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CAPÍTULO 2 – SÚMULAS

2.1 BREVE HISTÓRICO NO DIREITO BRASILEIRO

A origem do direito sumular no Brasil está nos “assentos”, herança do direito português. O instituto tinha como objetivo fixar entendimento de uma determinada lei, possuindo força normativa vinculante. Inicialmente, em 1518, referidos assentos eram expedidos pela Casa da Suplicação de Portugal, a mais alta corte do reino. Apenas em 1808, permitiu-se à Casa de Suplicação do Rio de Janeiro proferir assentos normativos, também com eficácia vinculante138. Apesar disso, era admitida a “revisão e alteração, quando ficasse reconhecido que deixaram de corresponder às necessidades e interesses da ordem jurídica”.139

Segundo o relato de Eduardo de Avelar Lamy140:

Durante o período colonial, como o sistema normativo das metrópoles era aplicado nas respectivas colônias, o Brasil possuía modelos de uniformização de jurisprudência, por meio dos ‘assentos’, que tinham força normativa idêntica à lei. Alguns séculos depois, no entanto, os difundidos ideais liberais, que haviam embasado a proclamação da independência das Treze Colônias Norte- Americanas e provocado a Revolução Francesa, elegeram a lei como fundamento maior para a aplicação do direito.

Com o advento da República, os assentos foram eliminados e, quase concomitantemente, o recurso extraordinário passou a ser previsto no sistema jurídico brasileiro, tendo como hipótese de cabimento justamente a divergência de interpretação de leis entre os tribunais estaduais, a ser dirimida pela Corte Suprema.

138 A respeito dos assentos em Portugal e no Brasil, sugere-se consultar o livro de CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 144, 146.

139 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Precedente judicial como fonte do direito, p. 231.

140 LAMY, Eduardo de Avelar. Súmula vinculante: um desafio. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 30, n. 120, fevereiro de 2005. p. 113.

69 Nessa medida, mesmo diante da extinção dos assentos, identificou-se a permanente preocupação no que diz respeito à manutenção da unicidade de entendimentos a respeito de determinadas leis.

Mais tarde, precisamente no ano de 1923, foram instituídos no Brasil os “prejulgados”141, que tinham como escopo uniformizar entendimentos diante de

eventuais divergências existentes acerca de uma mesma lei.

Tanto os assentos como os prejulgados foram institutos embrionários do direito sumular, no Brasil; o primeiro com eficácia normativa vinculante e o segundo como “norma aconselhável para os casos futuros”.

Posteriormente, no ano de 1963, por norma regimental, foram instituídas as “súmulas da jurisprudência dominante”, estando até os dias de hoje previstas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISFT), em especial nos artigos 102142 e 103143. Referidas súmulas, “que também passaram a ser editadas por

outros tribunais, não ostentam eficácia de precedente judicial vinculante, mas tão- somente relevante influência persuasiva”144

Independentemente da discussão acerca da eficácia vinculativa dessas súmulas, matéria que será tratada mais à frente, é fato que exerceram importante papel nos julgamentos que respeitavam os entendimentos ali firmados.

José Carlos Barbosa Moreira145 disserta sobre o tema:

141 Decreto n. 16.273 de 1923. 142

“A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal

Federal.

§ 1º A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, serão deliberados em Plenário, por maioria absoluta.

§ 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados.

§ 3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no Diário da Justiça.

§ 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.”

143“Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.”

144 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Eficácia do Precedente Judicial na história do direito brasileiro.

Revista do Advogado. São Paulo, AASP, ano XXIV, n. 78, setembro 2004. p. 47.

145 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Súmula, Jurisprudência, Precedente: uma escalada e seus

70 Embora nenhuma disposição legal conferisse eficácia vinculativa às proposições insertas na Súmula, ela veio a exercer, na prática, enorme influência nos julgamentos, quer de juízos de primeiro grau, quer de tribunais. Não foram frequentes as sentenças e acórdãos que se animaram a discrepar de alguma tese constante da Súmula. Juízes havia, e não só na primeira instância, que se limitavam a aludir à Súmula como fundamento de suas decisões, se bem que a rigor, insista-se, semelhante referência não satisfizesse o requisito legal (e depois constitucional) da motivação. É pena que não se haja tomado a iniciativa de colher dados e elaborar estatísticas, a cuja luz se pudesse medir objetivamente o impacto produzido pela instituição da Súmula na quantidade de processos e na respectiva duração. O atual CPC, quando editado (1973), consolidou o instituto das súmulas no cenário jurídico brasileiro. Nesse sentido, previu o legislador no art. 479: “o julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente de uniformização da jurisprudência”.

Em 1998, com a edição da Lei n. 9.756, regulamentou-se a possibilidade de o relator negar seguimento ou dar provimento – monocraticamente – a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal ou de Tribunal Superior (art. 557).

Posteriormente, em 2004, houve a chamada Reforma do Judiciário, com a edição da Emenda Constitucional n. 45. Entre as diversas alterações ocorridas, merece destaque a previsão do instituto denominado “súmula vinculante”, incluído na Constituição Federal, por força do art. 103-A146. Na disciplina deste artigo, o STF, mediante decisão de dois terços dos seus membros, poderá aprovar súmula, que

146

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”

71 “terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”.

Anote-se que sempre se questionou a necessidade de uma reforma constitucional para prever súmula com eficácia vinculante e houve mais de um motivo para tanto. O primeiro se refere ao fato de o art. 557 do CPC já permitir o julgamento monocrático de recurso contrário às súmulas ou jurisprudência dominante o que, em última análise, demonstra a eficácia, ainda que em menor grau, “vinculativa” daquelas súmulas previstas no RISTF. Ademais, independentemente de previsão legal expressa declarando a eficácia vinculante, já se concebia que os juízes deveriam curvar-se à jurisprudência consolidada da Corte Suprema ao proferirem as suas decisões147, sendo este mais um motivo para afastar a necessidade da previsão constitucional das súmulas com eficácia vinculante.

Apesar das inúmeras críticas relacionadas às súmulas vinculantes (críticas estas, aliás, existentes até os dias atuais), fato é que, hoje, elas fazem parte do nosso ordenamento jurídico, convivendo harmonicamente com as súmulas persuasivas.