surdos estão sendo percebidos pelos educadores. Sá (2010, p. 24) percebe a educação e a pedagogia como propostas voltadas para a signiicação de “arenas contestadas na busca da imposição de signiicados e de hegemonia cultural” e não como repre- sentação da realidade.

A escola questionada por Dubet (2003, p. 39) revela que no inal

os alunos mais favorecidos socialmente, que dispõem de maiores recursos para o sucesso, são também privilegiados por um con- junto de mecanismos sutis, próprio do funcionamento da escola, que beneicia os mais beneiciados. Essas estratégias escolares aprofundam as desigualdades e acentuam a exclusão escolar na medida em que mobilizam, junto aos pais, algo que não é só o capital cultural, este entendido como um conjunto de disposi- ções e de capacidades, especialmente linguísticas.

A abordagem da questão da igualdade/desigualdade na escola feita por Dubet (2003) supõe que, para acabar com a exclusão educacional dos surdos, não basta permitir-lhes o acesso à escola, pois o simples acesso não é condição necessária para tirar as sombras de negação e discriminação cultural e linguística, que perduram há muito tempo, acompanhadas de mitos. É necessário que ocorram mudanças favo- ráveis à inclusão dentro da própria escola. Os mais de cem anos por quais vigoram a ilosoia de cunho educacional oralista, proibindo o uso da Língua de Sinais na Educação de Surdos, acarretaram aos próprios docentes confusões teóricas e práti- cas pedagógicas inadequadas, e, intoleráveis, danos no aproveitamento educacional do alunado surdo e no seu desenvolvimento global.

Somos, ainal, frutos do desconhecimento a respeito de que um conhecimento mais “apurado” pode oferecer mais condições de trabalho ao docente. Os impactos das concepções nos levam a crer cada vez mais que novos saberes só trazem bons frutos, pois, os desaios não acontecem desarticulados de seus fundamentos.

Mais desaios na Educação de Surdos aparecem. Tanto a legislação como o dis- curso dos educadores mostram que, atualmente, quando associamos formação con- tinuada para a aceitação das diferenças temos que considerar o papel do proissional que atuará na instituição com alunos surdos, na materialização da proposta inclusi- va, de modo a conhecer se este proissional atuará como docente regente em sala de aula – como pedagogo ou especialista – ou na sala multifuncional no atendimento educacional especializado; se será ou não intérprete como coparticipante do pro- cesso ensino-aprendizagem, ou, se atuará ou não no ensino de Língua Portuguesa como primeira ou segunda língua, no ensino regular.

Além do quadro de embates que marca a História da Educação de Surdos cabe tratar a seguir, nessa relexão, sobre os frutos gerados na legislação brasileira. A lite- ratura que trata sobre esse tema e os documentos oiciais vêm mostrar que o Decreto Presidencial de nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, em seu Art. 22 admite que “as instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deiciência auditiva” (BRASIL, 2005), e que a inclusão educacional destes deve se dar “por meio da organização” de “escolas e classes de educação bilíngue”, com a matrícula facultada a alunos surdos e não sur- dos, com “professores bilíngues”, na Educação Infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental; e, igualmente, por meio da organização de “escolas bilíngues ou esco- las comuns” da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e não surdos, para os anos inais do ensino fundamental, ensino médio ou educação proissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, “cientes da singularidade linguística dos alunos surdos”, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa.

Este mesmo Decreto, que também regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril

de 2002, conhecida como a “lei de Libras” e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de de-

ção dos educadores que atuarão nesses contextos de atendimento ao alunado surdo, seja nas escolas e classes bilíngues, seja nas escolas e classes comuns, seja no aten- dimento educacional especializado nas salas multifuncionais, no contraturno. No primeiro caso – os dos proissionais que atuarão nas escolas e classes bilíngues – será requerido desses proissionais, primeiramente, que sejam bilíngues, o que implica no domínio de duas línguas de modalidades diferentes: a Língua de Sinais Brasileira (LSB), de natureza visual-motora e a Língua Portuguesa, de natureza oral-auditiva.

