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Um fenômeno que anda lado a lado com a arrecadação é o inadimplemento ou o não pagamento do tributo. Trata-se, pois, de fenômeno que pode se manifestar de diversas maneiras e, a depender disso, e das circunstâncias em que é renegado ao Fisco o direito de receber seus créditos por parte do contribuinte ou responsável

tributário, é que ocorrerão as devidas consequências específicas, que impactarão em menor ou maior intensidade na esfera privada de quem deve.

Nisto, necessário delimitar o conceito de inadimplemento e o que se denomina por sonegação fiscal. Embora pareça ser clara a distinção entre ambos os institutos, tem-se dois termos que equivocadamente se condensam em alguns contextos. O que distingue ambas as formas de faltar com os devidos deveres quanto ao Fisco são as consequências impostas uma vez verificada a prática de cada um separadamente.

Assim, o inadimplemento fiscal exsurge como um simples e puro não pagamento de tributo que deveria ser recolhido aos cofres públicos em determinado prazo, classificando-se como um descumprimento de um dever administrativo. Por essa sua classificação, a inadimplência fiscal implicará na aplicação de penas de cunho também administrativo, a exemplo das multas pecuniárias e conduz a inscrição do débito em dívida ativa e posterior composição em certidão (CDA), o que atribuirá liquidez, certeza e exigibilidade aptas a ensejar a instauração de eventual execução fiscal.

Em contrapartida, a sonegação fiscal ganha contornos mais onerosos, pois trata-se de prática que se caracteriza quando, em termos gerais, o agente age no sentido de ocultar ou alterar informações contábeis para suprimir tributo que deveria ser pago, beneficiando-se de uma redução indevida em virtude da falsidade das informações prestadas. Com isso, pelo seu caráter ardiloso e fraudulento, tem-se uma prática que configura crime e tem previsão na Lei nº 8.137/9013.

Em todo esse contexto, outra figura participante ganha destaque conceitualmente para os fins de apreender a fenomenologia do não pagamento de

13 “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e

qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V” (BRASIL, 1990, s.p.).

tributo. Trata-se do devedor contumaz que, muito embora seja bastante referenciado na prática tributária, não possui definição legal especificada e uniformizada nacionalmente. Apesar de ser possível identificar de maneira esporádica e pouco escorreita o sentido do que seja devedor contumaz, faz-se necessário definir seus limites conceituais.

Alguns estados possuem em suas legislações locais referências conceituais quanto ao significado do que seja um devedor contumaz, que tomam como parâmetro uma questão puramente fenomenológica. Por esta abordagem, seria assim classificado aquele que declarasse o tributo e não realizasse o respectivo recolhimento, tendo-se uma questão temporal como aspecto de relevância primordial para os fins dessa caracterização.

A exemplo, cite-se o Estado de São Paulo, que considera como devedor contumaz o contribuinte que declara e não paga o imposto por 6 (seis) meses, consecutivos ou não, em um período de 12 (doze) meses, bem como aquele que possui débitos de ICMS inscritos em dívida ativa, que totalizem valor superior a 40.000 (quarenta mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs e correspondam a 30% (trinta por cento) de seu patrimônio líquido, ou a mais de 25% (vinte e cinco por cento) do total das operações de saída e prestações de serviços realizadas nos 12 (doze) meses anteriores14.

Por todo este cenário, resta patente que a contumácia no que concerne ao inadimplemento do ICMS ainda é questão controversa. Muitos dos estados também referenciam para esse conceito a intenção reiterada e proposital do contribuinte de ser devedor. Entretanto, necessária a devida cautela, pois o apontamento de razões de inadimplência não pode se pautar em especulações que, muitas vezes, tendem a repetir a máxima de que o devedor que é contumaz utiliza do inadimplemento como meio para lograr melhor posição no mercado ou porque simplesmente é de sua vontade. Embora existam os que assim agem, não é a regra.

Assim, embora seja mais um aspecto das nuances inerentes ao ICMS que se mostre controverso e incerto, e a competência de regular matérias atinentes ao referido tributo seja dos estados, a apreensão correta deste, merece especial atenção. A razão é simples, a legislação que cuida dos crimes tributários tem sido interpretada no sentido de enquadrar penalmente o devedor contumaz de ICMS que pratique as

condutas elencadas no art. 2º, II, do referido diploma legal. Como se trata de uma norma penal, suas elementares devem ser interpretadas uniformemente. Quaisquer espécies de insegurança jurídica podem impactar forte e negativamente o destinatário da norma, mais ainda na esfera penal, em que se preza pela máxima segurança jurídica e pela estrita legalidade. Não se pode admitir lacunas em normas de caráter penal, mesmo que sejam formuladas por elementos ou remetam a ciência do direito tributário.

4 O ICMS DECLARADO E NÃO PAGO: REFLEXOS PENAIS A PARTIR DA LEI 8.137/90 E DO HC 163.334 DO STF

Passada a análise do ICMS enquanto tributo, a partir da elucidação de sua sistemática de arrecadação e comportamento normativo, bem como da análise conceitual acerca do ilícito penal tributário e da tutela penal sobre circunstâncias que remetam a Ordem Tributária, neste capítulo se condensarão alguns desses pontos, para que se discorra sobre o crime de apropriação indébita tributária, inserido na norma do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/90, quanto ao ICMS regularmente declarado e não pago.

Neste recorte de abordagem se elucidará sobre a natureza da norma citada, sua composição vocabular e como se deu a sua interpretação nos tribunais, até que constituísse tema objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal. Para isso, se analisará não somente os entendimentos doutrinários, mas também os próprios argumentos tecidos em cada tendência jurisprudencial, especialmente a que foi fixada no RHC 163.334, confrontando-os com as características mais importantes da sistemática de arrecadação do ICMS.