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A APRENDIZAGEM INTERCULTURAL É UM PRESSUPOSTO DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E UMA COMPETÊNCIA PARA A VIDA EM QUALQUER SOCIEDADE DEMOCRÁTICA COSMOPOLITA

Face aos desafios de um mundo em permanente mudança e da complexidade das sociedades contemporâneas é imperativa a aquisição de instrumentos que “possam dar a cada um os meios de compreender o outro, na sua especificidade, e de compreender o mundo... Mas antes, é preciso começar por se conhecer a si próprio, numa espécie de viagem interior guiada pelo conhecimento, pela meditação e pelo exercício da auto- crítica”. (Jacques Delors, 1996)

Tendo como premissas que:

 a Humanidade, na sua imensa diversidade, é una, composta por pessoas que são homens ou mulheres e tem o mesmo património genético,

 a mobilidade se inscreve desde sempre na História e é um dos direitos consignados na Declaração dos Direitos Humanos,

 “o futuro da Humanidade será comum ou não será” ( Frederico Mayor, Ano Internacional da Alfabetização, 1998),

 as dinâmicas geradas pelas migrações e pela globalização implicam um processo contínuo de aprendizagem – individual e de grupo – que induza a construção de sociedades coesas e plurais, capazes de lidar com a ambiguidade e a incerteza inerentes a estes processos.

foi elaborada, para o público alvo definido pelo Projecto Migrações e Desenvolvimento, a seguinte proposta formativa:

a) – Como ponto de partida, procura-se evidenciar a riqueza da variedade das sociedades humanas. Esta diversidade, física e cultural, de evolução plurilinear, é produto dos inúmeros encontros e cruzamentos provocados pelas migrações ao longo da

História; resulta, naturalmente, da sua enorme capacidade criativa e de adaptação ao meio.

Pretende-se, neste primeiro momento, levar os formandos a perceber e reconhecer que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos, apesar das suas inúmeras diferenças. Dito de outro modo, o objectivo é conhecer/compreender as sociedades multiculturais contemporâneas em que hoje vivemos, a partir da desconstrução das percepções sobre o real.

b) – Num segundo momento, o propósito é desenvolver uma consciência crítica que permita a cada um/a conhecer-se a si próprio/a e estar sensível às diferentes barreiras e quadros de referência culturais que podem impedir ou dificultar o contacto com o/a Outro/a. A abordagem de conceitos como cultura, processos identitários, etc. e os exercícios que tornam evidentes as representações, os estereótipos e os preconceitos, bem como a análise de “incidentes críticos” capazes de produzir “choques culturais” têm essa finalidade.

Conhecer-se a si próprio e compreender os mecanismos que dificultam a comunicação intercultural é a preocupação que orienta esta etapa.

c) – Um terceiro momento procura fornecer pistas e instrumentos facilitadores para uma intervenção social concertada. Através de exercícios sobre os processos de adaptação/integração nas sociedades de acolhimento e sobre os estilos e as etapas da comunicação intercultural introduz-se um novo paradigma de cidadania, integrador e inclusivo, em que a dimensão da interculturalidade se encontra contemplada. Propõe-se, para finalizar um trabalho sobre as “comunidades de prática”, no sentido de induzir a criação de redes de actuação sustentadas entre os técnicos dos vários serviços interventores a nível local, susceptíveis de tentar ultrapassar os bloqueios resultantes das culturas institucionais instaladas. Em síntese, que o trabalho anteriormente desenvolvido possa fundamentar uma intervenção sustentada.

Concepção de Educação Intercultural

A prática da educação intercultural implica uma mudança de paradigma que considera "o outro e o diferente como ponto de partida" (Perotti, 1997)

Esta proposta de formação tem como suporte uma concepção de Educação Intercultural que definimos como:

Toda a formação sistemática que visa desenvolver, quer nos grupos maioritários, quer nos minoritários:

- melhor compreensão das culturas nas sociedades modernas;

- atitudes mais adaptadas ao contexto da diversidade cultural, através da compreensão dos mecanismos psico-sociais e dos factores socio-políticos capazes de produzir racismo;

- maior capacidade de participar na interacção social, criadora de identidades e de sentido de pertença comum à humanidade.