No segundo caso – os das escolas e classes comuns – caberá aos educadores, em atuação nesses ambientes, o conhecimento da “singularidade linguística dos alunos surdos” e a coparticipação de um proissional intérprete de Língua de Sinais – LS. Por “singularidades linguísticas”, podemos entender, entre outras possibilidades, a compreensão, a aceitação e o uso da Língua de Sinais como língua materna, língua de instrução e primeira língua dos surdos; o processo de construção/aprendizagem da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua para surdos com e sem oralidade; considerando suas interfaces com a Língua de Sinais Brasileira, os estágios de interlíngua etc.

Para o especialista em atuação nas salas multifuncionais – segundo Brasil (2008, p. 17), a sua formação deverá capacitá-lo com

[...] conhecimentos especíicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, da Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda língua, do sistema Braille, do soroban, da orientação e mobilidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais superio- res, dos programas de enriquecimento curricular, da adequação e produção de materiais didáticos e pedagógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da tecnologia assistiva e outros.

Associado aos conhecimentos especíicos de cada função, é também espera- da uma mudança de paradigma quanto ao ser surdo e à surdez, caso contrário, a educação especial sob a perspectiva inclusiva e, particularmente, a Educação dos Surdos será outra face da mesma moeda: a exclusão resultante do estigma estabele- cido. Lane (1992, p. 23), fazendo referência ao Gofman, menciona os três tipos de

estigmas: o físico, o psicológico e o social, e reconhece que “todas as três categorias de estigmas são atribuídas aos surdos”. Como bem observa Skliar (2011, p. 7) em seu artigo Os Estudos Surdos em Educação: problematizando a normalidade, é necessário ir além da polarização Educação de Surdos em escolas especiais versus Educação de Surdos em escolas inclusivas, pois

a mudança registrada nos últimos anos não é, e nem deve ser, compreendida como uma mudança metodológica dentro do mesmo paradigma da escolarização. O que estão mudando são as concepções sobre o sujeito surdo, as descrições em torno da língua, as deinições sobre as políticas educacionais, a análise das relações de saberes e poderes entre adultos surdos e adultos ou- vintes (SKLIAR, 2011, p. 7).

É preciso entender que o atendimento educacional aos surdos sob a perspectiva inclusiva – seja bilíngue ou comum – não pode se limitar a inserção do sujeito surdo no sistema educacional. A Cultura Surda deverá perpassar o currículo, como também a heterogeneidade manifesta nas identidades surdas em constante construção. A atual conjuntura da educação especial demanda formar educadores que considerem, no seu fazer pedagógico, as diferenças entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes inseridos nesse fazer, pois, como alerta Dubet (2003, p. 29) pode ocorrer que “quanto mais a escola intensiica o seu raio de ação, mas ela exclui, ape- sar das políticas que visam atenuar este fenômeno”. O resultado disso tudo, como já é possível observar na inserção dos sujeitos surdos, nas escolas e em classes comuns, não é a exclusão do sujeito do sistema educacional, da escola, mas a exclusão no sistema, na escola. Nesse contexto, airma ainda Dubet (2003, p. 29), “a exclusão não é apenas uma categoria do sistema e dos processos globais, é também uma das dimensões da experiência escolar dos alunos”.

Lançando-se sobre as identidades surdas e fazendo empréstimos de sua expe- riência. Perlin (2012, p. 56) coloca que o surdo tem diferença e não deiciência, “a Cultura Surda como diferença se constitui numa atividade criadora”.

