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7 PESQUISA QUALITATIVA

7.2 PRINCIPAIS ACHADOS DA PESQUISA QUALITATIVA

A realização da pesquisa qualitativa junto aos gestores e docentes possibilitou um conhecimento aprofundado sobre como eles pensam e atuam, o que foi um importante subsídio para compreender a organização atual do nível médio e os limites e possibilidades para que o ensino médio do Distrito Federal possa desenvolver a dimensão do trabalho, tendo o trabalho como princípio educativo.

Algumas constatações podem ser exploradas na perspectiva de limites ou possibilidades em relação à preparação para o trabalho nas escolas. Foram abordados os seguintes temas: 1) Identidade, possibilidades e limites para a preparação para o trabalho no ensino médio; 2) Aspectos concretos da preparação para o trabalho (organização do currículo; orientação vocacional; estágios; diálogo

com o setor produtivo etc.), tanto na visão do entrevistado quanto na forma como é realizada na escola; 3) Preparação para o ensino superior; 4) Indicadores educacionais; 5) Processo de trabalho da escola; 6) Trabalho docente.

Dentre os diversos achados obtidos pela pesquisa qualitativa, serão destacados os que foram considerados mais relevantes nessa etapa do estudo:

1) As entrevistas com grupos distintos de gestores e de docentes tiveram o propósito de identificar as eventuais diferenças de percepções entre profissionais em função dos papéis que desempenham, embora os gestores sejam também docentes. Nos temas em que prevaleceu a opinião do entrevistado a partir da sua experiência profissional, como a questão da identidade do ensino médio e as possibilidades quanto à preparação para o trabalho no ensino brasileiro, foi possível notar algum grau de distinção em seus posicionamentos. No entanto, na questões relacionadas à realidade das escolas dos entrevistados, não se observaram distinções nas opiniões de nenhum dos grupos que justificassem destacá-las separadamente.

2) Os gestores demonstram maior atenção aos desafios de se ofertar um ensino médio que atenda melhor às necessidades dos estudantes em função dos diferentes perfis de público da escola. Embora esse fator também tenha sido contemplado pelos docentes, eles pareceram vislumbrar maiores dificuldades em termos de adequação do ensino ou mudanças no modelo de ensino médio. Com relação à preparação para o trabalho, tanto gestores quanto docentes entendem que não é algo que vem sendo feito no ensino médio, mas que é necessário. Mas, para a maioria dos docentes entrevistados, essa questão não seria uma atribuição do ensino médio e sim das escolas de formação técnica e profissional. Os gestores parecem enxergar a preparação para o trabalho como possibilidades para que haja avanços na escola de ensino médio não profissionalizante. Já na ótica dos docentes, a dimensão do trabalho se aproxima mais dos limites do ensino médio, requerendo grande esforço para que haja mudanças. Fica mais evidente entre os docentes o sentido de que o ensino médio deve preparar os estudantes para seguir na carreira acadêmica, ingressando no ensino superior. Nos demais temas da pesquisa, os quais envolveram questões próprias de suas escolas, de maneira geral, gestores e docentes apresentaram percepções similares.

3) Pensava-se que a abordagem do trabalho no ensino médio poderia ser recebida com certo nível de rejeição pelos entrevistados, já que a cultura das escolas de ensino médio é de prestigiar o ensino acadêmico. No entanto, constataram-se diversas críticas ao modelo atual de ensino médio e uma boa receptividade quanto às possibilidades que a dimensão do trabalho poderia trazer. Ao mesmo tempo, ficou evidenciado que as escolas não saberiam o que fazer para incorporá-lo. A visão da dualidade escolar levou vários dos entrevistados a apontar a formação técnica e profissional como responsável por abordar a preparação para o trabalho dos estudantes no ensino médio.

