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e 80, do qual Pedrancini fizera parte, mostrava-se, mas era também e talvez o mais importante , o processo de transformação de sentido de mundo em que o próprio narrador se

No documento S: F AZER ES TE ATR AIS EM BR AS ÍLIA (páginas 137-141)

Com Humberto Pedrancin

anos 70 e 80, do qual Pedrancini fizera parte, mostrava-se, mas era também e talvez o mais importante , o processo de transformação de sentido de mundo em que o próprio narrador se

encontrava e realizava na medida em que falava. E mesmo nesse processo de rever as próprias certezas, há uma acerca da qual Pedrancini, talvez, mesmo sem perceber, não consiga se questionar e/ ou titubear, porque é enfático quando fala sobre sua relação com o palco e o teatro:

Eu acho fantástico estar num palco. Acho fantástico quando eu posso estar num palco, seja dirigindo, ou seja atuando. Ali, naquele espaço, sou inteiro. Ali, naquele momento, me dissolvo no universo. Eu sou um. Eu sou o criador e a criatura. É um exercício zen para mim. E não tem desse papo de: “Ah! O personagem toma conta de mim”. Não! Não tem dessa! Sou eu quem tomo conta do personagem. Personagem, não me toma não. Eu que controlo, eu que crio, eu que tenho o domínio por ele. Se não, não sou artista. Não estou fazendo espiritismo!!! Eu sou ator!!!

Sobre todos os meus personagens eu tenho domínio. Existe técnica para isso. Para isso eu uso técnica. Técnica e intuição. Se uso só intuição vira psicodrama no palco. Se uso só a técnica vira robótica. Então, é mesclar os dois, pra que dali possa se fazer o teatro. Me considero um alquimista, trabalho com a emoção. Pego-as, misturo-as e tento transformá-las... tenho que transformá-las em emoções, mas que também eu possa contagiar, para que eu possa fazer refletir, para que eu possa fazer que as pessoas se vejam ali no palco. Eu não acho que com isso vá mudar muita coisa, mas se alguma pessoa se ver em algum momento e dizer: “- Eu não quero isso em mim!” já basta, já tá legal!

E nesse sentido, seu envolvimento com o teatro é inquestionável, porque admite:

Sou meio monge. Gosto da paz, gosto de estar centrado. Mas defendendo as minhas posições com toda a minha paixão e toda a minha coragem. Por causa das minhas convicções eu me transformo. E o teatro é a grande paixão da minha vida. Um grande amor. Eu já deixei os amores físicos, os amores do coração... mas o teatro é a coisa que eu cresço, que eu... sabe?! Eu não posso conceber o teatro sem paixão. E, hoje em dia, eu vejo esses jovens fazendo teatro sem

e aparecer nessa televisão e fazer essas novelas - até muito bem feitas e belíssimas, mas escravizadoras - que põem as pessoas diante delas, pra não sair nunca. E não entendo esse porquê sem paixão.

Talvez seja devido a esse profundo envolvimento com o mundo efêmero do teatro, que Pedrancini tenha se convencido de que não gosta de se prender a nada e nem a ninguém pela vida, porque acredita que lidar com o efêmero é o melhor caminho para se viver, e assim se explica:

Eu não gosto de muita coisa. Não quero muito móvel. Eu não quero ter coisas que me prendam. Porque tudo isso daqui é passageiro. Passa tão rápido... tudo é passageiro na vida. Até os amores devem ser, para serem saudáveis. Não é?! Gosto muito de mim, tem dia. Tem outro que eu não me suporto. Olho no espelho e me dá uma tristeza... e aí me dá vontade de me desafiar. Mas tem dia que eu gosto tanto de mim, que me dá vontade de convidar eu mesmo, pra sair comigo. E eu o faço... e nesses momentos, em que eu estou disposto a ficar comigo é o momento em que estou melhor pra ficar com os outros.

Eu não sou uma pessoa que guardo as coisas. Isso tudo que você viu aqui em casa, foi uma mera contingência. Eu não me preocupo com o registrar dessas coisas. O meu lance é o criar, é o fazer teatro é o interpretar. É isso!

Eu acredito que um povo sem história é um povo sem futuro. Um povo que não... não respeita a sua história, não tem futuro. Sei que se eu ficar três anos sem fazer uma peça, ninguém se lembrará mais de mim. (...) Eu acho que é necessário, sim, guardar. (...) Mas isso não cabe a mim! Acho que isso cabe a você: aos historiadores. (...) Porque um grande problema do jovem é achar que o mundo começou no dia em que ele nasceu. Esquecendo que tem toda uma história de uma civilização antes, que a roda já foi inventada e tudo isso. Nesse aspecto que eu acho a história fundamental. Somente depois de um tempo eu fui perceber o quanto era importante ter tudo isso guardado, registrado... pra poder comprovar. Você sabe que eu fui me profissionalizar em termos de carteira, foi agora, há dez anos?! (...) É... Eu não sei como vai ser no futuro (...), eu vivo do meu dia-a-dia. Pra mim, as coisas são muito passageiras, Elizângela. Eu não quero ficar pra história. Não faço questão dessas coisas de: “Ah... deixar um

anos atrás. Eu quero é fazer o meu trabalho e bem bonito.

