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A Língua de Sinais na Educação de Surdos

As línguas de sinais são sistemas linguísticos que passam de geração a geração dos povos surdos; não são derivadas das línguas orais e nem é um conjunto de gestos que interpretam as línguas orais, mas surgiram da necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, e sim o canal espaço-visual. São línguas de modalidade visuoespacial, porque utilizam como meio de comunicação movimentos corporais e expressões faciais que são percebidas pela visão. Nas palavras de Brito (1993 apud SÁ, 1999, p. 37):

Essa língua que os surdos criaram espontaneamente tem estrutu- ra altamente soisticada, apesar de não reconhecer os sons, mas sim as mãos, a expressão facial, ao corpo, ao espaço e ao movi- mento. É dotada de dupla articulação (unidades distintas e signi- icativas) e possui sintaxe e morfologia tão elaboradas quanto o Português, o Russo, ou qualquer outra língua oral.

Conforme a autora, as línguas de sinais são constituídas de uma gramática e de uma estrutura própria, que parece utilizar princípios gerais similares aos das línguas orais. Porém apresentam especiicidades em diversos níveis: fonológico, sintático, semântico e pragmático.

Para Stokoe (1960 apud QUADROS; KARNOP, 2004, p. 30), a Língua de Si- nais é um sistema linguístico legítimo, atende a todos os critérios que a linguística utiliza para caracterizar uma língua genuína, tanto no léxico, quanto na sintaxe e na capacidade de gerar uma quantidade ininita de sentenças. Comprovou que os sinais não são imagens e sim símbolos abstratos complexos, com uma estrutura interna complexa.

Por vários anos, pessoas, que não conheciam a Língua de Sinais e nunca ti- nham feito seu uso, consideravam que eram gestos que talvez tivessem algum senti- do. Atualmente estudos têm demonstrado que tanto as línguas orais como as línguas

de sinais são processadas no hemisfério esquerdo do cérebro. Bellugi e Klima (1990 apud QUADROS; KARNOP, 2004, p. 36) mostraram que surdos com lesões no he- misfério direito do cérebro tinham condições de processar as informações através da Língua de Sinais. Isso é mais um indício, entre outros, que a Língua de Sinais é verdadeiramente uma língua já que movimentos espaciais são feitos através do hemisfério direito do cérebro e a linguagem pelo hemisfério esquerdo e, apesar da Língua de Sinais ser espacial, seus movimentos são processados no hemisfério es- querdo do cérebro.

A criança ouvinte, desde bebê, começa a escutar palavras e, com o passar do tempo, vai atribuindo signiicados, organizando seu pensamento. No caso da crian- ça surda, este processo ocorre de maneira diferenciada devido ao canal receptivo que se relaciona à modalidade linguística visuoespacial.

Sobre essa questão, Skliar, Massone e Veinberg (1995 apud SÁ, 1999, p. 39) explicam que os surdos desenvolvem a Língua de Sinais como sua língua natural, porque é a única que eles podem adquirir sem ensino sistemático, em um processo semelhante à criança ouvinte com a língua falada em seu meio. Assim, a Língua de Sinais constitui um dos modos em que os surdos se aproximam do mundo e um dos meios que utilizam para a construção de sua identidade. É através desta língua que o surdo exerce a faculdade da linguagem com que nasce, pelo fato de ser humano, é o mecanismo que a princípio ele usa para dar signiicado e falar sobre o mundo. Queremos ressaltar que não negamos a importância da língua oral, mas que sua aquisição deve ser feita como segunda língua, levando em conta que seu aprendizado é lento e não acompanha a velocidade da Língua de Sinais.

Quadros e Karnopp (2004, p. 30) também airmam que as línguas de sinais são línguas naturais e que compartilham uma série de características que lhes atribui caráter especíico e as distingue dos demais sistemas de comunicação. Para as au- toras a função primária da língua é a comunicação e a expressão do pensamento, sentimentos e emoções.

