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O Idoso Dependente e o Idoso Independente: duas realidades a considerar no SAD

ENVELHECIMENTO E SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO

2. O Idoso Dependente e o Idoso Independente: duas realidades a considerar no SAD

“Os seres humanos são criaturas animais e têm as capacidades físicas necessárias à luta pela sobrevivência num mundo natural que é inóspito. Estas capacidades vão sendo perdidas à medida que a idade avança. Correr, ver e ouvir, estratégias essenciais de defesa, vão perdendo a eficiência quando a sobrevivência já não é biologicamente importante, ou seja depois da procriação que garante a manutenção da espécie. Direi que, na verdade, a natureza dá-nos as condições e capacidades para que consigamos procriar porque é a sobrevivência da espécie que a biologia protege e não a dos indivíduos que, em cada momento, a integram.” [77]

À medida que estas capacidades vão perdendo a sua eficácia em consequência do envelhecimento, a pessoa começa a aperceber-se de certas limitações que a impedem de realizar determinadas tarefas, e é nesta altura que se torna necessária a intervenção do SAD na vida de muitas destas pessoas.

O SAD enquanto resposta social para os problemas resultantes do envelhecimento é usufruído, maioritariamente, por pessoas que apresentam alguma limitação essencialmente física, relacionada com a saúde, traduzidas na dificuldade de realização de certas tarefas quotidianas, sendo que o motivo principal de recurso ao SAD é a dependência, seja ela em que grau for – “[…] las personas mayores son objeto de la atención del SAD como aquéllas que, en mayor o menor grado, son dependientes. [78]

Sobre isto, repare-se nos elementos conceptuais que já foram sendo abordados nestes últimos parágrafos. Para podermos aprofundar o conceito de dependência e independência, parece relevante analisarmos também conceitos adjacentes, tais como o de autonomia, e competência.

A Recomendação da Comissão dos Ministros da Comunidade Europeia aos Estados-Membros relativa à dependência, define-a como um:

77

Serrão, Daniel “O que se perde e o que se ganha com o avanço da idade”, Disponível em Rediteia, Porto: REAPN/Portugal, n.º 41 (Jan./Jun.), p. 18

78

Rodríguez, Pilar; Sánchez, Carmen (2000) “El Servicio de Ayuda a Domicilio – Programación del Servicio/ Manual de formación para auxiliares”, Barcelona: Panamerica, p. 38

“Estado em que se encontram as pessoas que, por razões ligadas à falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual, têm necessidade de uma assistência e/ou de ajudas importantes a fim de realizar os atos correntes da vida ou Atividades de Vida Diária. As «Atividades da Vida Diária» (AVD) e as «Atividades Instrumentais da Vida Diária» (AIVD) estão relacionadas com a capacidade de autonomia do indivíduo, não só ao nível dos autocuidados, como também na participação na sociedade enquanto cidadão de plenos direitos.” [79]

Para São José e Karin Wall [80] classificaram a dependência de acordo com a seguinte graduação: baixa, média e elevada. Para os autores, os idosos com baixa dependência possuem alguma autonomia relativamente à mobilidade e à realização das AVD, justificando-se, apenas, a existência de supervisão. Os idosos dependentes de grau médio, para além da supervisão, é acrescida a necessidade de um apoio no desempenho de algumas atividades diárias. Por último, aos idosos com elevada dependência está associado um apoio mais extensivo e intensivo, o que quer dizer, que “não têm capacidade para desempenhar um conjunto de tarefas «básicas»: são pessoas que estão acamadas ou que têm fortes restrições ao nível da mobilidade, tendo algumas delas outras incapacidades associadas como, por exemplo a diminuição de aptidões cognitivas e do controlo esfincteriano.”

