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Pressupostos do SAD: Prevenção, Reabilitação e Promoção da Autonomia

Evolução das Políticas Sociais em Portugal 1971 1982 1991 1999 2002

4. O Serviço de Apoio Domiciliário no contexto da Rede Social

5.1. Pressupostos do SAD: Prevenção, Reabilitação e Promoção da Autonomia

«O segredo de um envelhecimento bem-sucedido é a forma como se prepara a velhice, pois os comportamentos adotados ao longo da vida refletir-se-ão na fase final desta, mas nem sempre a participação ativa dos mais velhos tem estado na ordem dos trabalhos.» [62]

Os serviços de apoio domiciliário assumem-se numa perspetiva de descentralização no sentido em que pretendem ser uma resposta que ultrapasse as paredes institucionais. Porém, e de um ponto de vista pessoal, assiste-se, pelo contrário, a uma tendência de proceder a uma transferência de modelos de intervenção – dos Centros para os Domicílios – ignorando ou desvalorizando as particularidades reais desta resposta social. Isto é, por uma questão de facilidades, não se está a tirar partido desta característica de descentralização tão importante na esfera das redes sociais em Portugal, reduzindo as multifacetadas virtualidades do SAD a um modelo único de intervenção. Os cuidados são realizados de facto no domicílio das pessoas requerentes, mas a isto podemos chamar transferência de serviços e não de descentralização – As refeições são confecionadas no Centro Institucional que por norma são Lares e distribuídas/transferidas para os domicílios; as colaboradoras de limpezas do Lar são transferidas para os domicílios para prestar todos os cuidados de higiene habitacional regulamentados; o mesmo acontece na higiene pessoal, em que as colaboradoras responsáveis por estas funções no Lar, transferem as suas competências nesta matéria para os domicílios, etc. É verdade que a descentralização existe nestes procedimentos, mas isto não é nada mais nada menos do que uma descentralização aparente ou, melhor dizendo, mitigada, em que na realidade ao que se assiste é à transferência de serviços assistencialistas do Lar para o domicilio, e apenas

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isto, restringindo-se, assim, as potencialidades do Serviço de Apoio Domiciliário.

Se a «arquitetura» teórica que inspirou o SAD traz inovação no que se refere à prestação de respostas que não se limitam à manutenção e subsistência mas também à autonomia e qualidade de vida, então porque há este desfasamento entre o que se idealizou e o que faz?

Como nasceu esta resposta social? Quando a pensamos em termos históricos, constatamos que ela nasce de uma velha tradição da ação social. Mais concretamente, Jean-Jacques Amyot destaca que:

“No decurso do século XVI, o do apogeu do enclausuramento e da criação dos hospitais gerais para os indigentes, uma conta corrente toma forma para defender a permanência dos pobres no domicílio. […] Num outro registo, mas na mesma época e no âmbito de outros modelos, vão ser desenvolvidas as formas de ajuda no domicílio. Primeiro com recurso a religiosas que se consagram às tarefas domésticas quotidianas nas famílias do povo; em seguida, a partir dos anos 40, através dos movimentos familiares populares de serviços de apoio à família.” [63]

Atualmente, e devido às diferentes alterações que se têm verificado nas sociedades, constata-se uma viragem de orientação e de desenvolvimento das formas de apoio no domicílio, que faz com que o domicílio se torne cada vez mais num recurso. Da evolução histórica da rede de serviços sociais para idosos, conclui-se que se tem dado na última década especial ênfase a estas políticas sociais que privilegiam a manutenção da pessoa idosa no seu quadro habitacional; e mais do que uma manutenção da subsistência, procuram a autonomia e a qualidade de vida.

De acordo com a evolução das respostas sociais para as Pessoas Idosas, os dados representados são tanto mais evidentes se os compararmos com os restantes equipamentos sociais de apoio a idosos. Já desde 2000 que os Serviços de Apoio Domiciliário estão em vantagem a nível de valores, concluindo que há 11 anos, pelo menos, esta resposta social é opção de eleição para muitos idosos. [64]

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Disponível em Chopart, Jean-Noel (2003) “Os Novos Desafios do Trabalho Social”, Porto: Porto Editora, p. 122 64

Anexo V – Figura 7: Evolução das Respostas Sociais, Fonte: Carta Social - Rede de Serviços e Equipamentos (Relatório 2011)

