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Idade Média: a relação entre a Igreja e a atenção às doenças

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Histórico do edifício hospitalar e considerações sobre o hospital contemporâneo

2.1.1 Sobre a evolução da atenção à saúde

2.1.1.2 Idade Média: a relação entre a Igreja e a atenção às doenças

Durante a Idade Média, os ideais da caridade cristã nortearam a atenção aos doentes. Inicialmente, há um abandono das práticas médicas da antiguidade, suprimidas pela crença na oração em busca da cura da alma, antes da do corpo. Em um momento posterior, com o aumento da população residente nas cidades europeias, os conhecimentos médicos passam a ser utilizados em conjunto à religiosidade dominante. O termo Nosocomia é então substituído pela denominação

Hospital. Ao fim da Idade Média, o paradigma da caridade cristã em busca do

perdão dos pecados é sobrepujado pela necessidade de exclusão de grupos populacionais considerados indesejáveis.

Durante este período histórico, as enfermidades eram consideradas castigos divinos, e os doentes, por sua vez, conforme observa Sampaio (2005), aguardavam a morte ou a cura de modo resignado, ou pacientemente, o que originou o termo paciente ao se referir a pessoas em tratamento médico. Segundo Salles (1971, p. 85), o Cristianismo, inspirado no conceito da caridade, “impunha aos fiéis a obrigação de minorar os sofrimentos alheios, mesmo à custa de sacrifícios pessoais”. Nesse contexto, hospitais passam a ser construídos junto aos mosteiros, onde eram recebidos feridos e doentes.

Filha; Monteiro (2003, p. 353), caracterizam o hospital desse momento histórico como um local que “não era destinado à cura do corpo, e sim à salvação da alma”. Antunes (1991) complementa que devido à crença de que as enfermidades se tratavam de castigos divinos e que a sua cura dependia mais do arrependimento dos pecados e de oração que de medicamentos, a prática dos conhecimentos médicos da antiguidade passou a ser considerada uma atitude herética.

O início das Cruzadas2 e o grande número de peregrinações de penitentes delas decorrentes, bem como o fenômeno do êxodo rural ocorrido nesta época, devido ao desenvolvimento de uma burguesia urbana, tiveram como consequência o aumento

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Incursões de cunho militar e religioso a partir do século XI, consideradas um dos marcos que delimitam o início da Baixa Idade Média (ANTUNES, 1991, p. 61).

acentuado da população de necessitados dentro das cidades europeias. Com isso, as instituições de abrigo e tratamento dos doentes passaram a ter maior importância na vida urbana, aumentando em número e tamanho por todo o continente europeu (ANTUNES, 1991).

A partir do século IV d.C., com o surgimento de Doutrinas e Ordens religiosas abertas à aplicação dos conhecimentos médicos e científicos conjugados à religião, foram fundados grandes mosteiros onde era oferecido cuidado aos doentes, anexos aos quais foram muitas vezes construídos um Nosocomium ou um Xenodochium (ANTUNES, 1991).

Ainda segundo Antunes (1991), em 816, durante o Concílio de Aachen, o termo grego Nosokhomeion foi traduzido para o latim como Hospitalis Pauperum e sua construção nas dioceses e conventos passou a ser obrigatória. Nesta mesma época, o termo hospício passou a ser usado no lugar de Xenodochia. Filha; Monteiro (2003, p. γ5γ) complementam que “essas construções medievais eram semelhantes às naves de igreja, com um altar estrategicamente localizado de modo a ser obrigatoriamente observado a partir do leito do doente”.

Entre os fatores que auxiliaram a expansão hospitalar durante a Idade Média estão a determinação papal, que estabelecia o dever dos conventos e mosteiros de acolher enfermos e viajantes em geral, bem como a criação de novas ordens monásticas. [...] Cada um dos mosteiros deveria contar com acomodações para os enfermos que recebiam, também, alimentação especial para que pudessem recuperar suas forças. Pela primeira vez o termo hospital é utilizado em substituição a nosocomium (SILVA, 2000, p. 43).

Durante a Baixa Idade Média a lepra foi bastante comum entre a população européia. Por se tratar de uma enfermidade repulsiva à sociedade da época, que a considerava consequência de punição divina, os leprosos passaram a ser segregados. Com esse objetivo foi criada uma nova tipologia de edificação de atenção às doenças: os Leprosários ou Casas de Lázaro, para onde eram enviados não somente os leprosos, mas portadores de quaisquer dermatites e doenças visualmente repulsivas (ANTUNES, 1991).

Segundo o Instituto de Técnicos em Saúde e Hospital (197β, p. γ4), “o problema da lepra acelerou a construção hospitalar pela necessidade de defesa pública sanitária”. Similarmente, Foucault (1979) observa que estas edificações eram instaladas nos arredores das cidades de modo a purificar o espaço urbano.

A partir do século XIV, com a redução da incidência de lepra na população europeia, os Leprosários diminuíram em número, sendo muitos deles transformados em hospícios e hospitais, contribuindo assim para a expansão de estabelecimentos hospitalares pela Europa (ANTUNES, 1991).

Ao final do século 15 a Europa já dispunha de uma rede considerável de estabelecimentos hospitalares. Na Inglaterra, por exemplo, instalaram-se mais de 750, dos quais 216 para leprosos, ao longo dos séculos 12 a 15. Paris contava com 40 hospitais em inícios do século 14 e Florença também com 40 [...] (SILVA, 2000, p. 50). Segundo o Instituto de Técnicos em Saúde e Hospital (1972), ao fim da Idade Média os hospitais passaram gradualmente da hierarquia eclesiástica à administração das municipalidades. Conforme observam Antunes (1991) e Filha; Monteiro (2003), em conjunto a essa mudança administrativa, intensifica-se a busca pela purificação do espaço urbano, por meio da contenção de grupos populacionais considerados perigosos, como mendigos, imigrantes e portadores de moléstias contagiosas. Desse modo, o caráter assistencial dos hospitais se mantém, mas não com o objetivo de praticar a piedade cristã ou desenvolver as práticas médicas, e sim com foco na promoção de ações para proteção da população saudável.

[...] os estabelecimentos preservaram ainda seu caráter de assistência social, agora de interesse coletivo: albergue dos pobres; de doentes, também pobres, e de segmentos sociais considerados como perigosos: os mendigos, os imigrantes e os portadores de moléstias repulsivas ou contagiosas (SILVA, 2000, p. 44).