(Ouellet, 1991)

“ O maior benefício que a educação intercultural poderá trazer a uma sociedade diversificada é o da sua própria sobrevivência. Temos de aprender a viver juntos e a entender-nos de modo a criarmos uma comunidade de cidadãos. Se não agirmos neste sentido, procurando humanizar a sociedade, provavelmente não vamos consegui-lo. A história mostra-nos o que aconteceu nalgumas sociedades que não o fizeram. A educação multicultural pode, assim, em última análise ajudar-nos a sobreviver.”

James Banks, Professor de Educação e Director do Centro de Educação Multicultural na Universidade de Washington, Seattle. Entrevista para Multicultural Education, Dezembro de 1993.

A educação intercultural articula-se necessariamente com educação para a cidadania e as iniciativas que promove correspondem a cinco preocupações/valores:

- coesão social (procura de uma pertença colectiva); - aceitação da diversidade cultural;

- igualdade de oportunidades e equidade; - participação crítica na vida democrática; - preocupação ecológica.

(Ouellet, 2002)

Aprendizagem Intercultural

Não é propriamente novidade falar da diversidade cultural, do multiculturalismo, da relação entre culturas, do choque cultural ou até mesmo da aprendizagem intercultural. Não é novidade e não é, para muitos, sequer pertinente. E, no entanto, a aprendizagem

intercultural - aprender a compreender diferentes culturas e a gerir essas diferenças - é

hoje um vector central no trabalho de indivíduos e organizações pela procura de mecanismos de desenvolvimento das sociedades mais justos e mais solidários.

Se insistimos hoje em dia na aprendizagem intercultural é porque acreditamos que um mundo justo, não-violento e democrático só pode ser construído através do diálogo e da compreensão mútua e baseado no respeito incondicional da igualdade entre diferentes culturas - e não através da força, da imposição de culturas dominantes ou da divisão arbitrária entre os bons e os maus, os normais e os outros.

Esta premissa é especialmente relevante no que respeita a âmbitos de trabalho de carácter intercultural. Cada vez mais desenvolvemos acções em contextos multiculturais e cada vez mais as reflexões e os projectos que levamos a cabo são intersectados por esta mesma dimensão intercultural.

Parece-nos pois, neste contexto e no âmbito deste tipo de trabalho, particularmente importante sermos conscientes e estarmos criticamente atentos a dinâmicas por vezes dissimuladas ou camufladas de estereótipos e preconceitos, de intolerância, de dominação de culturas e identidades e de ser capaz – tanto quanto possível – de gerir relações em contextos multiculturais e eventuais conflitos.

Algumas Questões-Chave

Abordar seriamente a aprendizagem intercultural não é, no entanto, uma tarefa simples nem linear; basta querermos desmontar o próprio conceito para que se nos coloquem imediatamente questões como:

§ Quando podemos dizer que duas ou mais culturas estão presentes num mesmo espaço / contexto / situação? O que distingue duas culturas? O que define “cultura”?

§ Admitindo que reconhecemos a presença de duas ou mais culturas num mesmo momento, o que significa a relação entre essas mesmas culturas? Quando podemos dizer que duas culturas se relacionam (e não apenas que essas culturas coexistem)? § Admitindo agora que identificamos e reconhecemos essa relação (inter)cultural, como transformá-la numa experiência de aprendizagem? Aprendemos sempre com a relação entre duas culturas? O que significa a aprendizagem intercultural?

Para qualquer uma destas questões não encontraremos nunca uma resposta fechada e única. Muitos se têm esforçado - estudado, investigado - por encontrar uma resposta sequer. Por isso, mais do que encontrar respostas, interessa-nos definir questões pertinentes e relacionadas com a nossa experiência pessoal; questões essas que

alimentem o nosso processo de desenvolvimento pessoal e colectivo no quotidiano de trabalho específico de cada um.

Através destas propostas de formação, procura-se não só contribuir de forma concreta e pragmática para a uma aprendizagem intercultural mais consistente e alargada, mas sobretudo possibilitar uma espaço de reflexão e desenvolvimento pessoal e colectivo em torno desta problemática. Procura-se fornecer um conjunto de instrumentos que permitam analisar criticamente o nosso trabalho pessoal ou o trabalho das nossas organizações à luz da relação intercultural.

Ficarão certamente muitos conceitos por aprofundar, questões por debater e pistas por explorar.

O objectivo é, no entanto, o de abrir portas e não fechá-las... Fica o desafio.

Nota: São apresentadas neste “referencial” duas propostas de abordagem desta problemática – Interculturalidade A ou Interculturalidade B – com metodologias, opções e cargas horárias diferentes.

