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Fase 6 Análise e tratamento de dados; Fase 7 Triangulação dos dados recolhidos;

12 Tomada de posição pública sobre os despedimentos na biblioteca Municipal da Nazaré

3.2.2 A C IDADANIA E A DEMOCRACIA

Refletir sobre a dimensão política da biblioteca pública no contexto da democracia significa retratar esta instituição como cooperante na construção de homens e mulheres ativos para assumirem a sua condição de cidadãos (Meneses Tello, 2008). As bibliotecas são um espaço vital para a promoção da cidadania, ajudam a criar e a manter o equilíbrio e fomentam a síntese entre a liberdade e a responsabilidade (Moncada Patino, 2008; Jaramillo & Quiroz Posada, 2009).

Usherwood (1999) defendeu a ideia de uma biblioteca como uma força social em que os profissionais têm que se envolver com a realidade, não podendo ficar isolados e neutrais perante os acontecimentos do mundo. O conceito de informação foi visto como um direito fundamental para a cidadania e não sujeito às leis do mercado, porque não é um fim em si, mas um meio para transformar a sociedade (Gomes, 2014).

Este autor (1999) acrescentou:

―O acesso efectivo à informação e às ideias aumenta a capacidade do cidadão de ser informado sobre questões da actualidade; pode aumentar a sua capacidade de votar com consciência e/ou de influenciar as políticas. Como tal, é um suporte da democracia.‖ (p.

27)

As bibliotecas têm um amplo campo de trabalho na área da cidadania, da integração e da coesão social. Gómez Hernández (2008) também defendeu que as bibliotecas têm que fazer muito mais do que disponibilizar livros, elas lidam com muitas pessoas e têm que apresentar serviços destinados para elas. Cada vez mais surgem utilizadores com mais tempo livre, devido ao desemprego e com menos

110 recursos. As bibliotecas têm que ter serviços que respondam a estas necessidades. Têm que tornar acessível a informação a qualquer cidadão sem exercer paternalismo cultural e moral sobre ele, criar condições para debater temas que habitualmente não são discutidos, possibilitar o contraste crítico e gerar serviços pró-ativos na sociedade. O autor defendeu a importância de a biblioteca conhecer os potenciais utilizadores, as suas necessidades e expetativas. Os profissionais que nelas trabalham devem considerar estudos sociológicos para orientação geral dos serviços, como a avaliação dos resultados de estatísticas sobre bibliotecas de organismos estatais e outros, estudos genéricos sobre as comunidades de utilizadores, etc. (Gómez Hernández, 2009), tendo em conta sempre o interesse do cidadão.

Meneses Tello (2008) apresentou o conceito de biblioteca pública útil, definindo a biblioteca como uma instituição social de interesse público com capacidade de produzir benefícios para o cidadão e para a comunidade, para o cidadão em geral e para o Estado. Em suma, a biblioteca pública útil deve atender às necessidades individuais e coletivas básicas, ao interesse público, às políticas públicas, ou seja, atender às necessidades sociais mais urgentes, como os problemas de saúde, emprego, alimentação, habitação, transportes, cultura popular, educação pública e outros. O autor alegou relativamente à questão da cidadania (Meneses Tello, 2008):

―transitar de una ciudadanía mal informada a una ciudadanía bien informada, es decir, el de trabajar para crear ciudadano(a)s comprometido(a)s con los asuntos públicos en general y el bien común público en particular; es decir, una ciudadanía responsable con los principios democráticos y con los hábitos ciudadanos que exige la democracia como forma de vida, base fundamental de la democracia como forma de gobierno y de Estado.‖ (p. 118)

Este autor defendeu que as bibliotecas públicas podem reivindicar um papel na formação de cidadãos e permitir aos indivíduos ultrapassar as dificuldades de acesso à informação, criando novas oportunidades de acesso para que o cidadão esteja totalmente informado. Defendeu também que as bibliotecas através da realização de ações inclusivas, utilizando os seus recursos humanos e formativos, podem melhorar a qualidade de vida dos utilizadores e serem agentes na criação de capital social. Estes serviços tanto podem ser presenciais como em linha, aproveitando as tecnologias, os programas abertos e gratuitos e as redes sociais.

