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Cf IARA PIETRICOVSKY Inter-Redes: um estudo de caso sobre a democracia participativa no

No documento S: F AZER ES TE ATR AIS EM BR AS ÍLIA (páginas 144-150)

Com Iara Pietricovsky

3 Cf IARA PIETRICOVSKY Inter-Redes: um estudo de caso sobre a democracia participativa no

Brasil. Brasília: Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, 2005. Orientadora Profa. Dra. Lúcia Avelar.

e dialogo muito com ela, na minha vida profissional e pessoal. E... tem uma outra irmã, Ida Pietricovsky, que é jornalista, que (...) já tem uma outra maneira de ver o mundo e de interpretar as coisas, que eu também me alimento muito, é uma grande amiga. E tenho um irmão, que é o último, que é o irmão mais novo, que é um veterinário e que é... se moldou muito bem às três irmãs (risos)! Soube conviver com as três irmãs, que são muito fortes. Todas! São mulheres muito fortes. E... essa é a minha família mais o Otaviano Pietricovsky de Oliveira. Há minha filha, a minha irmã Ana Gita que foi casada com um inglês tem uma filha, Karen Silverwood Cope, que é uma meio brasileira meio britânica. A Ida também tem um filho, o Raul que é... uma figura também. Casada com um brasileiro-carioca. Eu também fui casada com uma pessoa de origem dinamarquesa que é o pai dos meus filhos. Eu sou mãe da Nina Madsen e Daniel Pietricovsky Madsen, que são dois brasileiros-dinamarqueses. [Filhos] do Allan Hall Madsen que é jornalista. Foi o meu companheiro por 21 anos. E continua sendo meu companheiro de vida, a gente se dá muito bem até hoje. A gente é... se separou mas continua muito presente na vida um do outro. Até hoje. Creio que isto vai perdurar haste el fin. (...) Esse meu irmão tem dois filhos, casado com a Neide que é uma nordestina. O João Pedro e o Gabriel. E esse é mais ou menos o meu universo familiar, com o qual eu me relaciono com muita freqüência. Eu sou a mais ausente da família, porque eu viajo muito, mas... é a família que mora dentro de mim, quer dizer, é meu mundo, meu grande universo relacional e afetivo é esse. Primário e prioritário da minha vida é esse...4

Essa brasiliense nascida fora da cidade de Brasília faz questão de afirmar, a todo instante, o quanto é forte sua relação de pertencimento com essa cidade-capital. Iara acredita que a afirmação dessa e de outras sentenças é um dos caminhos para se construir identidades de uma pessoa, de um grupo e de um lugar. Mantendo essa perspectiva antropológica, desde sua formatura, em 1977 - no ano da grande greve da Universidade de Brasília -, suas leituras e diálogos sobre identidade são constantes e se revelam como preocupação em suas próprias falas. Por isso, evidenciar seu forte laço com a cidade é um ponto relevante na entrevista, como indicado no trecho a seguir:

4IARA PIETRICOVSKY. Entrevista realizada em 16 de abril de 2005. 1 Mini Disc Digital Áudio

Eu nasci do dia 13/07/1954, eu tenho 50 anos, indo para 51 agora Eu vivi... Basicamente, de 1954 até 60 (...), ou seja, os seis primeiros anos da minha vida em São Paulo, numa casinha num bairro de jornalistas, porque o meu pai é jornalista. E era um bairro que ficava afastado do centro de São Paulo, qual era o nome desse bairro? Era.... Era... Eu não vou lembrar o nome do bairro. É... Cidade Vargas Mas ali eram casas para jornalistas na época. Eu tenho imagens muito fortes daquele lugar. (...) São seis anos da minha vida naquele lugar. Aí meu pai foi chamado pra dirigir uma sucursal de um jornal de São Paulo, que era na época o Correio Paulistano, uma coisa assim ligada aos Diários Associados, ou não, ou depois ele foi para os Diários Associados, eu não tenho clareza disso. O fato é que ele [veio] pra abrir uma sucursal de m jornal aqui [em Brasília] e foi quando nós viemos então. Ele veio antes, em 59/60 pra cá e aí, em agosto, de 1960, a gente mudou pra Brasília, minha mãe e as duas filhas: a Ana Gita, mais velha, com 7 anos e eu com 6 anos. Nós temos exatamente um ano de diferença. Eu nasci um ano depois, não, dois anos de diferença, minto. Desculpa! Ela tinha 8 e eu tinha 6. Eu nasci 2 anos exatamente, é... Minha mãe, no dia do aniversário dela, comemorando os 2 anos, minha mãe foi me ter e eu nasci 2 horas e 35 minutos do dia 13 (...) Eu deixei o dia acabar pra poder ter o meu dia, né?! (risos)

