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7 PESQUISA QUALITATIVA

7.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA QUALITATIVA

7.1.1 Identidade, Possibilidades e Limites do Ensino Médio em Relação à

Para todos os gestores entrevistados, o ensino médio no Distrito Federal tem como foco principal a preparação para os exames de acesso ao ensino superior, especialmente Enem e PAS. Eles afirmam haver uma excessiva valorização da formação acadêmica devido a fatores culturais da educação que interferem, também, nas expectativas das famílias. Isso é intensificado por meio de um currículo cujos conteúdos são pautados nas avaliações de acesso ao ensino superior. Todos se manifestam críticos a este modelo, mas não enxergam alternativas. Justificam que o sistema educacional induz as escolas a agirem tendo a preparação dos estudantes para que obtenham os melhores resultados possíveis nas avaliações de acesso à universidade.

Os gestores reconhecem que esse modelo não é adequado para a realidade de muitos estudantes, já que apenas a minoria seguirá para o nível superior no curto prazo. Ainda assim, sentem-se pressionados a manter o modelo de preparação para o ensino superior, pelas famílias, docentes, Secretaria de Educação e, também, pelos indicadores de acesso ao ensino superior, como, por exemplo, a média de pontos dos estudantes da escola que participam da avaliação do Enem, a qual funciona, de certa forma, com indicador da qualidade de ensino.

Eles destacam o fator cultural como responsável pela crença de que o sucesso do estudante do ensino médio é o ingresso no ensino superior. Como esse fator é corroborado pelo sistema educacional que, explícita ou implicitamente, induz a esse modelo, as escolas ajustam seus currículos para atender a esse objetivo. Além disso, as possibilidades criadas pelo sistema de cotas de vagas em universidades públicas ampliam as chances de os estudantes das escolas públicas ingressarem no ensino superior, estimulando as escolas a alcançar o maior número possível de estudantes aprovados. Para alguns gestores, a quantidade de estudantes que logram êxito no acesso ao ensino superior e a média das notas obtidas pelos estudantes se transformaram em indicadores de qualidade da escola e passaram a ser usadas como estratégia de marketing para promover o prestígio da escola, similar ao que ocorre com as escolas privadas.

A seguir, são apresentados trechos das falas dos entrevistados sobre esse tema:

O foco hoje é basicamente preparação para as provas do Enem. [...] o aluno sai do ensino médio, a meu ver, com uma preparação muito restrita. (G3) Não sei ver a questão de profissionalizar como uma questão para o ensino médio. A visão é continuidade da vida acadêmica. (G2)

Quando você vai para a LDB tem que inserir a formação do trabalho, é a principal função, mas eu não vejo. (G3)

... então eu vejo essa crise: nós não estamos preparando nem para a questão acadêmica e nem para o ensino técnico. (G1)

Eu vejo hoje uma preocupação na formação desse jovem para o mercado trabalho. Há uma preocupação geral do governo, dos professores, dos pais. Essa preocupação aumentou. (G4)

Com relação à identidade e às possibilidades e limites da preparação para o trabalho no ensino médio, as falas dos entrevistados evidenciam que a preparação para o trabalho não está presente nas escolas de ensino médio, sendo até mesmo ignorada nos currículos escolares, focados exclusivamente nas avaliações de acesso ao ensino superior. A maioria dos gestores compreende a preparação para o trabalho como sinônimo de profissionalização e, portanto, atribuição de escolas de formação técnica e profissional. Propõem que sejam criadas mais escolas e cursos técnicos para assumir a formação profissional dos estudantes do ensino médio, enquanto à escola de ensino médio caberia, exclusivamente, a formação acadêmica. Fica evidente a reprodução do sentido dual da escola, sustentando que deve haver uma outra escola responsável pela preparação para o trabalho e a profissionalização.

Pode-se se supor que a busca pelo sucesso dos estudantes no ingresso no ensino superior é, também, uma forma de promoção da imagem de escola, de qualidade, o que lhe confere maior prestígio. Não se identificam ações voltadas para o ingresso no mundo do trabalho, por exemplo, para os estudantes que não priorizam o ingresso no ensino superior. Pelo que se observa, até então a preparação para o trabalho no ensino médio não é um indicador de qualidade das escolas.

Recentemente, o Inep informou que, a partir deste ano, 2017, não divulgará publicamente a lista de escolas com as respectivas média de pontuação em cada área avaliada. Tal informação é útil apenas para o processo de análise e aperfeiçoamento da escola, mas a publicidade com caráter de ranking unificado de

escolas cria uma forma artificial de comparação entre as escolas, sem gerar nenhum benefício concreto.

Os gestores compreendem que os estudantes precisam de formação que os prepare para o mundo do trabalho, mas veem limites para que o ensino médio possa desenvolver esse tema da preparação para o trabalho e seus currículos, ou mesmo questionam se essa seria, de fato, uma atribuição do ensino médio. Eles percebem maior atenção da sociedade com o tema da preparação para o trabalho. A formação técnica e profissional surge como caminho para tratar a questão. Para isso, defendem ser preciso aumentar a oferta de ensino técnico no Distrito Federal.