111 Gómez Hernández, Castillo Fernández, & Quílez Simón (2010) defenderam a aproximação da biblioteca pública à democracia, à cidadania e à coesão social, muito mais do que o acesso ao livros e outros recursos. Neste sentido, as bibliotecas podem ter programas vocacionados para ajudar a população a formar cidadãos e a formar comunidades socialmente coesas.

Por exemplo, Betancur (2002) defendeu que a biblioteca pública foi um suporte crucial para o estabelecimento da democracia nos países sul-americanos. Alguns destes países enfrentaram condições desfavoráveis para conquistar a democracia, a igualdade e a equidade da população na participação política, no acesso ao emprego, à educação, etc. Meneses Tello (2013) exortou que a biblioteca pública, na América Latina, deve explorar melhor a função social e apresentar-se sempre como instituição em prol da democracia, como recomendou a IFLA, e garantir o acesso à informação e à leitura como uma prática social.

A possibilidade de fazer triunfar a democracia nos países sul-americanos é um desafio social que se coloca nesta grande região. Nesta situação e noutras, a envolvência dos bibliotecários no cenário das decisões políticas é capital. A incidência dos profissionais da informação na formulação e na execução de políticas de informação que redimensionem a função social da biblioteca pública é uma mais-valia para o movimento democrático.

Ainda na América, nos Estados Unidos, também as bibliotecas são importantes para a cidadania, são fruto da democracia e são igualmente importantes para o seu estabelecimento. Olmo García (2010b) referiu:

―Es común em EE.UU: que el sentir de los profesionales responda a la conocida máxima que encabeza este apartado: ― las bibliotecas no van de libros, van de democracia.‖ (p. 121)

As bibliotecas nos Estados Unidos da América estão muito ligadas a ativismos políticos e a movimentos sociais de indivíduos que lutam por uma causa. As bibliotecas têm tido uma intervenção na luta a favor da justiça social. Nos anos 60, 70 do século XX, responderam a apelos das comunidades para fornecer recursos documentais sobre temas controversos e serviram de locais de reunião de grupos excluídos ou pouco aceites nas comunidades (feministas, gays, etc.). As bibliotecas lutaram contra a exclusão de grupos marginalizados e promoveram a tolerância (Lingel, 2012).

112 Recentemente, nos Estados Unidos, a biblioteca The People’s Library50 nasceu nas ruas de Nova Iorque, com o movimento Occupy Wall Street51 (movimento de

protesto, em Liberty Square / Manhattan - contra o poder financeiro de alguns bancos e grandes empresas multinacionais que geraram a grande crise económica, em 2011). Este acontecimento é um exemplo da união entre a comunidade e os cidadãos, que doaram gratuitamente livros, aos manifestantes do protesto, para o nascimento de uma biblioteca na rua - Occupy Wall Street Library (OWS Library). Mais tarde, com ajuda da LibraryThing52, criaram a biblioteca digital correspondente e finalmente a sociedade civil disponibilizou um espaço físico definitivo para esta biblioteca. Este é um bom exemplo de como os movimentos de cidadãos levam à criação de uma biblioteca pública (Morrone, 2013).