E eu tinha 6 anos, em 60. E Brasília era uma cidade em construção. Era... o signo da mudança, do novo, da idéia daqueles que apostaram nessa nova idéia, nesse novo mundo. Meu pai foi um dos que apostaram nessa, daqueles dos chamados pioneiros que vieram pra Brasília, que se misturaram. Tem até uma briga aí: o que é candango, o que não é candango? Porque candango é quem construiu Brasília. (...) Eu já debati muito esse tipo de coisa. O que é candango? (...) [Pessoas] que consolidaram [uma] identidade da cidade... Eu acho que o justo é você dizer: candango é quem se sente identificado com a cidade, quem nasce na cidade é um candango, então eu me sinto candanga. Eu não nasci, mas eu digo que sou a primeira geração brasiliense não nascida. Porque eu me sinto hoje, absolutamente brasiliense. Uma brasileira brasiliense. A minha cosmo-visão é de quem nasceu em Brasília, e... eu faço questão de registrar: eu sou uma profissional de Brasília, com a visão constituída a partir do lugar Brasília. Eu sou uma atriz de Brasília.

capítulo deste trabalho. Mas vale ressaltar aqui que Brasília também foi o berço onde Iara encontrou o teatro, por meio da sua mãe Golda Pietricovsky. Uma relação Iara-teatro-Brasília- Golda, já presumível dentro da perspectiva de quem leu a obra de Maria Duarte, onde essa afirma que: “Silvia Orthof, Murilo Eckhart e Golda Pietricovsky, a partir de 1961, e durante dois anos, apresentaram, na TV Brasília, um programa de teatro infantil com bonecos” (DUARTE, 1983, p.59). Duarte (1983, p. 59) consubstanciou essa sua afirmação seguindo um depoimento do ator Murilo Eckhart (fornecido a ela em 23/09/81), explicando que esse programa era apresentado todos os finais de semana, às 18h, com arquibancadas para quem quisesse assistir e/ou participar das gravações, porque era um programa gravado em estúdio. Ali, sempre estavam presentes a Iara, a Ana Gita, o Kido Guerra e outras crianças da época que vieram mais tarde a enriquecer a área cultural dessa cidade. O que foi confirmado e detalhadamente narrado pela própria Iara:

A minha mãe sempre me levou pra teatro. Teatro, livro, literatura, essas coisas eram o universo e eu acho que isso é muito da tradição judaica, isso é muito estimulado [nessa tradição. Podemos] dizer assim: “olha, a gente é ferrado, não tem grana, mas o patrimônio que você tem que ter na sua vida é o seu conhecimento. Tua formação.” Isso é uma ideologia muito comum entre a comunidade judaica. A minha mãe não foi diferente, perseguiu esse tipo de coisa. E aí quando ela chega em Brasília, ela encontra com a Silvia Orthof. Silvia Orthof e outras pessoas que faziam teatro aqui, que faziam, ou que queriam fazer, ou que tinham essa intenção. E Silvia propõe, naquela época, meio que protagoniza a... Arregimenta um grupo de pessoas - que ela tinha um grupo dela de teatro que fazia parte a Ana Maria Miranda, Marlu Miranda, Ney Matogrosso, tinha essas figuras hoje do nome, da história do Teatro. Por outro lado, ela tinha Murilo Eckhardt, que era um jovem rapaz, mais novo que Silvia e que minha mãe, que participava do grupo e tinha uma francesa, que eu nunca me lembro o nome dela, (...) que faziam parte teatro do Candanquinho. Que foi onde a minha mãe entrou para começar a fazer teatro e... Consolidou essa amizade com a Silvia, foram amigas a vida inteira, inclusive, os filhos da Silvia hoje são [meus] irmãos. A gente se trata como irmão, Geraldo Orthof, que é um artista plástico, a Cláudia Orthof, o Pedro Orthof, eles são todas pessoas da nossa mais íntima conexão familiar-amorosa. Que nasceu ali, com a minha mãe e com Silvia, fazendo teatro de fantoche com Murilo Eckhardt. (...) Eu me lembro de imagens muito fortes assim, era um negócio de madeira bem de fantoche mesmo... A gente