Falar em competência associada ao processo de envelhecimento já significa falar num constructo complexo que se cruza com outros conceitos de âmbito geral, como capacidade, atividade ou sucesso:

“Se a definição genérica de competência equivale à faculdade que uma pessoa tem para resolver um assunto, em termos da psicologia dos idosos e do envelhecimento, a competência é definida como a capacidade do indivíduo para realizar adequadamente aquelas atividades habitualmente consideradas como essenciais para a existência, podendo assim ser tomada como sinónimo de autonomia.”[81]

79

In São José, José; Wall, Karin (2006) “Trabalhar e Cuidar de um Idoso Dependente: Problemas e Soluções”, Cadernos Sociedade e Trabalho VII – Proteção Social, MTSS/DGEEP, Lisboa Disponível em Carta Social (2009) “Rede de Serviços e Equipamentos”, p. 9

80 Idem 81

Pushkar, Arbuckle, Maas, Conway & Chaikelson (1997) Disponível em Fonseca, António Manuel (2006) “O Envelhecimento – Uma abordagem psicológica”, Lisboa: Universidade Católica Editora, p. 90

Balter & Baltes (1990) [82] explicaram que a competência da vida diária é descrita como o conjunto de competências para lidar com o dia-a-dia e que se estende a duas modalidades possíveis: (i) a competência básica, necessária para a manutenção de uma vida independente, que inclui atividades de rotina (cozinhar, vestir-se, cuidar de si próprio) e atividades instrumentais do quotidiano (compras, mobilidade), (ii) a competência alargada, a qual se refere a atividades determinadas pelas preferências individuais, motivações e interesses, incluindo as atividades de lazer.

Mas o que causa a dependência nos idosos? De que forma poderemos contribuir para o seu retardamento? Quando falamos de dependência nos idosos, referimo-nos portanto à capacidade funcional, isto é, ao facto de a pessoa carecer ou ter perdido a aptidão para a realização de alguma ou algumas atividades básicas/instrumentais da vida diária. Porém, a análise da capacidade funcional do idoso deve reger-se pela consideração de que “Há que encarar o fenómeno do envelhecimento segundo uma perspetiva de ciclo de vida, que reconheça que as pessoas idosas não são um grupo homogéneo e que a diversidade individual aumenta com a idade.” [83] Esta ideia encontra-se expressa na figura 8 [84] que indica que a capacidade funcional aumenta na infância, atinge o máximo no início da idade adulta e a determinada altura entra em declínio. O grau de declínio é determinado essencialmente por fatores relacionados com o estilo de vida, bem como com fatores externos sociais, ambientais e económicos.

Na sequência de um estudo longitudinal, Heikkinen (2000) não tem dúvidas em afirmar que “[…] a perda de qualidade de vida e o aparecimento de sintomas depressivos estão indissociavelmente ligados à menor capacidade (ou incapacidade total) para desempenhar tarefas do quotidiano. […]”[85] Isto é, à medida que envelhecemos, as mudanças físicas/corporais ocorrem

82

Fonseca, António Manuel (2006) “O Envelhecimento – uma abordagem psicológica”, Lisboa: Universidade Católica Editora, p. 92-93

83

Organização Mundial de Saúde (2007), “Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas – Envelhecimento e Ciclo de Vida, Saúde da Família e da Comunidade”, Disponível em

http://www.gulbenkian.pt/media/files/FTP_files/pdfs/PGDesenvolvimentoHumano/ProjIdosos_GuiaCidades2009.pdf, p.6 acedido em 17.03.2013

84

Anexo VI – Figura 8: Capacidade Funcional ao Longo da Vida, Fonte: Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas

85

In Fonseca, António Manuel (2006) “O Envelhecimento – uma abordagem psicológica”, Lisboa: Universidade Católica Editora, p. 96

gradualmente e esta mudança progressiva permite-nos sentimentos de alguma segurança e controlo. Mas à medida que vão acumulando os sintomas de perda de competências, é dificultada a tarefa de repensar o quotidiano em moldes nos quais não estávamos habituados a viver. Face a este contexto, a dependência poderá ser muitas vezes resultado do stress consequente de algumas modificações e limitações e não tanto da incapacidade, o que faz o indivíduo sentir-se dependente.

