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Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common

CAPÍTULO 2 – SÚMULAS

2.7 COMMON LAW

2.7.1 Precedentes vinculantes no Brasil: uma aproximação do common

Há algum tempo o sistema jurídico brasileiro tem dado especial relevância a julgamentos uniformes. Nesse sentido, têm-se como exemplos o julgamento liminar de improcedência (art. 285-A do CPC), o julgamento de recursos repetitivos (arts. 543-B e 543-C do CPC), a negativa de seguimento – monocraticamente – de recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante (art. 557 do CPC), a criação das súmulas vinculantes (art. 103-A da Constituição Federal), entre outros.

Na competente análise de Teresa Arruda Alvim Wambier275:

O sistema jurídico-processual, nestas alterações recentes que estão sendo aqui comentadas, manifesta evidente e louvável preferência pelos entendimentos sumulados ou, até mesmo, adotados por jurisprudência dominante (v. por exemplo, art. 103-A, CF, e arts. 120, parágrafo único, art. 518, §1º, do CPC, na redação da Lei 11.276/2006, e art. 557, CPC). Naturalmente, busca-se, com isso, a confluência dos entendimentos jurisprudenciais para um só, que seja considerado ‘ótimo’, isto é, o melhor, ou o mais aprimorado, dentre os vários modos de solucionar um problema jurídico [...].

Portanto, a cada dia, observa-se uma maior preocupação com o respeito aos precedentes276. Assim, não obstante o sistema de civil law adotado, para alcançar objetivos como, por exemplo, segurança jurídica, respeito aos princípios de igualdade e isonomia277, valorizam-se os precedentes.

275 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 172, junho 2009. p. 137. 276 De acordo com a obra de Antônio Castanheira Neves, o precedente é uma decisão judicial (jurisdicional) que se impõe como padrão normativo para deslinde de decisões análogas. (O instituto

dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Coimbra; Coimbra Editora, 1983. n. 1. p.

2). 277

“O princípio da isonomia significa, grosso modo, que todos são iguais perante a lei, logo, a lei deve a todos tratar de modo uniforme e assim também (sob pena de esvaziar-se o princípio) devem fazer os tribunais, respeitando o entendimento tido por correto e decidindo de forma idêntica casos iguais, num mesmo momento histórico. De nada adiantaria um princípio constitucional, cujo destinatário é o legislador, se o Judiciário não tivesse de seguir a mesma orientação. O princípio da isonomia recomenda que não se decida diferentemente, em face de casos iguais. Só assim será proporcionada

122 Diante dessa assertiva, é possível afirmar que está havendo uma aproximação do nosso sistema com o sistema de common law?

A busca pela previsibilidade e a segurança jurídica que devem ser fornecidas aos jurisdicionados são aspectos comuns aos dois sistemas. A forma com que se busca esse objetivo comum, contudo, é diferente.

No sistema de civil law, por exemplo, fala-se em precedente vinculante apenas após reiteradas decisões do tribunal acerca de uma mesma tese jurídica. De igual maneira, apenas as questões de direito que estejam relacionadas a ações repetitivas (ou, ao menos, que tenham possibilidade de ser repetitivas) é que poderão ser objeto de precedente vinculante.

No sistema de common law, todavia, qualquer tese jurídica pode ter conteúdo de precedente, não havendo necessidade de estar relacionada com a multiplicidade de ações tratando da mesma matéria de direito. Além disso, para que o precedente seja aplicado em um caso “novo”, não é necessária a existência de reiteradas decisões do tribunal acerca do tema. Uma única decisão278, portanto, pela

doutrina do stare decisis, é suficiente para que decisões futuras sejam proferidas com base nela. Este aspecto difere do sistema brasileiro e neste sentido vale acompanhar a explicação de Michele Taruffo279:

[...] existe, antes de tudo, uma distinção de caráter – por assim dizer – quantitativo. Quando se fala do precedente se faz normalmente referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala em jurisprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante ampla, de decisões relativas a vários e diversos casos concretos. A diferença não é apenas do tipo semântico. O fato é que nos sistemas que se fundam tradicionalmente e tipicamente sobre o precedente, em regra a decisão que se assume como precedente é uma só; ademais, poucas decisões sucessivas vêm citadas em apoio do precedente. Deste modo, é fácil identificar qual decisão de verdade ‘faz precedente’. Ao contrário, nos sistemas – como o nosso – nos quais

a plena aplicabilidade do princípio da legalidade, funcionando ambos engrenadamente”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Sumula vinculante: figura do common law? Revista de Doutrina TRF4. 31.10.

