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IV. Construção social do problema e acessibilidade como um problema social

3. Identificação e definição do Problema

Em termos internacionais, actualmente, a génese das orientações destinadas às pessoas com incapacidades remete-nos para a década de 90, com as intervenções das Nações Unidas e da União Europeia no reconhecimento dos seus direitos.

Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) representa, igualmente, um interventor decisivo na consolidação e na operacionalização de iniciativas em prol das pessoas com mobilidade reduzida, concretamente com a criação da Classificação Internacional da Funcionalidade e Incapacidade (CIF), conhecida previamente como ICDH2, enquanto processo de avaliação do estatuto funcional da pessoa com incapacidades. Esta nova abordagem, veio revolucionar a percepção das implicações dos factores ambientais na participação social das pessoas portadoras de deficiência e, como tal, levou à tomada de consciência sobre a necessidade de tomar medidas políticas direccionadas para a promoção de meios acessíveis (OMS, 1980).

A CIF, baseada no modelo biopsicossocial, resulta numa abordagem sistémica do funcionamento humano, enquanto tentativa de integração do modelo médico e a interpretação sociopolítica do modelo social (Sousa, 2007:36). Esta classificação surge, portanto, como um modelo de entendimento comum do significado de deficiência e de incapacidade, baseado numa linguagem unificada e padronizada e numa estrutura de trabalho para a descrição da saúde e de estados relacionados com a saúde. Assim, esta classificação compreende um conjunto de aspectos médicos e sociais do fenómeno da deficiência e da incapacidade, provindas do entendimento de serem, não uma funcionalidade do indivíduo, mas antes o resultado da interacção das características do indivíduo com os factores ambientais (OMS, 2001).

A CIF pode ser aplicada na política social na medida em que constitui uma ferramenta de planificação de sistemas de segurança social, de sistemas de compensação de projectos e no desenvolvimento de políticas. Constitui um referencial passível de aplicação nos domínios da saúde, da educação e da formação, do trabalho, dos assuntos sociais, da inclusão social, dos transportes, das comunicações, do ambiente, da justiça e da equidade.

Em termos gerais, esta classificação reconhece o papel dos factores ambientais na funcionalidade de uma pessoa, o que desencadeia uma alteração no locus da problematização, do nível individual, para as influências ambientais.

No seio da União Europeia, é também na década de 90 e especialmente, no início do século XXI que se verifica a ocorrência de uma mudança na conceptualização dos modelos políticos e prático, em matérias relativas às pessoas portadoras de deficiência. Como tal, medidas como a Igualdade de oportunidades para as pessoas com deficiência, a criação do Fórum Europeu das Pessoas com Deficiência, enquanto órgão representante dos cidadãos europeus, as iniciativas e-Europe 2002 e e-Accessibility, a Estratégia de Emprego na Sociedade da Informação, o Plano de Acção Europeu para a Deficiência decorrente entre 2004-2010, entre outros, são exemplos que explanam essa mudança estratégica, no que concerne aos assuntos das pessoas portadoras de deficiência.

Em 2004, a Comissão Europeia, no âmbito da iniciativa “2010: Uma Europa Acessível a Todos”, proclama que a acessibilidade deve ser considerada de forma global e integrada em todos os domínios da acção política e deve concretizar-se em coordenação com todos os agentes envolvidos.

Um ambiente acessível constitui um fundamento da sociedade inclusiva, assente na igualdade de oportunidades. Importa, portanto, dotar todos os cidadãos de meios para a prossecução autónoma de uma vida económica e social activa.

Neste sentido, a acessibilidade consubstancia uma parte intrínseca do Disability Action Plan (DAP), em desenvolvimento com um horizonte temporal fixado para 2010 e cujo objectivo é envolver as questões relativas à deficiência nas políticas comunitárias relevantes e desenvolver acções concretas em áreas cruciais visando acelerar a integração das pessoas com deficiência (Comissão Europeia, 2007).

A análise da evolução da situação das pessoas com deficiência levou os Estados- membros a considerarem a acessibilidade como uma prioridade para a inclusão (mercado de trabalho, ensino, e em vários domínios da vida quotidiana) e no acesso aos direitos. Neste sentido, o DAP 2008 estabelece, como linha de prioridade, para os anos 2008 e 2009, a promoção da acessibilidade em todas as políticas (Comissão Europeia, 2007).

A diversidade histórica e cultural dos países-membros da UE converge para uma multiplicidade de circunstâncias das políticas de acessibilidade. Não obstante, todos os países tendem a obedecer às directivas comunitárias subordinados à mesma temática.

Assim Portugal, enquanto Estado membro, perante o dever de cumprir as directivas emanadas pelos Órgãos da União Europeia, vê-se obrigado a acompanhar esta corrente da mudança.

A participação social e política das pessoas com deficiência ou incapacidades, através das organizações governamentais de (e para as) pessoas com deficiência, representa um facto de grande importância na luta pelos seus interesses e pela garantia dos seus direitos. Assim, o aumento do movimento de associativismo das próprias pessoas com deficiência, dos seus familiares e dos seus representantes, constitui um facto preponderante na influência das representações sociais das suas efectivas necessidades, no despertar do público para a existência do problema, bem como na inclusão do problema na agenda política.

Neste sentido, este progressivo acréscimo da participação das pessoas com deficiência, conjugado com o crescimento da promoção e protecção dos direitos e da dignidade das pessoas, desencadeado pelas organizações internacionais e europeias, representam um decisivo contributo para a mudança nas últimas décadas.

As insuficiências da anterior legislação na resolução das lacunas da acessibilidade constituem, de igual modo, um facto de descontentamento e de tensão junto das autoridades governativas no sentido da rectificação da mesma.

Perante a definição do problema social, emerge um clima de inevitabilidade para a criação de uma nova lei de acessibilidade.