Segundo Capovilla e Raphael (2001, p. 1480), se não houver uma comunica- ção ampla e eicaz a criança icará coninada à mera imitação e observação do que

acontece ao seu redor, não podendo expressar suas ideias, seus desejos e seu conhe- cimento e nem adquirir importantes ensinamentos para a sua vida.

A Língua de Sinais é um dos elementos que estrutura o processo de desenvol- vimento cognitivo da criança surda. Nesse sentido, é fundamental para a constru- ção do processo educativo do aluno surdo. Vejamos o que alguns teóricos dizem a esse respeito.

Sá (1999, p. 39), divide a história das línguas de sinais em três grandes períodos: a) Do século XVII até o Congresso Internacional de Professores de Surdos

(Milão 1880), período em que as línguas de sinais eram bem vistas nos primeiros esforços de Educação dos Surdos;

b) Do Congresso de Milão, que condenou o uso das línguas de sinais, até a publicação do trabalho de Stokoe em 1960, o primeiro a demonstrar que estas são línguas naturais;

c) Depois de 1960, quando surgem trabalhos que apontam para uma ilo- soia educacional com bilinguismo.

A partir do Congresso de Milão foi estabelecida uma recomendação de pri- vilegiar o uso da língua oral na Educação de Surdos. Porém, à medida que icava evidente o fracasso desta ilosoia, surgiram as primeiras vozes contrárias à restrição do uso das línguas de sinais. Conforme destaca Sá (1999, p. 40), Vygotsky foi um desses estudiosos que inicialmente defendia o Oralismo, mas paulatinamente foi mudando sua posição.

Para Vygotsky (1989) a problemática das pessoas que apresentam alguma de- iciência pode ser vista como compensatória à deiciência. Mas, diferente de outros autores que se concentravam no aspecto biológico da deiciência, ele defendia que essa compensação tinha caráter social e psicológico e que nascia da inter-relação da realidade social, econômica, cultural e educacional, em que a criança crescia.

Vygotsky (1989) atribuiu um caráter cultural ao desenvolvimento e a lingua- gem. O desenvolvimento da linguagem aparece na criança como resultado da co- municação, que necessariamente surge no meio social. Para ele, a linguagem tem

um papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, pois ela intervém no curso do pensamento, reorganiza-o e modiica-o. Assim, podemos dizer que Vygotsky deu uma posição de destaque à linguagem, considerando-a base do processo de huma- nização, pois é através dela que se dá a interação social. Ele chega a airmar que sem linguagem não existe consciência nem autoconsciência, que a construção da subje- tividade só é possível através da linguagem.

Segundo Vygotsky (1987, p. 131) uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece uma sombra. Ele sintetiza esta concepção airmando que existe uma unidade entre pensamento e linguagem. Na sua origem estes elementos são distintos, mas depois passam a ser indissociáveis e se conectam de forma dinâmica, contínua e evolutiva.

Partindo dessa base conceitual, Vygotsky (1989) defendia que esse desenvolvi- mento da linguagem no surdo só poderia se dar com a aquisição da língua oral. Se posicionou assim contra as línguas de sinais, “mímica” como era chamada naquela época. Considerava que estas eram línguas pobres e limitadas, que não permitiriam chegar a representações e conceitos abstratos. Além de estarem restritas a um grupo pequeno de usuários, não permitindo assim a socialização plena do surdo. Porém, à proporção que ele avaliava os resultados práticos do Oralismo ia modiicando a sua posição: o Oralismo puro não era funcional. Ele apontou que o ensino da linguagem oral levava muito tempo, enfatiza demais a pronúncia em lugar da linguagem, en- sina a articular palavras, mas não a formular frases com lógica. O próprio processo se torna penoso para a criança, pois é necessário quebrar a natureza dela a im de ensiná-la a falar, é mais fácil e natural as linguagens ou expressões visuais. Desta maneira ensina-se o surdo a falar, mas não o conduzem a uma língua viva. Vejamos as suas palavras:

La enseñanza del sordomudo se fundamenta en la contradicción con la naturaleza del niño. Es necesario quebrar la naturaleza del niño con el in de enseñarlo a hablar. Éste es realmente el problema trágico de la surdo- pedagogía (VYGOTSKY, 1989, p. 68).5

5 Tradução livre da autora: “o ensino do surdo fundamenta-se em ir contra a natureza da criança. Faz-se necessário quebrar a natureza da criança com a inalidade de ensiná-la a falar. Este é o problema realmente trágico da pedagogia do surdo.”

