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Idade Contemporânea: o hospital como instrumento terapêutico

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Histórico do edifício hospitalar e considerações sobre o hospital contemporâneo

2.1.1 Sobre a evolução da atenção à saúde

2.1.1.4 Idade Contemporânea: o hospital como instrumento terapêutico

Com a intensa demanda pela organização e adequação dos estabelecimentos hospitalares, associada ao desenvolvimento da medicina, o hospital abandona as funções de assistência benevolente aos pobres e exclusão dos doentes para se tornar ferramenta de cura e local de acúmulo e formação do saber médico. Inaugurada no período anterior, a visão do hospital como instrumento terapêutico se materializa e passa ao status de função real e influente no tratamento das enfermidades. Inicialmente tido como lugar para morrer, o hospital se transforma no local ideal para a cura.

O hospital tende a se tornar um elemento essencial na tecnologia médica: não apenas um lugar onde se pode curar, mas um instrumento que, em certo número de casos graves, permite curar (FOUCAULT, 1979, p. 206).

Segundo Antunes (1991); Sampaio (2005) e Silva (2000), com o projeto de Tenon surge o conceito de pavilhão hospitalar, forma que predominou nos hospitais até o início do século XX. As novas diretrizes arquitetônicas, como divisão do hospital em diversos pavilhões de poucos andares e espaçamento regular tinham o objetivo de reduzir a estagnação do ar e a umidade, fatores aos quais se atribuía a insalubridade desses estabelecimentos. Outros parâmetros como o número máximo de três pavimentos por pavilhão, construção com tijolos e pedras para evitar a propagação do fogo, abolição das camas de uso coletivo e divisão dos enfermos por categorias e sexo também passaram a ser preconizados como meio de disciplinar a área física e a rotina dos hospitais.

Segundo o Instituto de Técnicos em Saúde e Hospital (1972), o projeto de Tenon, resultante dos trabalhos da Academia de Ciências, incluiu dentre seus parâmetros a redução do número de leitos por hospital e por enfermaria, maior isolamento entre os

ambientes, os quais deveriam estar dispostos de modo a ter aberturas para

renovação do ar em todas as paredes circundantes e a implantação paralela dos pavilhões com a melhor orientação possível.

A preocupação com a qualidade do ar e a ventilação adequada dos ambientes

surgiu devido à crença do século XVIII que, conforme observado por Foucault (1979), o ar poderia propagar doenças pela veiculação de miasmas6 e influenciar diretamente o organismo com sua temperatura, umidade e mesmo por pressão direta sobre o corpo. Ainda segundo o autor, a preocupação com a localização do edifício hospitalar continua, dessa vez de modo a evitar a difusão de miasmas, ar e água poluídos pela cidade.

Nesse momento, segundo sublinha Silva (2000), a cirurgia, até então considerada em segundo plano na prática médica, passa a ser realizada fundamentalmente nos hospitais, os quais assumem também importante papel no ensino da medicina. Associada aos novos métodos de assepsia empregados, a prática cirúrgica passou a exigir a criação do bloco operatório e seus serviços anexos, acarretando em novas mudanças funcionais no hospital.

As novas concepções arquitetônicas para os edifícios hospitalares foram influenciadas também pelas descobertas de Pasteur7, no século XIX, que associava as infecções aos micro-organismos e não mais aos miasmas, as de Lister8, com a

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Na metade do século XVIII, a propagação das doenças era atribuída a gases ou miasmas gerados por matéria orgânica em decomposição (SOUZA, 1996).

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Segundo Castiglioni (1947, v.2, p. 357-γ60), “a figura mais importante e representativa da bacteriologia é, sem dúvida, a de Louis Pasteur (1822-95)”. Em 1857 ele dá início a uma série de estudos químicos que dentre outros importantes resultados, comprovou a inexistência da geração espontânea, criou o processo da pasteurização e descobriu o tratamento da raiva (hidrofobia).

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“Joseph, Lord Lister (18β7-1912), nascido em Upton, condado de Essex, foi uma das maiores figuras da história da cirurgia. Encorajado pelas descobertas de Pasteur, começou a estudar a possibilidade de esterilizar o campo operatório a fim de prevenir o desenvolvimento de bactérias patogênicas. Seus trabalhos foram publicados [...] em 1867. Seus resultados foram de tal modo favoráveis que a notícia de sua descoberta se espalhou rapidamente pelo mundo e seu sistema foi largamente adotado” (CASTIGLIONI, 1947, v.β, p. β57 e β58).

Segundo Silva (β000, p. 65), Joseph Lister, “cirurgião inglês”, em 1865, lançou as bases da assepsia cirúrgica estabelecendo que, antes de cada intervenção todo o material cirúrgico e de curativo sofressem desinfecção, com uma solução de ácido fênico diluído em água. Apoiado nas teorias microbiológicas de Pasteur, Lister recomenda também que o pessoal associado ao ato cirúrgico lavasse as mãos na solução fênica, assim como vaporizasse a sala destinada às cirurgias com a mesma solução”.

introdução de procedimentos antissépticos9, bem como pela a descoberta do raio-X por Roëntgen e do rádio por Marie Curie, os quais passaram a ocupar área física no hospital (SAMPAIO, 2005).

