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Capítulo 3 – Educação Superior e Universidade – histórico, UnB e políticas

3.1 Histórico das Universidades no Mundo e no Brasil

As primeiras universidades foram criadas na Europa, por volta dos séculos XI e XII, como reunião de antigas corporações de professores e estudantes, frente à necessidade de se afirmar em sua unidade e adquirir personalidade jurídica. Essas corporações eram centros de estudo urbanos criados pelo interesse crescente por uma instrução superior e pelas obras filosóficas gregas. A unificação e institucionalização dessas corporações veio de uma necessidade de regulamentação de suas atividades e direitos, além de reconhecimento perante as autoridades no contexto das cidades de então. Surgiram enquanto formas inéditas de organização da cultura e de transmissão do conhecimento em meio a movimentos de sedução pela filosofia e da necessidade de criar para esse pensamento um novo domicílio (Campos, 2001).

A universidade, enquanto instituição social, tem uma vinculação permanente com o momento histórico e a sociedade a que pertence. Sua sobrevivência ao longo dos séculos demonstra sua grande capacidade adaptativa a contextos políticos, econômicos e religiosos bastante diversos. Desde os modelos medievais de Paris e Bolonha, vários outros se sucederam,

passando pela universidade renascentista, as da reforma e contra-reforma, a bonapartista, a humboldtiana, além das suas numerosas derivações que compõem o quadro universitário contemporâneo. Mesmo com as frequentes transformações, de maneira geral mantém-se uma continuidade de significado enquanto instituição autônoma que produz e transmite a cultura de forma crítica por meio da pesquisa e do ensino (Trindade, 2012).

Os modelos de universidade napoleônico (ou profissional) e o humboldtiano (ou de pesquisa) são considerados modelos clássicos de universidade, por serem mais influentes para os formatos das instituições contemporâneas (Morosini, 2011). Entretanto, Sguissardi (2011) adverte que, apesar desses modelos ditos clássicos com frequência servirem de referência e parâmetro institucional, pouca correspondência real poderia ser encontrada entre as instituições francesas ou prussianas e as atuais. São conceitos, portanto, genéricos cuja definição provoca muito desacordo entre aqueles que os estudam. Feito o alerta, é importante neste trabalho compreender de que maneira essas referências têm sido conceituadas.

O modelo napoleônico adveio de transformações na tradicional Universidade de Paris, uma das primeiras instituições a se formarem na Europa. Era uma instituição que conquistou bastante primazia dado o prestígio adquirido por seus mestres no século XII, a proteção oferecida pelos reis da França e o apoio do papado, que lhe cobrava zelo com a ortodoxia dos ensinamentos (Campos, 2001). Fechada durante a Revolução, foi substituída por faculdades profissionais independentes umas das outras cuja finalidade era formar os quadros necessários ao Estado (Trindade, 2012). A principal intenção dessas mudanças era eliminar as heranças do antigo regime e criar uma formação em conformidade com a nova ordem social. Sob controle estrito e supervisão do Estado, o modelo napoleônico de universidade se caracteriza por ausência de autonomia, forte profissionalização e especialização (Sguissardi, 2011).

A Universidade de Berlim foi instituída na Prússia como reação ao imperialismo francês e constituída a partir das ideias de Von Humboldt, Fichte e Schleiermacher. Em um contexto de necessidade de recuperação do tempo perdido na industrialização e afirmar sua independência cultural e científica em relação aos seus vizinhos e adversários, primou pela liberdade de pesquisar, aprender e ensinar. Estabeleceu como princípio a indissociabilidade entre a pesquisa e o ensino, primando pela produção do saber e a formação livre (Sguissardi, 2011). O modelo humboldtiano é conhecido como universidade de pesquisa (Morosini, 2011).

Na América Latina, o modelo universitário transferido da metrópole para os territórios coloniais foi o das universidades tradicionais da contra-reforma ibérica. Serviram de principal referência para as colônias espanholas a Universidade de Salamanca (de 1218) e a Universidade de Alcalá de Henares (de 1499), que refletiam forte influência do tradicional padrão das faculdades de Teologia, Direito Canônico, Artes e Medicina (Trindade, 2012). A primeira universidade do território colonial espanhol foi a de Santo Domingo, fundada em 1538.

O caso das colônias portuguesas foi bastante diferente. Ao contrário de realizar uma exportação de suas universidades tradicionais de Coimbra e Lisboa, Portugal preferiu manter o monopólio da formação superior e ofereceu grande resistência às iniciativas de criação de instituições de ensino superior no Brasil. Incentivou a ida de uma ínfima minoria de brasileiros para diplomação em Portugal, “formando assim uma elite colonial laica, com perfil jurídico e homogênea ideologicamente” (Trindade, 2012, p. 95), “a serviço da corte e dos interesses dos proprietários de terras, dos senhores de escravos e da burocracia estatal” (Sguissardi, 2017, p. 148). Dessa forma, o ensino superior no Brasil demorou dois a três séculos a mais que outros países do continente para se iniciar.

