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3 IDENTIDADE

3.3 IDENTIDADE GERENCIAL

Os estudos sobre identidade gerencial, em especial, ainda são escassos. No entanto, alguns podem ser destacados.

Pavlica e Thorpe (1998), por exemplo, visando contribuir para o ensino em administração na República Tcheca, analisam a identidade social de administradores tchecos, comparando-os com os britânicos. Eles partem do pressuposto de que o conceito de identidade é estreitamente relacionado ao de cultura e reconhecem que há diferenças significativas culturais entre os dois países. Como conseqüência, partem da hipótese de que tais diferenças afetam as respectivas práticas de gestão de duas maneiras: a forma pela qual os administradores acreditam que devem oficialmente conceituar e descrever seu papel; e o modo como os gestores individuais expressam e, talvez, modificam essa compreensão, à luz de suas experiências e visões. Os autores definem identidade como “algo que pode ser histórica e culturalmente localizado dentro de um sistema dinâmico de discursos interacionais

através dos quais diferentes selves podem ser e são construídos” (PAVLICA & THORPE, 1998, p. 135).

Para alcançar seus objetivos, os autores utilizaram cinco elementos relacionados à identidade gerencial: quem eu sou; quem eu gostaria de ser; características de gerente bem sucedido; características de um gerente menos bem sucedido; e características daquele que não é gerente. Suas conclusões apontam no sentido de que os dois grupos de gerentes percebem a importância social da gestão, tal como a necessidade de desenvolver as habilidades interpessoais, embora os tchecos demonstrem subestimar as necessidades de desenvolvimento das pessoas com as quais trabalham. Da mesma forma, ambos os grupos se percebem diferentes daqueles que não são gerentes. No entanto, enquanto os gerentes tchecos crêem que devem administrar porque seus subordinados são preguiçosos ou incompetentes, os britânicos acreditam que gerenciam em função da necessidade de interação e comunicação eficiente e racional entre diferentes pessoas na sociedade (PAVLICA & THORPE, 1998).

Além disso, os autores mostram, ainda, que as práticas de gestão trazem conflitos e controvérsias sociais, o que implica uma educação gerencial voltada mais para os aspectos comportamentais do que técnicos. Assim, os gerentes não deveriam considerar as habilidades interpessoais apenas para manipular os outros, mas como uma arte social complexa ou como uma abordagem holística na qual a complexidade das situações interpessoais vem à tona. Assim, os autores concluem: a natureza da gestão é holística; há relação entre as habilidades gerenciais e práticas culturais; e todos os perfis internacionais de gerentes compõem um discurso modernista de definição gerencial (PAVLICA & THORPE, 1998). Em outras palavras, a identidade gerencial é construída conforme contextos específicos de ação, a despeito dos papéis e perfis formais que lhe são atribuídos.

Linstead & Thomas (2002), discutem o processo de construção da identidade de gerentes – homens e mulheres – em uma empresa que passou por reestruturação. Seu foco

consiste nas formas como eles constroem sua identidade, entendida esta como sendo, muitas vezes, paradoxal, fluida, inconsistente e emergencial. Tal como Reed (1997), as autoras entendem que os estudos tendem a considerar os gerentes como entidades homogêneas e passivas, ao invés de agentes que constroem, resistem e desafiam as subjetividades que lhe são oferecidas. Além disso, reconhecem que os estudos também tendem a mascarar as diferenças de gênero, implicando uma suposta neutralidade de gênero, portanto.

Segundo as autoras, os gerentes entrevistados revelaram em seus depoimentos a natureza paradoxal de sua construção de identidade, construídas em termos da conjunção passado-futuro, no sentido de que posições assumidas em eventos prévios forneciam vantagens para eventos futuros. Além disso, os entrevistados buscaram legitimidade e segurança a partir de experiências anteriores de reestruturação – mais estáveis do que a última – ao construírem discursos de performance adequados à empresa. Assim, os gerentes desenvolveram a identidade como uma máscara, como um recurso para participar da tensão existente entre o que a organização esperava deles e o que estes querem ser no futuro. Em resumo, as autoras mostram os sentimentos de fragilidade da identidade entre os gerentes entrevistados e a forma como eles procuram dar sentido e legitimidade para seus papéis (LINSTEAD & THOMAS, 2002).

Thomas e Davies (2005), nessa mesma direção, discutem a produção de significados e subjetividades no âmbito da chamada “Nova gestão pública britânica” (New Public Management – NPM) e o modo como os indivíduos constroem suas identidades gerenciais. Em razão de o serviço público britânico vir passando por transformações há cerca de duas décadas, o que implica a redefinição de sua força de trabalho, as autoras entendem a NPM como um projeto identitário. Tal projeto é viabilizado por meio de novas tecnologias disciplinares desenhadas para inculcar novos valores, atitudes, prioridades e auto- entendimento entre os profissionais de serviço público. Na pesquisa das autoras, isso vem

acarretando uma construção da identidade, ainda que de forma difusa e por vezes contraditórias, cujas características são: subjetividade gerencial (indivíduo estratégico e possuidor habilidade de liderança), subjetividade competitiva-masculina (indivíduo agressivo e orientado para objetivos), subjetividade sem energia ou força (disempowered subjectivity) e inquestionável (indivíduo leal ao “novo regime”) e subjetividade feminilizada (indivíduo que possui “habilidades femininas de liderança”, tais como aconselhamento, orientação e suporte) (THOMAS & DAVIES, 2005).