A escola especial para surdos, ou as classes especiais onde as primeiras não existiam, foram, historicamente, locais de manifestação curricular coerente com as

ilosoias educacionais majoritárias. Se antes do famoso Congresso de Milão, na Itá- lia, em 1880, o uso da Língua de Sinais compunha o currículo escolar de algumas instituições educacionais para surdos, a partir de então, com o advento da ilosoia oralista, como única opção para a inclusão social desses sujeitos, a Língua de Sinais é banida, como também os professores surdos que nelas atuavam. Posteriormente temos a emergência da ilosoia conhecida como Comunicação Total, que não exclui a oralidade, mas permite outros recursos na comunicação com os surdos. É no mo- mento histórico possibilitado pela Comunicação Total que os sinais, das línguas de sinais, mesmo que ainda sem o status de língua, retornam ao ambiente educacional por meio da prática bimodal. Mas, é somente com a recente ilosoia educacional bilíngue que a Língua de Sinais é posta como língua de fato e como língua de instru- ção. É de se estranhar que no momento histórico em que a Língua de Sinais ganha força nas escolas e classes especiais para surdos no mundo inteiro (SALAMANCA, 1994), técnicos do governo propõem o im dessas escolas e classes e a transferência dessas comunidades para as escolas comuns, o que ameaça as recentes conquistas linguísticas da comunidade surda. Duas alternativas são postas: o im das escolas e classes especiais para surdos e, possivelmente, a transformação desses locais em lo- cais de atendimento educacional especializado (AEE) ou a transformação dessas em escola e classes em escolas e classes bilíngues para surdos. O Decreto Presidencial e o Plano Nacional de Educação vão ao encontro da segunda alternativa e do que recomenda a Declaração de Salamanca, mas a sua efetivação tem sido postergada pelos técnicos das secretarias de educação estaduais e municipais e até ignorada por estes como podemos notar em Brasil (2008, p. 8).

Considerada importante a formação de docentes para o atendimento educa- cional especializado e demais proissionais da educação, tendo como inalidade a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais no sistema regular de ensino, o documento Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva apresenta, entre seus diversos objetivos

para atuar na educação especial, o professor deve ter como base da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o exercício da docência e conhecimentos especíicos da

área. Essa formação possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter intera- tivo e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos centros de atendimento edu- cacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das ins- tituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, para a oferta dos serviços e recursos de educação especial (BRASIL, 2008, p. 17-18).

Em suas diretrizes, o mesmo documento airma que a “educação especial”, nes- sa nova perspectiva, é entendida como uma “modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades”, e que “realiza o atendimento educacional especializado”, disponibilizando os serviços e recursos próprios desse atendimento e orientando os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas co- muns do ensino regular. Entende-se que a educação especial, assim concebida, não é o mesmo que atendimento educacional especializado, embora este constitua parte daquela. A educação especial sob a perspectiva inclusiva advoga que

para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educa- ção bilíngue – Língua Portuguesa/ Libras, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na Língua de Sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o ensino da Libras para os demais alunos da escola (BRASIL, 2008, p. 17).

Quanto ao “atendimento educacional especializado” este “é ofertado, tanto na modalidade oral e escrita, quanto na língua de sinais”. A modalidade oral e escrita da Língua Portuguesa visa atender alunos surdos e deicientes auditivos, clinicamente falando, conforme a melhor opção. Esclarecemos que a opção será a do aluno ou a de seus pais, no caso de ainda menor, e não a do docente.

Diante do exposto, a conquista de mais saberes para o docente será discutido no contexto da educação do surdo. Problematizamos se novos saberes realmente estão sendo possíveis nos cursos de formação inicial e continuada dos docentes.

Dourado, 2001 apud Dorziat (2011, p. 150) reairma que quaisquer políticas que “se voltem para a formação proissional devem considerar o contexto em que essas [pessoas] estão inseridas, as necessidades daí decorrentes e as condições obje- tivas dos proissionais”.

Apesar dessa relevância na formação aprofundada do docente, esta perpassa pelas decisões políticas, e para o bom entendedor, Sanfelice (2011, p. 11 apud PA- DILHA, 2009, p. 113) nos diz que “a educação não está imune às transformações da base material da sociedade, hoje em processo de globalização e, ao mesmo tempo, não está imune à pós-modernidade cultural que as sinaliza. Pós-modernidade, glo- balização e educação relacionam-se pela lógica de mercado”.