Com a Proclamação da República, permaneceu a resistência do governo federal às propostas de criação do ensino superior brasileiro. Entretanto o movimento de criação de universidades foi deslocado para os estados, surgindo, portanto, universidades como instituições livres de curta duração (Fávero e Lima, 2011). Não há muito consenso entre os estudiosos do tema quanto a qual foi a primeira universidade de fato no Brasil. Almeida Filho (2008) afirma que existe uma polêmica quanto à fundação da primeira universidade no Brasil em seu sentido pleno, e não como mera junção de faculdades isoladas, entre a Universidade do Paraná, em 1912, a Universidade do Amazonas, em 1909 e a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, a mais aceita como pioneira pela história oficial. Já Sguissardi (2011) julga que as primeiras experiências de universidade aconteceram de forma precária em Manaus (1909) São Paulo (1910) e Curitiba (1912) e a primeira universidade criada no Brasil foi a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920, seguida pela de Minas Gerais em 1920, deixando a USP em terceiro lugar, em 1934.

Fávero e Lima (2011), após um extenso estudo histórico em fontes documentais, estabelecem que a primeira instituição universitária criada pelo governo federal foi a Universidade do Rio de Janeiro em Decreto de sete de setembro 1920, sendo posteriormente reorganizada e institucionalizada como Universidade do Brasil, em 1937. Menos importante do que atestar de fato qual dessas instituições detém o título de inaugural é perceber, em meio a essas discussões, o contexto de instabilidade e inconstância em que o ensino superior brasileiro foi iniciado.

Essas primeiras instituições de Ensino Superior no Brasil foram praticamente transplantes ou adaptações primitivas das instituições européias consideradas referências até hoje. Entretanto, não só de importações de modelos prontos se fez a história das universidades brasileiras. A busca por uma identidade nacional foi característica principal do projeto de Anísio Teixeira para a Universidade do Distrito Federal (UDF), que marcou significativamente a história da educação no país. Em 1934, enquanto Secretário de Educação do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, Anísio Teixeira reuniu intelectuais da época para o projeto da UDF e os desafiou a pensar um ensino universitário a partir dos princípios da educação democrática. O resultado

foi um projeto cujas pretensões inovadoras e revolucionárias provocaram a exoneração, perseguição e ameaça de prisão de Anísio.

A UDF foi concebida com grande clareza do sentido e das funções da universidade e bastante originalidade em um papel renovador para o ensino superior brasileiro. Com ênfase no ensino e pesquisa, havia uma preocupação com a promoção e disseminação cultural não só para seus alunos ou comunidade acadêmica, mas para toda a sociedade brasileira:

a cultura brasileira se ressente, sobretudo, da falta de quadros regulares para a sua formação. Em países de tradição universitária, a cultura une, socializa e coordena o pensamento e a ação. No Brasil, a cultura isola, diferencia, separa. E isso, por quê? Porque os processos para adquiri-la são tão pessoais e tão diversos, e os esforços para desenvolvê-la, tão hostis e tão difíceis, que o homem culto, à medida que se cultiva, mais se desenraíza, mais se afasta do meio comum, e mais se afirma nos exclusivismos e particularismos de sua luta pessoal pelo saber (Teixeira, 1998, p. 40).

Dessa forma, a importância dada à formação de indivíduos com domínio do saber historicamente acumulado para compor os quadros necessários e os ofícios úteis não suplantava a atenção à premência de se criar um ambiente de saber que facilitasse a participação de todos na formação intelectual da experiência humana (Fávero, 2011). Fica clara a elaboração de Anísio quanto à função social da universidade, sua importância como fonte para a própria constituição da sociedade e criação da identidade nacional. A universidade se constitui, portanto, tanto em lócus de investigação e produção de conhecimento quanto do desenvolvimento da nação, como um núcleo de formação intelectual do País. Nas palavras do educador:

a função da Universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata, somente, de difundir conhecimentos. O livro também os difunde. Não se trata, somente, de conservar a experiência humana. O livro também a conserva. Não se trata, somente, de preparar práticos ou profissionais, de ofícios ou artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito mais singelas do que as universidades.

Trata-se de manter uma atmosfera de saber pelo saber para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva (Teixeira, 1998, p. 35)

Entendendo a universidade como indispensável para a existência autônoma de um povo, o exercício da liberdade e a autonomia universitária eram uma exigência para sua concretização (Fávero, 2011). Em um contexto político autoritário e de inquietação e perseguição política, a UDF existiu por apenas quatro anos e se configurou em utopia vetada, apesar de ser uma

experiência universitária fecunda (Morosini, 2011). Nessa experiência estão as bases do que viria a ser, na década de 1960, o projeto original da Universidade de Brasília.