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DESENVOLVIMENTO DA INFRAESTRUTURA

1. HISTÓRIA DA INFRAESTRUTURA E SUA RELAÇÃO COM O DESENVOLVIMENTO

1.2. Infraestrutura para o crescimento e desenvolvimento

1.3.2. Idade Média

Carlos Ari Sundfeld69 explica que, na Idade Média, a dispersão da autoridade do Estado entre diversos núcleos de poder (como a monarquia, a Igreja, os senhores feudais e as corporações de ofício) serviu como um complicador na definição das normas de direito público que regeriam as relações sociais – ramo do direito que, por excelência, esteve relacionado com a infraestrutura na Antiguidade. No entanto, a fragmentação do sistema medieval, apesar de arrefecer o nível de investimentos em infraestrutura que Roma promovia, não foi um fator impeditivo para investimentos na seara. João Nuno Calvão da Silva70 destaca o avanço das cidades medievais no sentido de incumbir a privados alguns serviços essenciais – tais como pontes, moinhos ou transportes fluviais. Parcela da receita auferida era revertida às comunas, o que suportava mais obras públicas.

65 Cf. SILVA,João Nuno Calvão. Mercado…, p. 18.

66 Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Curso de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2009,p.613), havia a separação entre os entes estatais (quod ad statum rei Romanae spectat) e dos entes privados, pertencentes à sociedade (quod ad singulorum utilitatem pertinet).

67 Cf. CHILE.Ministerio de Obras Públicas. Chile: viaje…, p. 18-20. 68 Cf. MAAS,Michael; RUTHS,Derek. Road…, p. 255.

69 Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 33. 70 Mercado…, p. 19-21.

Ainda assim, a ausência de concepção de um Estado forte prejudicou sobremaneira o desenvolvimento dessas infraestruturas, o qual foi retomado com as Cruzadas e a intensificação do comércio com o Oriente. Havia no período, outrossim, a figura dos “empréstimos forçados”, que eram as obrigações que os mercadores tinham de comprar títulos da dívida pública para financiar guerras e obras de infraestrutura71. Havia também a corveia, figura que obrigava os camponeses, por meio do aparelho estatal, a trabalhos compulsórios – dentre eles a construção de estradas. Tal prática manteve-se, inclusive, na Idade Moderna72.

Dessa forma, muito da construção de rodovias e pontes na Baixa Idade Média foi resultado de obrigações e atos de devoção religiosa, o que não imprimia muita segurança no financiamento dessas estruturas. Havia também obrigações impostas aos proprietários dos imóveis nas franjas e adjacências das estradas para se fornecer mão de obra nas construções; no caso de impossibilidade no fornecimento, os proprietários eram instados a pagar pela construção das infraestruturas – como uma espécie de “contribuição de melhoria”73.

Na antiga Pérsia, no Tibete e na China, cerca de mil anos d. C., já se começava a construir moinhos de vento com um eixo horizontal – os “avôs” da energia eólica –, os quais se espalharam na Europa por meio do Oriente Médio com o movimento das Cruzadas medievais74.

Na Europa, tendo em vista o bom legado romano deixado na seara rodoviária, abriu-se espaço para o investimento em expansão de novas infraestruturas. Na época do Império Romano, a ideia do portorium (“pedágio”) permitiu uma modalidade importante de financiamento da infraestrutura viária que seria replicada posteriormente75. Assim, com o foco na manutenção, o conceito que mais se desenvolveu foi o do pedágio: em alemão, o

71 Cf. CHEN, Zhiwu. Financial strategies for nation building.FAN, Joseph P. H.; MORCK, Randall (Ed.). Capitalizing China. Chicago: The University of Chicago Press, 2013, p. 328.

72 Cf. BRUE,Stanley L. História do pensamento econômico. São Paulo: Cengage Learning Nacional, 2004, p.

26 e 42. Explica o autor que na época do mercantilista Jean Baptiste Colbert, na França, mais de vinte e quatro mil quilômetros de estradas foram construídos. Posteriormente, Anne Robert Jacques Turgot, um fisiocrata, acabou com a obrigatoriedade desse trabalho gratuito entre doze a quinze dias anuais nas rodovias, pontes e canais franceses.

73 Cf. SENNA, Luiz Afonso dos Santos; MICHEL, Fernando Dutra. Rodovias..., p. 46. Com relação às

contribuições de melhoria, cf. item 6.2.3 infra.