Segundo Castiglioni (1947, v.β, p. 477 e 478), com “a descoberta dos raios X a 8 de novembro de 1895 por Wilhelm Conrad Roëntgen (1845-19βγ)” as instalações necessárias à sua aplicação “tornaram-se obrigatórias em todos os hospitais”. Ainda segundo este autor, o radium (descoberto pelo casal Curie em 1898) foi, do mesmo modo, rapidamente apreciado para o tratamento de diversas doenças.

Cabe ressaltar também, como fator de definição das novas características físicas dos hospitais, bem como da evolução das práticas médicas e de enfermagem, os métodos desenvolvidos por Florence Nightingale entre o final do século XIX e início do século XX. Segundo O’Connor; Robertson (2007), o importante trabalho desta enfermeira contribuiu para a redução nas taxas de mortalidade hospitalar. Os autores afirmam que em sua atuação como enfermeira na guerra da Criméia entre 1854 e 1856, ela concluiu que melhorias nas condições sanitárias locais levaram à redução do número de mortes dos soldados. Embasada em sua crença de que lugares sujos e mal ventilados eram mais propícios ao surgimento de doenças, ela segue para Londres em 1856, onde influenciou a reforma das condições sanitárias dos hospitais militares.

Os avanços médicos-científicos e eletromecânicos e as contribuições da enfermeira inglesa Florence Nightingale (1823-1910) ampliaram os conhecimentos e tornaram possível neutralizar a dor e proteger contra as infecções contraídas no ato cirúrgico (FILHA; MONTEIRO, 2003, p. 355).

Silva (2000) conclui que após as diversas transformações ocorridas, também em vista das revolucionárias descobertas na área médica, ao iniciar o século XX os hospitais já apresentavam grande similaridade com os da atualidade, dispondo de “boa ventilação, de isolamento para moléstias infectocontagiosas, bloco operatório ou cirúrgico, iluminação artificial, abastecimento de água potável permanente, coleta e tratamento de esgotos especiais, laboratórios de análises clínicas, serviço de

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fisioterapia e de anatomia patológica, enfermarias ou quartos com banheiro e posto de enfermagem” (SILVA, β000, p. 66 e 67).

Com o decorrer dos anos, o modelo pavilhonar começou a ser questionado. Segundo o Instituto de Técnicos em Saúde e Hospital (1972), a pluralidade dos pavilhões dificultava o transporte de pacientes, medicamentos, refeições, trânsito da equipe médica e demais funcionários, etc. As redes hidráulica e elétrica necessitavam ser demasiadamente extensas para atender a todos os blocos. Era necessário maior número de funcionários de manutenção, e os custos de instalação e manutenção eram muito elevados.

Sampaio (β005, p. 106), comenta ainda que “nos países de clima frio, grandes superfícies como no caso da forma pavilhonar, promovem grande perda de calor, aumentando o custo da construção por exigirem maior cuidado com o comportamento térmico das paredes”.

Em decorrência dos fatores negativos apontados nas construções pavilhonares, surge a necessidade de tornar o edifício hospitalar mais compacto, o que se tornou viável devido aos avanços tecnológicos ocorridos na construção civil.

Nesse contexto, segundo o Instituto de Técnicos em Saúde e Hospital (1972), com desenvolvimento das estruturas metálicas e do concreto armado, bem como do transporte vertical por elevadores, os edifícios hospitalares foram se tornando mais compactos e com maior altimetria, proporcionando principalmente:

1. Economia de construção e manutenção.

2. Facilidade dos transportes e portanto no movimento do hospital, tanto do espaço como do material.

3. Concentração das tubulações hidráulicas, térmicas, de esgoto, eletricidade, etc.

4. Possibilidade de bons serviços operatórios, de raio-X, radium, de fisioterapia e fisiodiagnóstico, de laboratórios, etc.

5. Possibilidade de ter na direção de cada serviço um técnico de grande valor, bem remunerado, o que não seria possível em serviços multiplicados.

6. Melhor disciplina interna e de vigilância.

7. Melhores condições de isolamento por pavimento do que em pavilhões dispersos.

9. Mais íntimo contato e cooperação do pessoal técnico.

10. Facilidade de administração (INSTITUTO DE TÉCNICOS EM SAÚDE E HOSPITAL, 1972, p. 55).

Além disso, o Instituto de Técnicos em Saúde e Hospital (1972) complementa que passou a ser possível utilizar terrenos de menores dimensões para construção dos hospitais, bem como estes passaram a contar com um sistema construtivo (concreto armado) com maior resistência ao fogo.

Castiglioni (1947) complementa que o edifício hospitalar compacto e alto contribui para reduzir gastos com grandes áreas de terreno e para a maior qualidade da ventilação e iluminação, bem como para a redução do nível de ruído no interior da edificação.

Nesse sentido, após séculos de evolução, o hospital contemporâneo é o local para cura, prevenção, educação e pesquisa. Nessa instituição, a objetividade da ciência e dos avanços tecnológicos necessita estar harmoniosamente integrada à subjetividade do conforto e bem estar de todos os usuários (pacientes, acompanhantes, estudantes, profissionais da saúde e demais funcionários). O complexo edifício hospitalar não se trata de lugar passivo, mas de ferramenta coadjuvante para a adequada realização das atividades que nele se desenvolvem, objetivando funcionalidade, segurança, economia e eficiência em seus menores detalhes.

A seguir será apresentado um breve histórico da atenção à saúde no Brasil, com foco nas edificações hospitalares.