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VI. Política de Acessibilidade

1. Sobre o discurso e as práticas

O discurso político, enquanto face através da qual as políticas são percebidas, constitui um factor importante no processo de produção e de concretização de uma política. Aquele representa um elemento de construção e de previsão do devir social, a partir do qual se determinam comportamentos e ocorrências (Cardim, 2006:196).

Sendo a manifestação do que é prometido, o discurso político apresenta várias formas que importa analisar. Desta feita, prosseguiremos a análise do discurso político a partir do diploma legal.

Segundo o discurso oficial explanado no corpo introdutório da Lei da Acessibilidade, a acessibilidade apresenta-se como um elemento fundamental na promoção da qualidade de vida e bem-estar das pessoas, assumindo um meio indispensável para o exercício de direitos como membro de uma sociedade democrática.

Postula-se um contributo essencial para o reforço do laço social e para o aprofundamento da solidariedade no Estado Social de Direito, assente no humanismo da política social, eliminando os excessos, superação das incapacidades e neutralizando as resistências, para a construção de uma sociedade mais justa e mais solidária.

A eliminação das barreiras ambientais é entendida como condição imprescindível para garantir a participação cívica activa e integral das pessoas com necessidades especiais, bem como na consolidação e exequibilidade dos direitos de cidadania. Ou seja, uma condição basilar no exercício dos princípios de cidadania para as pessoas com necessidades especiais e para as pessoas com mobilidade condicionada, onde se inscrevem as pessoas em cadeira de rodas, as pessoas incapazes de andar ou que não conseguem percorrer grandes distâncias, as pessoas com dificuldades sensoriais, tais como as pessoas cegas ou surdas, e aquelas que se apresentam temporariamente condicionadas, como as grávidas, as crianças e os idosos.

O Programa do XVII Governo Constitucional inscreve, de igual modo, no seu programa, o combate e prevenção da exclusão social dos vários grupos minoritários da sociedade portuguesa, nos quais se incluem as pessoas com mobilidade condicionada. Deste modo, esta política constitui também um instrumento para a coesão social da sociedade portuguesa.

O governo enfatiza, as incumbências do Estado, salvaguardadas pela Constituição da República Portuguesa nos seus artigos 9.º e 13.º, na promoção do bem-estar e qualidade de vida da população e a igualdade real e jurídica, bem como no n.º2 do artigo 71.º onde é conjecturado a realização de uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias. Este artigo prevê ainda a prossecução de “uma pedagogia que sensibilize a sociedade para com eles” e assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais e tutores”.

O texto legal faz, ainda, referência a alínea d) do artigo 3.º das Bases Gerais do Regime Jurídico da Prevenção, Habitação, Reabilitação e participação da pessoa com deficiência (Lei n.º38/2004, de 18 de Agosto) onde é determinada “a promoção de uma sociedade para todos através da eliminação de barreiras e da adopção de medidas que visem a plena participação da pessoa com deficiência”. Aquela lei, define como grandes objectivos, no âmbito da promoção da igualdade de oportunidades, a promoção de oportunidades de educação, trabalho e formação ao longo da vida, a promoção do acesso a serviços de apoio e a promoção de uma sociedade para todos.

O Decreto-lei 163/06, de 8 de Agosto, define o regime de acessibilidade, não só para os edifícios e estabelecimentos abertos ao público e via pública, mas também para edifícios habitacionais. Foi aprovado decorridos oitos anos após a promulgação da anterior regulação normativa em matéria da acessibilidade, reconhecendo-se o seu insucesso e a inevitabilidade da rectificação do mesmo. Deste modo, o governo volta a prometer a criação de um instrumento para a construção de um sistema global, coerente e ordenado, em matéria da acessibilidade.

A constatação da insuficiência das soluções anteriormente apresentadas e a fraca eficácia sancionatória são razões alegadas pelo governo para justificar o insucesso do diploma

anterior. Neste sentido, é apresentada uma solução de continuidade com o anterior diploma, corrigindo as imperfeições a partir da:

1) Melhoria dos mecanismos fiscalizadores; 2) Apresentação uma maior eficácia sancionatória;

3) Elevação dos níveis de comunicação e de responsabilização dos agentes envolvidos;

4) Introdução de novas soluções consentâneas com a evolução técnica, social e legislativa.

Para o efeito, de acordo com o diploma, os decisores políticos apresentam as seguintes inovações:

1) Alargamento do âmbito de aplicação das normas técnicas de acessibilidade aos edifícios;

2) Introdução de mecanismo que visam evitar a construção de novas edificações não acessíveis;

3) No caso de não carecerem de qualquer licença ou autorização, proceder ao registo na Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais com a declaração de conformidade com a legislação;

4) Proceder ao licenciamento da obra apenas quando verificado o cumprimento das normas;

5) As câmaras municipais têm a obrigatoriedade de comunicar as situações de desconformes;

6) Indeferimento de todos os pedidos de licenciamento ou autorização de loteamento, urbanização, construção ou reconstrução ou alteração de edificações quando não respeitem as normas técnicas;

7) Criação de mecanismos mais exigentes a observar nos casos de excepção; 8) Aplicação de coimas mais elevadas, reforçando assim a co-actividade das

9) Concedimento de instrumentos de fiscalização e de imposição das normas, haja em vista a atribuição de um papel activo na defesa dos interesses acautelados aos cidadãos com deficiência e às organizações não governamentais representantes dos seus interesses;

10) Disponibilização de mecanismos de avaliação e acompanhamento da aplicação, bem como divulgação das informações recolhidas no terreno, decorrentes das fiscalizações para a Direcção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais.

Podemos ver reconhecidas, portanto, as garantias de cidadania e de igualdade de oportunidades como main stream de uma estratégia comunitária e nacional.

A validação destas garantias de cidadania e de igualdade de oportunidades defendidas nesta política, aferindo as discrepâncias entre as promessas oficiais e os discursos formais e a confirmação das práticas, constitui um dos objectivos em desenvolvimento, através da análise empírica no terreno, após realização de testes de viabilidade.