Em Espanha, a associação profissional Asociación Andaluza de Bibliotecarios53 realizou um estudo sobre como a crise económica afetou os serviços e as atividades das bibliotecas. Realizaram um inquérito (Gutiérrez Santana, Real Duro, Bustamante Rodríguez, & Guerreiro Salgueiro, 2011) junto de profissionais das bibliotecas públicas e universitárias andaluzas (amostra). Entre muitas sugestões, destacaram-se neste estudo: a necessidade de reorganizar serviços orientados para os jovens; organizar serviços dedicados aos desempregados; aproveitar as redes sociais para disponibilizar informação pertinente para os cidadãos; disponibilizar gratuitamente a utilização das TIC e acesso à Internet na biblioteca; adquirir periódicos com publicações de ofertas de emprego e divulgar ações de formação diversas. O estudo apontou para a necessidade da afirmação da missão social da biblioteca pública, a um compromisso maior com os indivíduos, com a sociedade e com o aumento de horários de abertura ao público, apesar dos impedimentos administrativos e económicos.

A crise económica que afetou as bibliotecas em Espanha (Fuentes Romero, 2012; López López, 2010) levou a que Carrión-Gútiez (2013) afirmasse que se tornou claro que as bibliotecas são um dos serviços públicos mais valorizados. Embora as restrições orçamentais não permitam a aquisição de novas tecnologias, como livros eletrónicos ou aplicativos para dispositivos móveis, as bibliotecas e os profissionais

50

Disponível em: http://peopleslibrary.wordpress.com/ e https://www.facebook.com/pages/Occupy-Wall- Street-Library/215569408506718

51 Disponível em: http://occupywallst.org/about/ 52

Disponível em: https://www.librarything.com/ 53 Disponível em: http://www.aab.es/

113 empenham-se em tornar as bibliotecas pontos de encontro, com oportunidades de aprendizagem e de informação voltadas para o cidadão, que se traduz num aumento do número de visitantes. Fernández Vara (2014) apresentou um estudo do impacto que a crise económica trouxe às para bibliotecas públicas espanholas e refletiu criticamente sobre o papel da biblioteca na sociedade.

Para demonstrar a atualidade deste tópico, a conferência internacional da IFLA 201454 (The International Federation of Library Associations and Institutions) teve como tema geral o lema Libraries, Citizens, Societies: Confluence for Knowledge55. As bibliotecas são lugares de confluência de tradições culturais, de visões de mundo e da vida em sociedade. São lugares de encontro de cidadãos e de grupos que as procuram para acesso ao conhecimento e reconhecem nelas o papel de convergência de culturas e até de diversidades linguísticas, e outras.56

FIGURA 1: LOGÓTIPO DA CAMPANHA CHILENA BIBLIOTECAS PARA TU ACCIÓN CIUDADANA

No Chile, a Fundación Democracia y Desarrollo57, lançou um projeto para três anos, no início do ano 2014, com o apoio da Bill & Melinda Gates Foundation58 e da Dirección de Bibliotecas, Archivos y Museos, DIBAM59, intitulado Bibliotecas para tu

Acción Ciudadana (figura 1). O projeto propôs promover a participação dos cidadãos,

54 Disponível em: http://www.ifla.org/ 55

Disponível em. http://conference.ifla.org/ifla80/congress-information 56 Disponível em: http://conference.ifla.org/past-wlic/2014//node/87.html 57 Disponível em: http://www.fdd.cl/

58

Disponível em: http://www.gatesfoundation.org/ 59 Disponível em: http://www.dibam.cl/

114 através das bibliotecas públicas, fomentando o uso de redes sociais para influenciar o processo de tomada de decisão nos governos locais. O objetivo foi reforçar o papel do cidadão e das organizações da sociedade civil nas tomadas de decisões dos municípios. Foram subsidiadas, por concurso público, quinze bibliotecas públicas que revelaram esta faceta da missão social da biblioteca, o trabalho pela cidadania, a formação e a promoção da participação cívica nas comunidades locais através das redes sociais. A consciência política emerge no Chile com a ajuda e participação das bibliotecas públicas, cujo papel é reconhecido como muito importante na consolidação da democracia. As bibliotecas no Chile juntamente com outros projetos governamentais continuam a trabalhar a inclusão social das populações mais desfavorecidas economicamente (Fundación Democracia y Desarrollo, 2014).