74 Cf. ACKERMANN,Thomas. Historical development and current status of wind power. In: ______.(Ed.). Wind power in power systems. 2 Ed. West Sussex: John Wiley & Sons Ltd, p. 24.

vocábulo Maut, para “pedágio”, é originado do alemão antigo (Althochdeutsch) Muta, remetendo justamente às cobranças pelo uso das estradas na Idade Média76.

O pedágio era constantemente utilizado como forma de se impor restrições à circulação de mercadorias na Baixa Idade Média e na Idade Moderna, tanto em estradas como em portos – no século XI, e. g., o uso de “portões de pedágio” para a cobrança desse tipo de tarifa era corriqueiro no Velho Continente77. Stanley Brue78 demonstra que, em 1685, no rio Elba, um embarque de sessenta tábuas na Saxônia, destinadas a Hamburgo, custaram quase o preço da carga em pedágios, ou seja, cinquenta e quatro tábuas. Isso mostra que a figura do pedágio, embora bastante utilizada, ainda não tinha como base o princípio do benefício e outros conceitos econômicos que foram se desenvolvendo somente nos séculos vindouros.

Paralelamente, no mesmo período, as civilizações pré-colombianas desenvolviam suas redes viárias. O estabelecimento do Império Inca na América do Sul deveu-se, em grande parte, à rede de interconexão de rotas e comunicações por mensageiros desde o Equador até o sul da Argentina e Chile. Nesse contexto, a rota Chinchaysuyu, entre Cuzco e Vilcashuamán, exerceu um papel importante ao unir os territórios anexados pelos Incas (Tawantinsuyu), além da estrada de Huayna Cápac, pela qual os espanhóis chegaram a Cuzco no início do século XVI79.

Foi justamente essa eficiente rede que permitiu a conquista espanhola e o controle territorial anos posteriores com o fácil acesso a todos os pontos do território sul-americano, antes dominado pelos incas80. Pablo Neruda81, em seu Alturas de Machu Picchu, denota toda a sua estupefação diante da “alta ciudad de piedras escalares” que se imiscuía com a natureza, cortando a Cordilheira dos Andes e os rios sagrados Willkamayu e Urubamba82. Os incas, à semelhança dos romanos, haviam iniciado um processo de expansão de infraestrutura para dominação do território. O óbice é que o continente sul-americano sempre foi bastante fragmentado e sujeito às diversas barreiras geográficas naturais, como a Amazônia, o Pantanal e a Cordilheira dos Andes. Com isso, surgiu-se o que se

76 Cf. EINBOCK, Marcus. Die fahrleistungsabhängige LKW-Maut: Konsequenzen für Unternehmen am Beispiel Österreichs. Dresden: Deutscher Universitäts-Verlag, 2005, p. 11, nt. 46.

77 Cf. SENNA,Luiz Afonso dos Santos; MICHEL,Fernando Dutra. Rodovias..., p. 46. 78 História..., p. 15.

79 Cf. JULIEN, Catherine. The Chinchaysuyu Road and the definition of an Inca imperial landscape. In:

ALCOCK,Susan E.; BODEL,John; TALBERT,Richard J. A (Ed.). Highways…, p. 147-152.

80 Cf. CHILE.Ministerio de Obras Públicas. Chile: viaje…, p. 21-22.

81 Canto general. In: Antología general. Ciudad de México: Santillana Ediciones Generales, 2010, p. 198-

200.

convencionou chamar “enclaves territoriais”, formando diversas “ilhas”83 isoladas uma das

outras, tais como a Plataforma do Caribe, a Cornisa Andina, a Plataforma Atlântica, o Enclave Amazônico Central e o Enclave Amazônico Sul84.

Nas colônias na América Espanhola, vigia o trabalho escravo indígena em grandes empreendimentos, sejam econômicos – como a extração de minérios –, sejam para obras em geral. Vigia o regime da mita e encomienda. Em Bogotá, por exemplo, é interessante notar a evolução urbana – ainda sob o regime de escravidão, ressalte-se – que houve com o fim do monopólio dos encomenderos e o estabelecimento de uma “mita urbana”, que permitiu o desenvolvimento de algumas obras urbanas, sem prescindir da participação pública no setor – que era majoritária. A cultura de colonização espanhola possui um viés urbano bem marcado85 – o que a difere, por exemplo, da colonização portuguesa.