Essa última parte desse trecho acima, já foi analisada na introdução deste capítulo, no entanto, aproveito este espaço para abordar a questão do possível deixar de lado o registro da memória teatral, como se isso não tivesse significado ou pouca (senão nenhuma) importância para além de comprovar currículos, sugere que haja um desenrolar linear e homogêneo na narrativa da história, sem a participação direta daqueles/as que são os/as produtores/as da área cênica, o que teria até um tom de incoerência no discurso de quem, durante a entrevista, cobrou responsabilidade social por parte daqueles/as que trabalham com teatro. Afinal, se as duas áreas possuem dificuldades e tensões de atribuições, então precisamos avaliar tais pontos em conjunto, observando como cada uma trabalha com a memória e os desdobramentos dessa temática, porque, como lembra a historiadora Gagnebin:

a exigência de memória, que vários textos de Benjamin ressaltam com força, deve levar em conta as grandes dificuldades que pesam sobre a possibilidade da narração, sobre a possibilidade da experiência comum, enfim, sobre a possibilidade da transmissão e do lembrar. (GAGNEBIN, 2004, 91).

Responsabilidades que precisam ser, antes de tudo, compartilhadas, não só no sentido de autoria e/ou de transmissão, mas também na execução. Ou seja, registrar, criar, narrar, interpretar, divulgar idéias e publicar textos são atribuições de artistas, de historiadores/as e de quaisquer outros/as profissionais, de saberes diferentes, que desejem contribuir para perspectivas múltiplas que existem nessas áreas de conhecimento. Chego até mesmo a afirmar que, apesar das palavras de Pedrancini, ele mesmo tem ciência da necessidade de se registrar e propagar as experiências cênicas. Afirmo isso por dois motivos. Primeiro, porque durante a entrevista ele enfatizou sua adoração pela leitura e pela escrita e, segundo, porque em seu artigo escrito reconheceu a fundamental importância que registros – nos quais são compartilhadas experiências cênicas - produziram em sua trajetória, quando notou que precisava melhorar sua atuação:

Desse dia em diante eu, que já era leitor contumaz, passei a ler todos os livros de teatro que achava. Tornei-me um rato de sebo. Li teoria, técnicas, exercícios que me auto-aplicava. Nos festivais ouvira falar de Stanislawiski, Grotowski e Artaud. Procurava ler suas idéias que nem sempre compreendia, adaptava seus exercícios a minha realidade. Era difícil encontrar livros sobre teatro em Brasília. Os Cadernos de Teatro editados pelo Tablado, de Maria Clara Machado eram e são referências obrigatórias em meus estudos. Esses cadernos sempre

figurino e, no mínimo, uma peça de autor de qualidade. (PEDRANCINI, 2004, p.138).

Foi nos livros e nos textos em geral, escritos por quem compartilhava experiências e interpretações, que o jovem Pedrancini encontrou o que desejava e, sendo então também jovem, viu que “o mundo não começou no dia em que ele nasceu”.

Entretanto, essa atitude provocante de Pedrancini faz parte da postura que escolheu para atuar na profissão e em sua relação diária, pois durante toda a entrevista é possível notar sua inteligência também pelas provocações que extravasam suas reflexões acerca de si mesmo, acerca de jovens artistas formados/as pelas instituições da cidade de Brasília, acerca do papel do ator, da atriz, do diretor/a ou acerca de qualquer outro assunto que eu colocasse em pauta. Nessa entrevista, revelou-se então a lucidez com que expunha suas críticas em finais de frases, ou durante as interpretações completas contidas em cada resposta, demonstrando que possuía domínio sobre o que falava e atenção sobre o que desejava deixar registrado em seu perfil. Quando, por exemplo, falou:

Esses dias, eu fiquei triste... uma pessoa, que agora é professor de uma dessas universidades, disse: - Estou me afastando um pouco das atividades do teatro, porque estou muito envolvido com atividades acadêmicas. Estou preparando a minha tese. Aí, vem a tal da ‘minha tese’... e com todo respeito, moça, são umas teses que ninguém vai ver, que não vai importar à ninguém, que não vai ter nada... e nisso deixa de ser a minha arte, o meu artista, o meu teatro, pra ser a ‘minha tese’... por favor, moça, não se torne nisso (mostrando os papéis que estavam no colo da entrevistadora). Não vire essas setenta ou oitenta páginas que você vai escrever. Isso é muito pouco!

Ao contrário de Jesus Vivas, Pedrancini parece ver na atividade acadêmica um obstáculo ao ofício das atividades artísticas. Talvez, porque essa categoria de academia mostra-se aos olhos de Pedrancini com um sentido restrito ao de uma pessoa que carrega uma espécie de verniz de erudição, um status de sabedoria em que, na prática, não proporciona interferência e/ou transformação nas relações sociais, pelo menos, não na intensidade em que a interpretação cênica parece proporcionar à avaliação dele. Essa diferença de pensar, entre Jesus e Pedrancini, frente ao significado que pode ter quando algum artista torna-se professor de artes cênicas em ambiente universitário, fez-me alargar minha compreensão sobre projetos pessoais e modos diferenciados de se exercitar os fazeres teatrais em Brasília.

No documento S: F AZER ES TE ATR AIS EM BR AS ÍLIA (páginas 137-141)