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Identidade Profissional: uma Transação Relacional

e um Processo de Construção Identitária

4. Identidade Profissional: uma Transação Relacional

Temos vindo a abordar variadas interações que se estabelecem em contexto de trabalho. Sentimos, no entanto, necessidade de as particularizar, isto é, de destacar os agentes directamente em interação com o indivíduo, tentando desocultar as relações que mais profundamente contribuem para a construção das suas identidades profissionais. Deste modo passaremos a abordar o processo relacional com as crianças, com os pais e com os parceiros do Io ciclo do ensino básico. Aproximamo-nos assim, da ideia defendida, por Moita (1993: 61), quando refere que:

(...) há uma grande variedade de relações que se estabelecem. Há nessas relações uma actividade de automação e de transformação vividas entre a tensão e a harmonia, a distância e a proximidade, a integração e a desintegração. A pessoa é o elemento central, procurando a unificação possível e sendo atravessada por múltiplas contradições e ambiguidades.

As relações assumem, pois, um lugar preponderante com uma particular relevância nas lógicas de reconhecimento que, na perspectiva de Dubar (1997: 76), são uma ...resultante constante da dupla transação identitária que inclui uma transação subjectiva ou biográfica e uma transação objectiva e relacional.

Esta dupla transação marca, a identidade social e constitui-se nas duas grandes categorias de análise para a operacionalização do conceito de identidade profissional {ibidem). Valoriza-se assim, as interacções, as normas de cooperação e de discussão e todas

as trocas subjacentes a este agir comunicacional que estrutura interacções entre os indivíduos numa relação global e completa: acção e comunicação (Dubar, 1999).

Nestas dinâmicas interactivas, as educadoras sofrem transformações pessoais e constroem identidades para si. Deste percurso transformador, nos dá conta a educadora Ana que, inicialmente, afirmava: Nunca me passou pela cabeça ser educadora.. (Ana, Anexo II)

Tendo em conta o percurso transformador por si vivido, Ana afirma, hoje: (...) foi ver-me crescer a mim própria, e eu a sentir que estava a crescer profissionalmente... e pronto fui crescendo; hoje continuo a estudar..., gosto de estudar e

EDUCADORAS D E INFÂNCIA: Identidades Profissionais em Re/construção

4.1. A Necessidade de Interacção dos Educadores da Infância com

os Parceiros do I

o

Ciclo do Ensino Básico

Esta abordagem justifica-se tendo em conta que os educadores desde sempre e cada vez mais interagem com vários níveis de ensino e com vários parceiros educativos. Esta diversidade de interacções tem sido fruto de múltiplas abordagens. Como refere Johnston, (cit Formosinho, 2000),

(...) a investigação empírica tem vindo a salientar que as educadoras identificam, por contraste com os professores do ensino primário, as relações e interacções com os seus auxiliares e suborãnados na sala

de aula, as interacções com psicólogos e assistentes sociais, a interacção com as mães e com aspais, como uma característica especifica da sua profissão .

Os argumentos transcritos, bem como a referência constante que as nossas entrevistadas fazem aos professores, tornam relevante esta abordagem inter-relacional, já que temos como questão central o facto de a construção da identidade dos educadores de Infância ter vindo a ser construída por oposição ou distanciamento a estes profissionais.

A educadora Helena tem experimentado interacções pouco positivas:

(...) o ano passado tive um projecto com o 1° ciclo que foi um desastre... As educadoras, para eles, eram uma espécie de "ovelhas ranhosas" que têm a mania que sabem fa^er umas coisas muito giras... uns trabalhitos... (Helena, Anexo II).

N o entanto, aproveita estas situações para defender a sua identidade. Usando uma argumentação convincente, sempre tentou fazer valer as suas ideias: (...) primeiro como pessoa e

colega de trabalho e depois como educadora... tinha que argumentar sempre duas ve%es... (ibidem).

Os aspectos diferenciadores destas profissões são constantemente debatidos e geradores de alguns mal entendidos. Torna-se importante clarificar e tornar consensual os fins e a utilidade da educação e do atendimento à infância, por forma a distinguir a acção destes dois profissionais36. Eles têm funções específicas e complementares.