W3 Sul... E tinha os bonequinhos que jogavam bala - e a gente adorava aquela coisa de ganhar bala. O Murilo Eckhardt fazia uma bruxa, chamava Bruxa Fedegosa... Que ela cantava uma música, como é que era? “Lindos dentes tão brilhantes, diamantes, lindos dentes, meus tão brilhantes, são como as noites de verão”. Isso era uma música, que o Murilo entrava seguida de uma gargalhada que assustava a gente, ficava toda suando, eu me lembro disso, assim eu tenho a imagem. Eu era uma das crianças que toda sexta ou sábado, eu acho que era sábado eu tava lá com a minha mãe, isso me encantava.

Essa parte remate à questão do legado teatral de Iara, que analisei na introdução deste capítulo. Nesse sentido, sigo adiante afirmando que depois dessa introdução ao mundo cênico, a transformação de espectadora em atriz, ter sido da magia à realização, haja visto que, em suas palavras, ela estava enfeitiçada por

esse mundo do imaginário [que] era um negócio assim, pra mim, absolutamente encantador. Aí uma vez, eu já tava com uns 12 pra 13 anos, tinha um clube do cinema, em Brasília na... Escola Parque. E veio um grupo de São Paulo ou do Rio, não me lembro, apresentar uma peça do Shakespeare, “Sonho de Uma Noite de Verão”, eu me lembro que eu olhei aquilo ali, achei aquilo ali bárbaro! Antes disso, eu tive uma passagem por uma pecinha de teatro, na Escola Classe 107 e que eu fiz uma empregada doméstica, que tinha sido sacaneada pelo filho da patroa e aquilo também me tocou. Era uma coisa que ficou gravada na minha imagem, essa convivência com Silvia, com esses grupos, com essas... São coisas que vão se acumulando dentro de mim. O teatro do Candanguinho, aí essa coisa do, do “Sonho de Uma Noite de Verão”, eu me lembro do “Puc” do personagem, é... que falava lá a moral da história, que era um personagem que pulava, girava, eu achei aquilo bárbaro! Bom, aí um dia, minha irmã entra no CIEM, que é um colégio, que era uma escola de aplicação, que tinha aqui em Brasília, que tinha que fazer vestibular, que eu também fiz e passei e participei, mas a minha irmã que era mais velha, tava na minha frente... falou: “Iara ta tendo, a gente tá reunindo com a Laís Aderne, pra começar a fazer um grupo de teatro, ela tem um texto do Lauro Nascimento”... que era um cara aqui de Brasília, que escrevia peças e que era ator e que foi diretor de grupos de teatro aqui também e eu nem sei por onde ele anda agora, é... Ele fez uma peça que chamava-se “O Alto da

em plena ditadura militar, então o alto de natal era uma explosão contra a ditadura. Era todo cheio de símbolo, era uma daquelas coisas que a gente falava assim, que nem mesmo a gente entendia direito o que queria dizer aquilo. Mas aí a minha irmã falou “Você não quer participar?”. Aí eu fui e participei do grupo. E comecei, e foi a primeira vez que eu fiz teatro, teatro na minha vida, e foi com o Laís Aderne. É... Eu tinha 14 pra 15 anos, eu tinha 15 anos já, nessa altura, 14 pra 15 anos? Se foi 69? Né? E Laís Aderne foi a minha mãezona assim, foi aquela que me recebeu... Com aquela coisa. Ela veio da Escolinha do Brasil com a Arte, Cultura e Educação. Com esta idéia da educação, usar o teatro como veículo de educação e, ao mesmo tempo, constituiu lá um grupo de teatro. O CIEM era uma escola toda moderna, com uma didática toda moderna, que a gente tinha que aprender por ritmo próprio, não tinha essa coisa de todo mundo fazer prova ao mesmo tempo, cada um fazia no seu tempo e a gente tinha opções de fazer mil coisas, de artes plásticas até... Enfim era um colégio assim muito especial.