Os gestores entrevistados reproduzem o paradigma da dualidade escolar, sugerindo a divisão entre escola de formação geral, científica e humanista, voltada para o acesso ao ensino superior, e a escola técnica profissionalizante, que trate as questões do mundo do trabalho. O trabalho não é visto como princípio educativo, capaz de se integrar ao ensino científico e tecnológico e promover a relação entre teoria e prática nos currículos do ensino médio. Não se trata de uma visão isolada dos gestores, mas algo que está presente na cultura do país e é reproduzido no sistema educacional.

7.1.2 Identidade, Possibilidades e Limites do Ensino Médio em Relação à Preparação (Docentes)

Praticamente todos os docentes entrevistados reforçam a visão dos gestores. Eles questionam a identidade do ensino médio e reconhecem a complexidade da sua dupla função de preparar para o ensino superior e para o mundo do trabalho. Para os docentes entrevistados, o foco atual do ensino médio é a preparação para o ingresso no ensino superior, embora alguns destaquem os problemas de qualidade do ensino como um fator que dificulta o êxito nesse sentido. Da mesma forma que os gestores, eles analisam a dimensão do trabalho pela ótica da dualidade escolar, e a maioria dos entrevistados atribui ao ensino técnico e profissional a responsabilidade pela preparação para o trabalho.

Os docentes reconhecem que a realidade atual do ensino médio é inadequada para a necessidade dos estudantes, por isso eles procuram destacar os bons resultados dos estudantes que ingressam no ensino superior, particularmente

na UnB. Tal estratégia ajuda a manter a autoestima e o sentimento de que a escola está fazendo um trabalho de qualidade. Quanto aos estudantes que não ingressam no ensino superior, são relatados alguns casos de egressos que trabalham em atividades que não demandam formação de nível médio. Uma parte dos docentes justifica que a rotina da escola voltada para a preparação para os exames de acesso ao ensino superior consome todo o tempo e que a preparação para o trabalho não é tratada diretamente na escola.

A seguir, são apresentados alguns trechos das falas dos entrevistados sobre esse tema:

O ensino médio está sem identidade. Não forma nem pra vida nem para o vestibular nem para o mercado de trabalho. (D1)

... [o ensino médio] tem que atender todo tipo de público. Seja para o aluno que queira dar prosseguimento dos estudos superiores, seja para os alunos que queiram mais a formação técnica e depois pensar em dar prosseguimento no estudo. O que falta hoje é oferecer possibilidades que atendam aos vários públicos dos alunos do ensino médio. (D2)

O foco do ensino médio hoje é preparar para a universidade. (D2)

A preparação para o trabalho na escola pública de ensino médio coloca uma questão: será que o aluno da escola pública não tem direito de entrar na universidade? (D3)

[É importante] não tirar do aluno o sonho do ensino superior. (D3)

... [o estudante] não tem uma formação que lhe permita brigar por uma vaga na universidade com alunos de escola particular, mas também não tem uma capacitação para ser inserido no mercado de trabalho. (D4)

Atualmente não há nenhuma preparação para os alunos no campo do trabalho. [...] os nossos alunos estão despreparados até mesmo para esses empregos considerados, entre aspas, subalternos. (D6)

Com relação à identidade do ensino médio e suas possibilidades e limites no que tange à preparação para o trabalho, a maioria dos gestores e docentes entrevistados reproduzem a visão da dualidade escolar em suas falas. Os relatos da maioria dos docentes deixa evidente a ênfase do ensino médio enquanto instrumento de preparação para o acesso ao ensino superior e a falta de estratégia pedagógica e didática para abordar o tema da preparação para o trabalho nas escolas.

Alguns docentes questionam se a preparação para o trabalho ou a formação técnica não seria uma forma de a escola restringir as possibilidades dos estudantes das escolas públicas. Há receio de que a formação técnica e profissional para os

estudantes das escolas públicas venha a comprometer as chances de ingresso dos estudantes no ensino superior posteriormente. Um dos docentes sinaliza que a formação técnica para o ensino médio público poderia favorecer os estudantes das escolas privadas no ingresso ao ensino superior, pois eles estariam sendo preparados exclusivamente com esse objetivo, enquanto o estudante da escola pública precisaria dividir o seu tempo de aprendizagem com a formação profissional.

Embora se saiba que a maioria dos estudantes que concluem o ensino médio não ingressa no ensino superior, os docentes entrevistados compreendem que os currículos do ensino médio refletem a organização do sistema educacional que estimula a dimensão de preparação acadêmica no ensino médio e, muitas vezes, ignora as reais necessidades dos estudantes. Não se concebe uma forma que admita o cumprimento das finalidades do ensino médio, tendo-se o trabalho como princípio educativo, que leve à preparação para o trabalho sem prejuízo do desenvolvimento intelectual e moral dos estudantes, de forma que estejam aptos a ingressar no ensino superior, se assim for do seu desejo.

7.1.3 Preparação para o Trabalho: Currículo; Orientação Vocacional; Estágios;