N o entanto, se por um lado se tentam autonomizar face aos outros parceiros, tentando construir o seu campo de acção especifico, os educadores por outro lado tendem,

36 O confronto/reconhecimento com os parceiros do ensino básico tem sido marcante desde que se iniciou o curso de educadores de

infância, até aos dias de hoje. E m 1928, o Decreto Lei já citado (16.037) estabelece a diferenciação entre o ensino primário e o ensino infantil, ou seja, a formação destes profissionais passaria a fazer-se de forma distinta, assente em modelos de formação diferentes. N o entanto algumas das escolas de formação continuaram a formar estes dois profissionais com modelos de formação similares, não distinguindo a diferença de papéis. As tentativas de aproximação e afastamento destes profissionais entre si têm sido uma constante ao longo dos tempos.

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por outro lado, a invadir o espaço da escolarização formal que, na maior parte dos casos, se constitui numa precoce aluni^ação da criança. Tal como Luísa nos diz:

(...) a espeáfiádade da educação de infânàa reside em atitudes simples, de acordo com a idade da criança, como seja... pegar pela 1 " vev^ num lápis, num livro, aprender a falar..., a relacionar-se com os outros pares...; esta especificidade não se pode perder..., fa% parte do desenvolvimento da criança!

(Luísa, Anexo II ).

Completando esta ideia, acrescenta efusivamente e com certezas: (...) isto é o currículo da educaçãopré-escolar..., não há dúvida nenhuma! (Ibidem).

A confusão de papéis a que estas profissionais estão sujeitas, quer por factores internos de afirmação de identidade quer por factores externos, que têm a ver com as pressões sociais em torno dos saberes escolarizantes, parece tornar difícil uma relação que só lucraria com o diálogo e com o encontro de perspectivas. Isto facilitaria, aliás o processo de transição entre a educação de infância e o Io Ciclo do ensino Básico.

N o entender da educadora Ana, (...) os professores do ensino básico começam a reconhecer os educadores como profissionais de educação também... (Ana, Anexo II).

Consequentemente, as educadoras não são meras entreteiners. Comparando o seu trabalho com o dos colegas do Io ciclo, diz Alcina (...) o nosso trabalho pode parecer uma brincadeira..., mas é uma brincadeira onde as crianças aprendem muita coisa! (Alcina, Anexo II).

Estabelecendo a comparação entre os diferentes ciclos, Luísa reforça a opinião de Alcina - diz:

(...) o professor leva muitas ve%es as crianças a perceberem — muitas ve^es erradamente — que o sol nasce num sítio e se põe noutro..., pois nenhum educador está preocupado com isso. Falam-lhe do poente, mas não vão ver..., não põem um pau no pátio para marcar onde estava a sombra de manhã ou

de tarde..., ninguém faí^ isso... Quem ofa% são os educadores de infância! (Luísa, Anexo II).

A diferença entre os educadores e os professores está bem marcada neste discurso. Reforça a ideia de que é nas semelhanças e diferenças que vão forjando a sua identidade profissional. Confirmando esta perspectiva, Hegel refere que

Cada um é o mesmo que o outro naquilo em que se opõe ao outro. Distinguir-se do outro é, pois, para ele, supor-se como sendo o outro,e há ai precisamente um conhecimento (...) pelo facto de a sua oposição parecer voltar-se para a identidade para si, dito por outras palavras, ele sabe ser ele mesmo nesta forma

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Os tempos têm conferido ao educador uma identidade frágil. Grande parte das vezes, o educador tenta extrair os seus constrangimentos de outras fontes exteriores, como é o caso dos professores do Io ciclo do ensino básico, tal como temos vindo a salientar (Formosinho, 2000).

Habermas considera que se começa aqui uma nova face do processo de identificação profissional, pois inicia-se uma luta pelo reconhecimento, uma luta que pretende sustentar a identidade para si (cit. Corrolo, 1997).

Do confronto e da proximidade entre estes profissionais nasce, por vezes, uma confusão de papéis, quer por parte da sociedade em geral quer, muitas vezes, pelos próprios profissionais. As educadoras do oficia, são vulgarmente chamados de professores. Constatamos que raramente se preocupam em desfazer esse equivoco, ao contrário dos educadores do privado, autárquico e IPSSs, que, normalmente, são apelidados de educadoras.