Em artigo anterior, as autoras discutem particularmente a questão de gênero na gerência de organizações públicas, mostrando que o discurso acerca da NPM não é unificado nem totalmente coerente e que os profissionais vivenciam tal situação de forma bastante variada, pois eles não são passivos nem meros recipientes dos discursos de reestruturação, ressaltando que as pesquisas deste tipo não devem apenas distinguir o que é ser homem ou mulher, ou gestor público. Ao contrário, deve enfatizar “a importância da presença de múltiplas vozes e a necessidade de representar a multiplicidade e a complexidade da experiência individual na análise da mudança do setor público” (DAVIES & THOMAS, 2002, p.480).

Hill (1993) demonstra empiricamente como os novos gerentes – aqueles que estão no começo de sua carreira, há cerca de um ano – constroem sua identidade ao longo do tempo e durante o exercício das atividades gerenciais. Em resumo, os indivíduos que assumem a função gerencial têm de lutar contra as tensões da transformação, abandonando atitudes e hábitos conservados e passando a experimentar novas maneiras de pensar e de ser.

O processo de construção da identidade envolve, basicamente, quatro aspectos fundamentais que ocorrem de forma sequencial: “aprender o que significa ser gerente; desenvolver julgamentos interpessoais; adquirir auto-conhecimento; e lutar contras as tensões e emoções” (HILL, 1993, p. 6).

Segundo a autora, o aspecto do aprendizado se refere à preparação para o exercício da função, à conciliação de expectativas (do próprio gerente, de colegas, subordinados e superiores) e ao caminho rumo à identidade gerencial. O novo gerente sai de um primeiro momento em que faz uso intenso de sua posição formal, focando prioritariamente em si mesmo e desconsiderando as mais diversas expectativas, até o momento em que percebe e começa a agir no sentido de assumir as responsabilidades básicas gerenciais: fixar agendas e estabelecer redes de trabalho.

No segundo aspecto, o novo gerente desenvolve sua capacidade de julgamento interpessoal. Buscando credibilidade e comprometimento em vez de meramente emitir ordens, passa a considerar a diversidade dos indivíduos ou seja, passa a agir mais como líder.

No terceiro aspecto, o gerente passa a observar suas próprias fraquezas e virtudes, a se perguntar por que ele se tornou gerente e se realmente reúne as condições para exercer a função. O indivíduo já sente, avalia e pensa como gerente. Ou seja, sua identidade está em plena transformação.

Por fim, o último aspecto observado é a luta contra as tensões e emoções, no sentido de que assumir um cargo desta natureza implica lidar com uma série de tensões, medos, conflitos e ambigüidades, que são fontes permanentes de stress e afetam, inclusive, a vida familiar (HILL, 1993).

O que se percebe da pesquisa da autora é que, de fato, a identidade é um processo permanente que não possui regras definidas, mas que guarda forte relação com o ambiente e com a organização na qual o indivíduo está inserido. Em outras palavras, envolve tanto um processo de socialização quanto um processo de aprendizagem e implica um grande envolvimento físico e psíquico.

Brito (2004) analisa o processo de construção da identidade da enfermeira no exercício da prática gerencial, tendo em vista os novos modelos de gestão dos hospitais. A pesquisa

demonstra que, cada vez mais, o profissional de enfermagem vem assumindo papéis e funções gerenciais dentro dos hospitais, delineando, portanto, uma nova configuração identitária. Tal identidade possui aspectos tanto valorativos quanto depreciativos. No primeiro caso, destacam-se a competência administrativa e a gerencial das enfermeiras, enquanto no segundo foram ressaltadas as dimensões culturais e as experiências de relações de poder e de gênero, o que reforçou a persistência de alguns estereótipos tradicionalmente ligados à enfermeira.

Segundo a autora, a expressão subjetiva da identidade das enfermeiras-gerentes revelou três estágios distintos – a crise de identidade, a fase de transição e a fase de equilíbrio –, que refletem as singularidades da vivência das enfermeiras e os diferentes estágios em relação ao desenvolvimento e exercício da função gerencial. No caso dos hospitais pesquisados, eles se encontravam em processo de mudança, o que certamente contribuiu para a intensificação de contradições na configuração identitária das enfermeiras, ao lhes imputar a ampliação de seu espaço de trabalho e a incorporação de ferramentas e instrumentos norteadores do exercício das suas práticas gerenciais (BRITO, 1994). Em outras palavras, de uma atividade basicamente assistencial, a enfermeira passa a ter que desempenhar atividades gerenciais, deslocando o foco de sua atuação original para o qual foi preparada.

Com efeito, percebe-se pelos estudos delineados que a identidade envolve um contexto específico de ação cheio de situações ambíguas e conflitantes, bem como a forma como cada indivíduo lida com tais situações, na medida em que não é um mero expectador das demandas e das injunções que lhe são colocadas. Ao contrário, o gerente é um ser reflexivo que, de algum modo, estabelece uma espécie de negociação com seu ambiente e contexto, de modo a construir ativamente sua identidade. No entanto, antes de discutir o contexto específico de ação dos gestores universitários – a universidade –, segue-se uma proposição metafórica para se conceber o conceito de identidade.