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O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade: crítica e

Capítulo 1 – Medicalização e Patologização da Educação: conceitos e críticas

1.3 O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade: crítica e

O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade é um movimento de característica acadêmico-política que tem buscado ampliar, junto à sociedade brasileira, a discussão sobre a temática, bem como monitorar atividades legislativas nos âmbitos municipais, estaduais e federais que tratem dessa questão. Assim, tem sido um importante âmbito tanto de produção científica e aprofundamento da reflexão crítica sobre o tema, quanto de atuação junto aos espaços de poder e à sociedade, a fim de enfrentar essa grave situação que se amplia pelo Brasil e pelo mundo (Angelucci, 2013).

A respeito da criação do Fórum, Viégas, Gomes e Oliveira (2013) relatam que em 2007 tramitava na Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei nº 0086/2006, que dispunha sobre a criação de um programa de apoio a alunos diagnosticados com dislexia no âmbito da rede municipal de ensino. Esse PL propunha a constituição de parcerias e convênios com instituições especializadas e associações afins, a garantia de exame diagnóstico em toda a rede municipal de ensino, o acompanhamento de alunos com sintomas de dislexia, a capacitação de profissionais e a criação de campanhas “de combate ao preconceito para com o Aluno Portador de Distúrbios Específicos de Aprendizagem diagnosticado como Dislexia” (PL nº 0086/2006). Ao tomar conhecimento do referido PL e do vertiginoso crescimento de encaminhamentos de escolares para serviços de saúde, continuam os autores, um coletivo de profissionais de diferentes áreas, preocupados com o cenário de patologização do fracasso escolar, iniciou um coletivo para o enfrentamento político e científico junto à Câmara de Vereadores.

A partir disso, o grupo organizou em 2010 um evento internacional para debater o tema, chamado “A educação medicalizada: dislexia, TDAH e outros supostos transtornos” (Viégas, Gomes & Oliveira, 2013, p. 267). Esse evento contou com palestrantes estrangeiros e de várias partes do Brasil de diversas áreas, como Medicina, Sociologia, Psicologia, Pedagogia e Fonoaudiologia. Esse Seminário teve dois importantes encaminhamentos: a elaboração do Manifesto, aqui citado anteriormente, e a fundação do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade enquanto movimento social composto por entidades, grupos, representantes de movimentos sociais e pessoas físicas com objetivo de “ampliar a democratização do debate; estabelecer mecanismos de interlocução com a sociedade civil; popularizar o debate, sem perder o rigor científico; pluralizar os meios de divulgação, incluindo sites, redes sociais, outros meios de comunicação e manifestações artísticas em geral” (Fórum, 2010). Visava, portanto, ao enfrentamento dos processos de medicalização da vida, à mobilização da sociedade e à construção de referências para o acolhimento e atendimento de pessoas que sofrem esses processos (Viégas, Gomes & Oliveira, 2013).

se como medicalização:

o processo que transforma, artificialmente, questões não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas. Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e profissionais são eximidos de suas responsabilidades (Fórum, 2010).

A fim de esclarecer a característica multiprofissional, além de acadêmico-política do Fórum, segue a composição da sua primeira Secretaria Executiva:

Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP); Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro (CRP-RJ); Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) e o Gabinete do Vereador Eliseu Gabriel. Desde o início de 2013, a secretaria executiva é composta pelas seguintes instituições: Centro de Saúde- Escola “Samuel Barnsley Pessoa”, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – CSE-FMUSP (Medicina); Sindicato dos Psicólogos de São Paulo – SinPsi (Psicologia); Associação Palavra Criativa (Fonoaudiologia); e Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia – FACED -UFBA (Educação) (p. 267)

Esse coletivo buscou organizar-se de maneira democrática e capilarizada por meio do apoio a iniciativas de criação de núcleos regionais, aumentando sua representação. Atualmente, há 20 núcleos regionais em andamento no país. A representação internacional foi sendo feita a partir da criação de parcerias com coletivos de outros países, como Argentina, Cuba, Estados Unidos, França, Portugal e Espanha (Viégas, Gomes & Oliveira, 2013).