Porém, frente aos resultados práticos do Oralismo, Vygotsky (1989, p. 68) che- gou a reconhecer que, da maneira que estava sendo ensinada, a linguagem oral não contribuía para o desenvolvimento e formação do surdo porque não chegava a se constituir plenamente no meio, de modo a acumular experiências sociais, nem o ca- pacitava a participar da vida comunitária. Identiicou o círculo vicioso que o Oralis- mo tinha criado, pois ao se concentrar no ensino da linguagem oral, que demorava a dar resultado, tinha esvaziado a Educação dos Surdos do restante de conteúdos. Pior, os resultados desastrosos desse método estavam tirando a capacidade de co- municação do surdo tendo em vista que as palavras que aprendia a articular não se transformavam em uma língua viva. Assim, ao tirar a possibilidade de comunica- ção, estava contribuindo para uma falta de pensamento, ou seja, de desenvolvimen- to cognitivo. Apesar de não reconhecer a Língua de Sinais como a verdadeira língua do surdo, concluiu que era vão lutar contra ela, pois o surdo preferia a “mímica” já que a língua oral que conseguia aprender estava desprovida da riqueza e vitalidade de uma linguagem viva. Em outras palavras, é impossível basear a Educação dos Surdos exclusivamente na modalidade oral da língua.

A partir daí, Vygotsky (1989) estabelece como meta da Educação de Surdos, devolver à linguagem oral a sua vitalidade e torná-la compreensível e natural para a criança surda, já que ela é indispensável para a socialização da criança, é neces- sário que a criança sinta vontade de adquiri-la. Ele muda sua perspectiva e airma que apesar de parecer que o desenvolvimento de uma linguagem viva era resultado de uma educação social, na verdade, a própria educação político-social precisa do desenvolvimento da linguagem como base psicológica fundamental. Assim, propõe que se aceite a “mímica” como a linguagem que permitirá à criança surda assimilar ideias, pensamentos e informações, servindo de base para uma verdadeira educação político-social. Ele vai ainda mais longe e propõe a poliglossia, multiplicidade de vias para o desenvolvimento da linguagem, na educação das crianças surdas. Em outras palavras, posiciona-se favorável ao uso de todas as atividades articulatórias possíveis na Educação dos Surdos, compreendendo que as diferentes formas de lin- guagem não competem entre si, mas que constituem etapas que a criança surda pre- cisa passar para que domine a linguagem. Conclui que a saída para o círculo vicioso

da Educação de Surdos é aceitar a importância do coletivo como fator fundamental na formação da linguagem. Passou a defender que a “mímica” é o meio que per- mitirá a educação social eicaz do surdo, tendo em vista que a falta de linguagem é o maior obstáculo a ser vencido. Airmou ainda que a linguagem não depende do meio usado e que o mais importante é o uso efetivo dos signos que possa assumir o papel da fala.

No caso dos surdos, a falta de audição não é problema grave do ponto de vista físico, porém, diiculta a aquisição da linguagem que favoreça o seu desenvolvimen- to cognitivo e psicossocial.

Fica clara então a importância das línguas de sinais na Educação de Surdos. Temos a base teórica para airmar que ignorar as línguas de sinais signiica afastar ou impedir a formação da atividade coletiva na Educação de Surdos, aumentando assim os obstáculos para o desenvolvimento cognitivo e social da criança.