4) O foco de todas as escolas entrevistadas é a preparação para o ensino superior. Esse direcionamento retrata a marca do fator cultural, refletido no modelo do sistema educacional e no desejo de uma parcela das famílias, dos docentes e da escola. Além disso, a utilização dos resultados dos estudantes no Enem como indicador de qualidade das escolas de ensino médio, refletidos em ranking com pontuação das escolas, levou a distorções na atuação das escolas públicas em relação à preparação para o ensino superior. Ao invés de os resultados do Enem servirem para orientar o trabalho das escolas, passaram a determiná-lo. Os entrevistados afirmam que, na prática, os conteúdos abordados no ensino médio estão sendo determinados pelos temas cobrados nas avaliações de acesso ao ensino superior, como Enem e PAS. Assim sendo, as escolas passaram a criar estratégias visando a melhorar os resultados dos estudantes nas avaliações, incluindo em seu princípio educativo o modelo típico de instituições que fazem cursos preparatórios para o acesso ao vestibular.

5) Os entrevistados reconhecem que o modelo atual do ensino médio é inadequado para a maioria dos estudantes. Relatam que, apesar dos esforços de preparação para o acesso ao ensino superior, o número de estudantes que ingressam é muito baixo. Afirmam não serem incomuns casos de estudantes que conseguiram aprovação em universidade pública por terem feitos cursos pré- vestibulares concomitantemente à formação do ensino médio.

6) O trabalho não é percebido como um princípio educativo. Assim sendo, não há associação entre ciência e trabalho, ensino contextualizado e teoria e prática nos

currículos, que são desenvolvidos, em sua maioria, via modelo tradicional, apenas conteudista.

7) A preparação para o trabalho é entendida, predominantemente, com o sentido de profissionalização e não como competência da escola de ensino médio, mas das escolas técnicas e dos IFs, que possuem infraestrutura e professores específicos para tal. Alguns docentes demonstram receio quanto à formação técnica pelo fato de ela estar associada ao trabalho manual. A maioria deles relata que o caminho de sucesso dos estudantes é o ingresso no ensino superior. O caminho da educação profissional ou do acesso ao mundo do trabalho pode ser uma opção em função da falta de condições materiais ou intelectuais dos estudantes. Portanto, reproduzem o paradigma do preconceito com relação às atividades associadas ao trabalho manual, conforme denominado na literatura de divisão técnica e social do trabalho.

8) A maioria dos entrevistados reconhece que poucos estudantes ingressam imediatamente no ensino superior e que o mundo do trabalho é o caminho seguido pela maior parte dos estudantes. Além disso, as condições sociais e a falta de preparo para o trabalho leva muitos estudantes a desenvolverem atividades profissionais informais ou relacionadas ao subemprego. Ao refletir sobre as condições sociais e a realidade da maioria dos estudantes, praticamente todos os entrevistados reconhecem que o modelo do ensino médio voltado exclusivamente para a preparação para o acesso ao ensino superior é insuficiente e não considera as reais necessidades dos estudantes.

9) Na maioria das instituições que participaram da pesquisa, parece predominar a cultura de manutenção do modelo tradicional de ensino e funcionamento da escola. Apenas a escola que participa do Programa Ensino Médio Inovador se mostrou mais integrada à dinâmica de mudanças tecnológicas e pedagógicas.

10) Com relação ao processo de trabalho das escolas entrevistadas, não se verificou a utilização de indicadores educacionais com fins pedagógicos. Indicadores de evasão e retenção existem, mas parecem ser subutilizados como instrumento de intervenção para a melhoria do processo de ensino. Não há estudos sistematizados de egressos em nenhuma das escolas entrevistadas. As escolas não sabem o que

ocorre com os estudantes após a conclusão dos cursos, ou seja, o produto do seu trabalho é desconhecido. O diálogo com outras instituições, incluindo o setor produtivo, e a articulação para estágios para os estudantes não são ações desenvolvidas nas escolas.

11) A maioria dos docentes parece se adequar ao modelo tradicional de funcionamento das escolas. Embora sejam promovidas ações de capacitação, pela Eape, envolvendo a utilização de tecnologias educacionais, ainda há muito a ser explorado pelas escolas em relação ao uso das tecnologias educacionais com fins pedagógicos. Os docentes não tiveram formação que lhes permita estabelecer estratégias pedagógicas que possibilitem a integração da ciência, tecnologia, cultura e trabalho, conforme estabelecido nas Diretrizes Curriculares do Ensino Médio (BRASIL, 2012a). Além disso, as dificuldades enfrentadas na rotina do trabalho podem estar levando uma parcela dos docentes a perder o entusiasmo com ações inovadoras no processo de ensino e optar por continuar atuando da forma tradicional.