Poderá esta confusão ser atribuída à crescente proximidade jardins de infância do oficial relativamente às escolas do Io ciclo, à sua integração em agrupamentos, ou poderá ser pelo facto de a designação de Pré-Escolar ser conotada como forma de preparação para a escola, formal?

Será antes, pelo facto de, nos discursos políticos, se atribuir normalmente a função de guarda e assistencial aos privados, autárquicos e IPSSs, e a função educativa aos jardins de infância do oficial?

São questões cuja resposta é difícil, mas que nos levam a reflectir sobre a valorização ou desvalorização de estatuto a que o educador tem vindo a ser sujeito. Se as educadoras continuarem à espera de valorização vinda do exterior e não conseguirem ser detentoras, pública e reconhecidamente, de um saber profissional especifico, é provável que nunca venham a ter a valorização pretendida, nem a devida compreensão. Só os educadores podem quebrar o efeito circular deste processo; talvez só a própria classe o possa descobrir. E pode descobri-lo na interação com os múltiplos agentes socializadores e atribuidores de identidade, pois é através deles que o papel desempenhado pelo indivíduo é reconhecido e considerado útil, segundo uma determinada forma ou modelo. Neste enjeu relacional e de influências, desenvolve-se um processo de incorporação identitária (Costa, 1999).

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4.2. Interacções Entre Pares: com Colegas do Mesmo Ofício

Após a abordagem realizada em torno da relação entre os educadores e os professores do Io Ciclo do E.B, consideramos que não é menos importante a análise das visões relacionais e profissionais que as entrevistadas têm dos seus pares. Este aspecto aparece muito vincado no discurso das educadoras entrevistadas. Mostram-se bastante críticas relativamente aos seus pares, o que leva Luísa a afirmar: (...) o que eu vejo, é muitas ve%es os educadores a contornarem a resposta... (Luísa, Anexo II).

Atribuindo a falta de reconhecimento que, por vezes, o educador possui, às suas próprias atitudes, Luísa acrescenta ainda: (...) acho que alguns colegas nossos não investem como profissionais e, portanto, correm o risco de ser mal vistos! (ibidem).

Segundo a nossa entrevistada, muitos dos seus colegas não investem o suficiente na sua formação e na sua profissão, e deveriam fazê-lo. De uma forma explícita, Luísa culpabiliza alguns dos seus pares pela representação negativa da profissão, já que estes deveriam estar preparados para argumentar/fundamentar a importância do seu trabalho.

Helena e Ana partilham desta opinião, uma vez que defendem uma adequada argumentação do trabalho, bem como uma adequada argumentação face aos outros.

Rute possui também uma atitude crítica face aos seus pares, embora aqui a perspectiva seja diferente das anteriores, já que esta educadora, enquanto proprietária de um jardim de infância, se encontra numa posição diferente, o que faz com que tenha uma visão empresarial sobre o assunto: (...) as educadoras pensam muito na parte material... e acabam por esquecer essa parte do afecto que se deve ter num jardim escola... Hoje as educadoras são muito frias

(Rute, Anexo II).

Alcina está também atenta ao profissionalismo das colegas, dizendo peremptoriamente que não se identifica com a postura de algumas educadoras:

(...) épreciso ter muita paciência, porque ainda há muitas que batem... As crianças não podem payer barulho... Já ouvi falar em educadoras que trabalham em silêncio... Não percebo como conseguem payer isso! (Alcina, Anexo II).

Considerando os educadores portadores de identidades frágeis e estabelecendo as diferenças entre os educadores do passado e do presente, Ana refere que

(...) as educadoras, há uns quinye anos atrás..., eram vistas como guardadoras das crianças..., que fayiam coisas engraçadinhas e ... que não dignificavam muito o seu papel, pois fechavam-se em si próprias..., e ainda há muitos educadores desse género! (Ana, Anexo II).

EDUCADORAS DE INFÂNCIA: Identidades Profissionais em Re/construção

Estes sentimentos de critica e de descontinuidade que as entrevistadas expressam estar certamente na base de muitas reformulações da identidade profissional e de descoberta de caminhos a percorrer.