As alterações funcionais que decorrem do processo de envelhecimento, associadas à maior prevalência de doenças crónicas, podem efetivamente conduzir à deterioração da qualidade de vida do idoso. Nesta situação, as ações atempadas, assim como ambientes que contemplam as necessidades dos idosos, são indispensáveis para promover a independência e capacitar os idosos, limitados no seu dia-a-dia por incapacidades de vária ordem, para viverem uma integração plena nos múltiplos aspetos da vida social.

Assim, se por um lado a dependência implica insuficientes competências de realização face às atividades básicas de vida diária (ABVD) [86] e face às atividades instrumentais da vida diária (AIVD) [87], a independência segundo P. Fernandes “[…] significa alcançar um nível aceitável de satisfação das necessidades, através de ações adequadas que o indivíduo efetua por si mesmo, sem a ajuda de outra pessoa.” [88]

Já a autonomia foi definida por Ferrater Mora (1965), “como el hecho de que una realidade (o un individuo) esté regido por una ley propiá”. Podemos decidir, en nuestro caso, que una persona es autónoma cuando decide y conduce su vida por sí mesma, lo que es lo mismo que afirmam que se goza de autonomia cuando se actúa com libertad.” [89]

Da correta articulação dos conceitos de dependência, independência e autonomia, resulta que os idosos, embora sejam dependentes, não é por isso que devam deixar de ser autónomos. Nesta mesma perspetiva, um dos

86

As atividades básicas da vida diária (ABVD) estão relacionadas com a sobrevivência e o bem-estar, nomeadamente: alimentação, higiene pessoal, mobilidade funcional (movimentar-se de um lado para o outro durante as atividades do dia-a-dia), etc.

87

As atividades instrumentais da vida diária (AIVD) estão relacionadas com as atividades da vida diária em casa ou na comunidade e que exigem frequentemente interações mais complexas que as ABVD. São exemplo as compras, higiene habitacional, saúde (manutenção de rotinas saudáveis, por exemplo), gestão financeira, etc.

88

Fernandes, Purificação (2002) “A Depressão no Idoso”, Coimbra:Quarteto Editora, p. 49 89

Rodríguez, Pilar; Sánchez, Carmen (2000) “El Servicio de Ayuda a Domicilio – Programación del Servicio/ Manual de formación para auxiliares”, Barcelona: Panamerica, p. 39

objetivos do SAD é a preservação e o reforço da autonomia pessoal – “Las tareas de prestación de servicios y cuidados deber ir dirigidas a apoyar los recursos propios del individuo y a compensar sus limitaciones funcionales. Pero estas actividades de ayuda o de suplência para determinadas dependências son diferentes del apoyo a la autonomia, aunque, sin duda, resolver o aliviar determinadas dependências puede influir decisivamente en el incremento de la autonomia. […]” [90] Por vezes, a garantia de um suporte familiar presente, de uma equipa profissional dedicada, é o bastante para reacender a autoestima e a confiança do idoso e assim trabalhar a dependência e o (re)alcance ou manutenção da autonomia como um desafio a ser mais facilmente ultrapassado.

Em consonância com o se acabou de citar, o que o SAD deve fazer, se cumprir bem as suas funções, é ter sempre bem presente na sua ação dois aspetos importantes: (i) a dependência, cujo objetivo é aliviar a debilidade ou as perdas de funções que o destinatário da ajuda apresenta; ajudá-lo nas suas dificuldades, fazendo com a pessoa o que esta pode fazer com as suas limitações, ou realizando integralmente aquelas atividades que lhe sejam impossíveis; (ii) no que diz respeito à autonomia, trata-se de reforçar a autoestima e respeitar a vontade do idoso, para que este possa decidir livremente sobre a sua vida (ter em conta as suas opiniões e desejos, respeito pela sua intimidade, estimulação das suas capacidades de decisão, de criatividade, etc.).

90