Além disso, organizou outros eventos internacionais e nacionais, todos transformados em livro e disponibilizados integralmente online; criou site, onde constam diversas publicações além de vídeos de todos os eventos organizados, e páginas em redes sociais. Uma de suas produções mais importantes é o documento “Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de saúde e educação” (Fórum, 2012), elaborado pelo Grupo de Trabalho Educação & Saúde do Fórum. Esse documento visa ser um instrumento teórico-prático no enfrentamento da patologização das dificuldades escolares e consolidar caminhos de acolhimento e enfrentamento das dificuldades, pautado pelo respeito às diferenças e sem concebê-las como doenças (Viégas, Gomes & Oliveira, 2013).

O Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade tem sido um significativo difusor da problematização acerca da medicalização da educação e da vida por meio de reportagens e entrevistas em diversos meios de comunicação de massa. Expande, assim, um discurso que estava restrito ao meio acadêmico. Ao mesmo tempo, essa articulação tem

aumentado a realização de estudos em universidades e centros de pesquisa, desenvolvendo uma produção científica que expõe e critica as lacunas e contradições do discurso medicalizante (Ferreira, 2015a).

Enquanto membro do Fórum, o Conselho Federal de Psicologia promoveu a campanha “Não à medicalização da vida”, lançada em julho de 2012 em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, em que distribuiu materiais de denúncia à medicalização da vida e de proposição de possibilidades de superação desse cenário (Conselho, 2012, citado por Viégas, Gomes & Oliveira, 2013).

A mesma preocupação pode ser observada nas Referências Técnicas para a Atuação de Psicólogas (os) na Educação Básica (CFP, 2013) construídas pelo Conselho Federal de Psicologia, juntamente à categoria, como orientação para os profissionais da área. Essas referências apontam como desafio para a atuação em psicologia escolar o rompimento com os processos de medicalização, patologização e judicialização da educação e da vida. Ressaltam que esses processos retomam a lógica individualizante e reducionista de compreender o fracasso escolar.

O Fórum também se articula no sentido de monitorar e organizar militância contra Projetos de Leis medicalizantes, tanto em âmbito federal quanto municipal e estadual. Em publicação do Fórum, Oliveira e Souza (2013) apresentam um apanhado de Projetos de Lei voltados à criação de ações de diagnóstico, tratamento e apoio de modalidades diversas a estudantes considerados portadores de dificuldades de aprendizagem e comportamento na escola. Esse panorama expõe a tendência nacional de avanço da lógica medicalizante sobre os processos de escolarização e a necessidade de manter a luta por educação pública de qualidade para toda a população sem qualquer tipo de discriminação.

Atualmente, o Fórum tem sido o responsável por desarticular fortes iniciativas medicalizantes, como o Projeto de Lei 07081/2010, que “dispõe sobre o diagnóstico e o tratamento da dislexia e do Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade na educação básica”. Além disso, tem atuado no sentido de mediar e expandir a discussão sobre a medicalização, o que tem se refletido em proposições de leis e políticas públicas de enfrentamento político e científico dessa temática. Essa atuação não tem se dado sem resistências por parte da indústria farmacêutica e das associações de profissionais da Medicina, que têm se manifestado por meio de comunicados à população e de criação de projetos de lei que tentam criminalizar o enfrentamento à medicalização, como o PL 074/2014, a chamada “Lei da Psicofobia” (Ferreira, 2015a).

Dessa forma, percebe-se o fundamental papel de articulação acadêmico-política a partir da preocupação com o crescente processo de medicalização da educação e da vida. O Fórum tem sido um importante cenário tanto de produção científica e aprofundamento da reflexão crítica sobre o tema, quanto de atuação junto às esferas de poder e à sociedade a fim de

enfrentar essa grave situação que se amplia pelo Brasil e pelo mundo (Angelucci, 2013). É dentro desse movimento que este trabalho se insere, a partir da perspectiva da Psicologia Escolar. No próximo capítulo abordaremos os olhares dessa área sobre esse fenômeno e sua relação com ele.