Desde então, a jovem, que começou interpretando uma “empregada sacaneada”, experimentou vários outros perfis de personagens em seu corpo. Como, dentre outros, interpretando duas vezes a força do drama “O Exercício”, de Lewis John Carlino, cujo desempenho na interpretação foi, em duas direções diferenciadas, elogiada pelo público e, em uma delas, premiada. A primeira vez que interpretou essa peça, estava com 21 anos, contracenava-a com João Antonio e estava sob a direção de Dimer Monteiro. Aqui vale deixar registrado que, no Brasil, quem primeiro dirigiu a peça “O Exercício”, segundo a própria Iara, foi B. de Paiva. Nessa época, o papel feminino central era desenvolvido por Glauce Rocha, uma atriz premiada por sua atuação nesse espetáculo. O mais interessante é que Iara teve oportunidade de assistir e prestigiar à encenação desse espetáculo com aquela grande atriz. Talvez estivesse sendo preparada pelo destino, sem imaginar, naquele momento, que anos depois estaria em situação similar à da Glauce Rocha. Interpretou essa peça, agora contracenando com Guilherme Reis, mas sob a mesma direção que um dia dirigiu Glauce Rocha, no papel feminino central e, também, sendo premiada por esse feito. Uma coincidência da vida que foi notada e contada por ela com emoção, durante nossa conversa.

Aliás, emoção e Guilherme Reis são duas palavras interligadas durante a entrevista. Iara fez várias referências a ele durante nosso encontro e é enfática em dizer que Guila, apelido do ator, é seu “eterno companheiro e irmão” de trabalho. Sem dúvida, Reis é um nome forte e atuante nas áreas cênicas em Brasília e só não é um dos narradores neste meu trabalho por uma necessidade de recorte metodológico, de critérios explicitados no segundo capítulo. Mas nem por isso eu poderia

e constantemente lemos seu nome em reportagens de jornal face à sua intensa atuação no ramo de produções de espetáculos, inclusive fazendo parte de uma reportagem central na Revista de Domingo, do jornal Correio Braziliense, quando completou 50 anos de idade, em 2004. Um gesto simbólico, para presentear o ator - também produtor, diretor, locutor e outros ofícios afins do universo teatral - que, numa “dedicação quase religiosa de Guila ao teatro”, como considera o jornalista Kido Guerra (2004, p.14;15), proporciona a Brasília diversos espetáculos5.

Também vale destacar outros trabalhos realizados por Iara nessa cidade, “Os Saltimbancos” (1977) e “Arlequim: Servidor de dois patrões” (1999), sob a direção de Hugo Rodas - pessoa com quem, desde que o conheceu na década de 70, desenvolveu parcerias, ajudando até mesmo a montar a Companhia dos Sonhos. Foi para investir nesse percurso cênico que Iara, na década de 1980, partiu para São Paulo, trabalhando com Antônio Abujamra. E, em 1986, foi indicada ao Prêmio APCA de Teatro, pela peça “Serpentes” - perdendo o pódio somente para a atriz Giulia Gam, que interpretava Julieta em uma peça de Antunes. Essa premiação era muito importante, segundo Iara, porque era a própria categoria teatral que votava e escolhia seus premiados/as. Por isso, nesse sentido, essa indicação, além de ser um símbolo que a legitimava no meio cênico, foi para ela particularmente especial, pois representava um tipo de reconhecimento por seus esforços na cidade de São Paulo que, mesmo sendo sua de nascimento, não lhe facilitou esse retorno. Isso porque, em geral, as pessoas do meio teatral não a reconheciam como uma paulista que retornou a casa, entretanto, como mais uma forasteira tentando a vida em São Paulo. E, ainda segundo suas próprias palavras, preconceitos e armadilhas foram articulados durante todo o tempo em que permaneceu na capital paulista.

São com estas e outras histórias que nos deparamos ao ouvir a entrevista e/ou ao continuar a ler a transcrição da mesma. São percepções de uma mulher que adora as cores azul, verde e branca; que aprecia o cheiro de alfazema; os sons da MPB, do jazz e do rock. E que, acima de tudo, afirma: eu faço questão de registrar que eu sou uma profissional de Brasília, com a visão constituída a partir do lugar Brasília. [Sendo, enfim e por isso], uma atriz de Brasília!

No documento S: F AZER ES TE ATR AIS EM BR AS ÍLIA (páginas 144-150)