No Brasil, os investigadores Borges, Ferreira, & Teixeira (2006) analisaram as políticas para as bibliotecas públicas no país, e em particular no estado do Maranhão. Mostraram que há uma falta de consistência nos mecanismos e nas tentativas para instaurar e/ou inverter os processos de desigualdade social e de instauração de bibliotecas enquanto espaços democráticos. Os autores sugeriram que a classe política não consegue implementar medidas que tornem a biblioteca pública universalista e democrática.

A implementação das políticas culturais no Maranhão, nomeadamente as referentes às bibliotecas como espaços de democratização e do conhecimento, foram também estudadas por Ferreira (2010). Este autor concluiu que a ausência de espaços de bibliotecas nos municípios, assim como a falta de atenção e o desconhecimento do direito à cultura, por parte dos políticos responsáveis pela gestão pública, foram um estigma quase inultrapassável. A classe política não tinha definido qual o papel destas instituições sobre a disseminação da informação, da leitura e do conhecimento. O autor sugeriu também que a sociedade civil foi responsável por esta situação, porque não reivindicou espaços de debate nas cidades e não exigiu do poder público a sua implementação.

Nas conclusões do estudo que efetuou, Ferreira (2010) advertiu para a necessidade de instauração de políticas, de recursos e de intervenção, a partir das bibliotecas, para estas intervirem na realidade social e participarem na redução dos índices de pobreza e recuperarem a dignidade do povo maranhense:

115

―Pensar a construção do Estado democrático a partir das bibliotecas públicas subentende-se pensá-las e inseri-las no contexto do Estado, situando-as como instituições públicas a serviço do cidadão e cidadã.‖ (p.8)

Nesta linha de investigação, Jaramillo (2012) apresentou um trabalho sobre a contribuição da biblioteca pública nos processos de formação em cidadania. Procurou referenciar quais as transformações nas práticas cidadãs que surgem das interações e ações na biblioteca pública.

O conceito de democracia foi trazido para a Ciência da Informação pelo investigador Meneses Tello (2008). Discutiu a relação biblioteca-sociedade, do ponto de vista sociológico, propondo novas linhas de estudo e análise no quadro da

Bibliotecología Social. Propôs a migração de conceitos que giram em redor do

desenvolvimento das bibliotecas e do seu contexto social (Meneses Tello, 2005) (Meneses Tello, 2013). Pretendeu ainda confirmar um corpo teórico para definição da

Bibliotecología Política, que englobasse várias teses, recorrendo à teoria da democracia

e aos seus fundamentos teórico-políticos (Meneses Tello, 2008).

Em 2014 o documento The Lyon Declaration: On Access to Information and

Development (2014)60 foi divulgado e subscrito pela IFLA e por associações de profissionais da informação. O documento pretendeu ser um instrumento de influência junto das Nações Unidas para agendar o tema do acesso à informação e o apoio ao desenvolvimento dos cidadãos. Entre outras causas, o documento reforçou a ideia de que o acesso à informação é sumamente importante para o estabelecimento de sociedades democráticas:

―We therefore call upon the Member States of the United Nations to make an international commitment to use the post-2015 development agenda to ensure that everyone has access to, and is able to understand, use and share the information that is necessary to promote sustainable development and democratic societies.‖ (IFLA, 2014b).

Em suma, a biblioteca pública é geralmente vista como uma instituição social criada pelo Estado, gerida pela administração local, financiada pelos contribuintes e disponível para todos os cidadãos. Nesta perspetiva, a biblioteca é um espaço que deve

116 ser livre para ajudar os cidadãos a completar a sua educação, através de acesso livre e aberto à informação e ao conhecimento e a desempenhar um papel fundamental na construção da cidadania democrática. A responsabilidade social e cívica com a comunidade é uma faceta que a biblioteca pública deve assumir para concretizar os valores da democracia (Levien, 2011; Levien, 2013).

3.3AB

IBLIOTECA PÚBLICA PELA INCLUSÃO SOCIAL