2011. Disponível em:

<http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao04 4/teresa_wambier.html>. Acesso em: 23 out. 2013.

278 Desde que proferida por corte com competência recursal nas esferas estadual ou federal.

279 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo. São Paulo. Revista dos Tribunais, ano 36, v. 199, set. 2011. p. 142.

123 se alude à jurisprudência, se faz referência normalmente a muitas decisões: às vezes são dúzias ou até mesmo centenas, ainda que nem todas venham expressamente citadas. Isso implica várias consequências, dentre as quais a dificuldade – frequentemente de difícil superação – de estabelecer qual seja a decisão que verdadeiramente é relevante (se houver uma) ou então de decidir quantas decisões são necessárias para que se possa dizer que existe uma jurisprudência relativa a uma determinada interpretação de uma norma.

As súmulas, como mencionado antes, são enunciados elaborados, justamente, com base em reiterados julgamentos acerca de uma determinada tese jurídica. Após alguns (ou inúmeros) julgamentos em um mesmo sentido, o tribunal extrai a tese jurídica e edita a súmula, que deverá ser observada nos casos futuros.

Outro aspecto que merece destaque e que demonstra diferença entre os sistemas – em especial entre as súmulas e os precedentes – é a forma de aplicação. Diante de divergência acerca de uma determinada tese de direito, os tribunais editam as súmulas, que prescrevem um enunciado literal tal qual a lei, possuindo conteúdo facilmente identificável. Os precedentes, ao contrário disso, não precisam de edição de norma para que possam ser aplicáveis e o caso que os originou deve ser analisado para que o precedente possa ser identificado.

E, como assinala Ronald Dworkin280: “[...] a força gravitacional do precedente não pode ser apreendida por nenhuma teoria que considere que a plena força do precedente está em sua força de promulgação, enquanto peça de legislação”.

Nessa medida, as súmulas traduzem soluções específicas para uma situação determinada (por exemplo: cobrança de taxa de matrícula em universidades públicas). Os precedentes possuem certa “maleabilidade” normativa, não havendo a necessidade de absoluta identificação entre os casos.

280 DWORKIN, Ronald. Levando o direito a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 176. No mesmo sentido: “o precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decisão jurisdicional – que se toma (ou se impõe – como padrão normativo casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica)”. NEVES, Castanheira, Antônio. O instituto dos assentos e a

124 Aliás, conforme será analisado com mais vagar na próxima seção, a identificação do precedente vinculante (binding element) é uma dificuldade nos países de common law, situação que não ocorre no Brasil, com a súmulas que exteriorizam, ao menos em tese, de forma clara e objetiva, a “norma jurídica” a ser seguida, desvinculando-se em certa medida dos casos que as originaram.

Assim, a possibilidade de haver semelhança entre os sistemas common

law e civil law não significa, necessariamente, que um esteja aproximando-se do

outro. Então, não há como sustentar a aproximação dos sistemas Da mesma forma, a existência de lei escrita (cada vez mais valorizada) nos países de common law não descaracteriza o sistema.

Fato é que se pode (e até se deve) utilizar as experiências vivenciadas por sociedades que adotaram o common law, para aprimorar, no que diz respeito a precedentes, a nossa atuação281, até porque, em ambos os sistemas, o objetivo dos

precedentes vinculantes é o mesmo: gerar segurança e previsibilidade aos jurisdicionados.

Essa observação é importante antes da análise de algumas características específicas do sistema de common law, em contraposição com o de

civil law.