Ao/À formador/a caberá apreciar as duas, e não apenas em função do tempo necessário, para escolher a que melhor se adapte ao perfil dos/as destinatários/as e também à sua disponibilidade.

6.3.1

Interculturalidade – Variante A (12 horas)

Metodologias

Conscientes da complexidade inerente a qualquer tentativa de captação da multidimensionalidade dos factos sociais e do consequente risco de leituras e interpretações menos objectivas, parece-nos fundamental reforçar a importância de conceber a aprendizagem intercultural como um processo permanente e contínuo, individual e de grupo, institucional e social, passível de ambiguidades e de constantes reformulações críticas.

Privilegiamos, por isso, as metodologias activas e o esforço de conscientização e análise reflexiva adaptado a aprendentes adultos em formação, pelo que todas as acções são construídas no pressuposto do desenvolvimento pessoal e social (dimensões cognitiva, afectiva e relacional), combinando processos de trabalho em equipa e de reflexão

individual. Procura-se ainda através da simulação de situações facilitar a compreensão

de diferentes pontos de vista.

Muito do que aprendemos é através da modelização, observando e compreendendo os comportamentos de outros, em especial se conduzem a resultados que valorizamos. Esta opção pode funcionar como um guia para a acção, proporcionando a informação e o suporte necessário para empreender uma mudança comportamental.

Em todo este processo, apela-se à experiência dos formandos, como forma de motivar e dar sentido à aprendizagem, como oportunidade de cruzamento de olhares diversificados e de ensaiar a distanciação crítica.

Optamos por este tipo de abordagem por pensarmos que as pessoas admitem mais facilmente a possibilidade de mudar, se forem confrontadas com os seus

comportamentos, atitudes e práticas de forma indirecta, sem se sentirem postas em causa em situação de formação.

Recomenda-se fortemente uma abordagem cíclica das diferentes temáticas e o estabelecimento de “dispositivos” de reflexão e acção que permitam mantê-las presentes nas práticas dos indivíduos e dos grupos envolvidos (“follow-up”).

Porque estas temáticas nos implicam numa aprendizagem reflexiva e contínua, que nos envolve enquanto pessoas e profissionais, junta-se em anexo sugestões bibliográficas de ficção e de filmes.

6.3.2

Interculturalidade – Variante B (18 horas)

Metodologia

Em contextos de trabalho e de vivência multiculturais - como é o meio das migracões, por excelência - o reconhecimento da importância da relação intercultural é particularmente pertinente. É fundamental sermos conscientes e estarmos criticamente atentos a dinâmicas por vezes dissimuladas ou camufladas de estereótipos e preconceitos, de intolerância, de dominação de culturas e identidades. São estas mesmas dinâmicas que muitas vezes se opõem à relação intercultural e que tantas vezes se transformam em pânico para muitos dos homens e mulheres dos nossos tempos dando lugar ao racismo, à xenofobia, à discriminação e ostracismo. Deste ponto de vista, abordar a relação intercultural implica antes de mais questionar-nos sobre:

§ a relação comigo próprio/a - e o medo da perda de identidade

§ a relação com o outro desconhecido - e as imagens estereotipadas e preconceitos em relação aos outros

§ a relação com os outro diferente - e as atitudes e comportamentos discriminatórios § a relação com as minorias - e as comunidades de cultura dominante

Entrar no mundo da aprendizagem intercultural significa pois entrar no mundo da complexidade e da ambiguidade. Esta percepção é em si mesma, e desde logo, uma aprendizagem importante.

Mais do que “aprender sobre as culturas e a relação entre si” a aprendizagem intercultural é uma aprendizagem sobre nós próprios/as e a forma como funcionamos perante o diferente, o desconhecido e o ambíguo.

Conhecendo como funcionamos saberemos mais facilmente encontrar as respostas específicas, adequadas às pequenas situações do quotidiano que nos interpelam. É isto

mesmo que procuramos do ponto de vista pedagógico e metodológico quanto abordamos a aprendizagem intercultural - um questionamento crítico sobre nós e sobre os outros, um espaço de reflexão sobre o nosso desenvolvimento pessoal e colectivo, procurando fornecer um conjunto de instrumentos que nos permitam analisar criticamente e melhorar o nosso trabalho e o conjunto das relações interculturais que estabelecemos no nosso meio específico.

6.4

Intervenção para a Cidadania: Inclusão nos contextos Profissional, Organizacional e Local