Segundo o Protocolo de Cooperação entre o Ministério da Solidariedade Social e a Segurança Social [ 65 ], o Serviço de Apoio Domiciliário inclui os serviços para a satisfação das necessidades físicas e psicossociais das pessoas e/ou a realização de atividades instrumentais da vida diária, com um mínimo de dois dos serviços considerados indispensáveis. Ainda de acordo com o mesmo Protocolo, o SAD deve reunir condições para prestar quatro dos seguintes serviços: (i) Higiene pessoal, (ii) Higiene habitacional, (iii) Alimentação, (iv) Tratamento de roupas, (v) Serviço de teleassistência e (vi) Serviço de animação/socialização que abrange, no mínimo, quatro atividades semanais que podem variar entre animação, lazer, aquisição de bens e de géneros alimentícios, pagamento de serviços e deslocação a entidades da comunidade.

Indo à etiologia da palavra, o conceito de Serviço de Apoio Domiciliário assume uma dupla vertente: por um lado, é um serviço que procura prevenir situações de dependência e respetiva perda de autonomia – «care»; por outro, assume-se como reabilitador, na medida em que procura estimular o treino de competências e capacidades para a vida diária e por intensificar os laços com a rede social – «cure».

Segundo a definição contemplada pelo Instituto da Segurança Social: “Os SAD caracterizam-se como sendo uma resposta social para indivíduos e famílias, prioritariamente, pessoas idosas, pessoas com deficiência e pessoas em situação de dependência, desenvolvida a partir de um equipamento que consiste na prestação de cuidados individualizados e personalizados no domicílio, de carácter preventivo e reabilitador, a indivíduos e famílias quando, por motivo de doença, deficiência ou outro impedimento, não possam assegurar temporária ou permanentemente, a satisfação das necessidades básicas e/ou as atividades da vida diária.” [66]

Para que esta definição seja vista através de uma perspetiva prática, os SAD baseiam a sua ação nos seguintes objetivos [67]: (i) Contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e famílias; (ii) Garantir a prestação de cuidados de ordem física e apoio psicossocial aos indivíduos e

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Disponível em Ministério da Solidariedade e da Segurança Social (2012-2013), p. 10 acedido em 12.09.2013 66

Disponível em http://www4.seg-social.pt/idosos acedido em 12.09.2013 67

Decreto Lei n.º 133-A/97, de 30 de Maio Disponível em http://www4.seg- social.pt/documents/10152/101064/DESP_NORM_8_2002 acedido em 12.09.2013

famílias, contribuindo para o seu equilíbrio e bem-estar; (iii) Apoiar os indivíduos e famílias na satisfação das necessidades básicas e atividades da vida diária; (iv) Criar condições que permitam preservar e incentivar as relações interfamiliares; (v) Colaborar e/ou assegurar o acesso à prestação de cuidados de saúde; (vi) Contribuir para retardar ou evitar a institucionalização; (vii) Prevenir situações de dependência, promovendo a autonomia.

Trigueros e Mondragón (2002) [ 68 ] fazem uma avaliação das funcionalidades do apoio domiciliário, concluindo que o apoio domiciliário tem quatro grupos de funções: (i) assistenciais, (ii) preventivas, (iii) reabilitadoras e (iv) educativas. As funções assistenciais cobrem a assistência às pessoas, famílias ou coletivos que necessitam do apoio domiciliário para poder subsistir, e/ou ajuda para superar um momento de crise ou conflito. Atuam sobre a necessidade de limpeza, preparação de alimentos e cuidados pessoais e do domicílio. As preventivas, reabilitadoras e educativas, por um lado, procuram prevenir situações de carências que aumentam o risco de perda de independência: criação de hábitos saudáveis; prevenção de quedas; reforço dos vínculos familiares e sociais. Por outro lado, pretende-se recuperar as capacidades funcionais perdidas ou em vias de se perderem, mediante o treino de habilidades para atividades da vida diária, tais como vestir, andar, cuidar-se/assear-se, etc.

Mas apesar destes benefícios que os atuais serviços de apoio domiciliário têm proporcionado às populações, aumentando a sua cobertura a nível nacional, existem ainda um conjunto de constrangimentos que têm limitado a qualidade dos serviços - “Sendo distinto das demais respostas, o SAD carece de novos dinamismos que o projetem para o surgimento de conteúdos menos homogéneos, mais flexíveis e diversificados.” [69]Deste modo, e na perspetiva prática dos SAD, às suas funções assistenciais deveriam também praticar-se as preventivas, reabilitadoras e educativas. Os SAD devem ser concebidos em função da intervenção precoce, na base da flexibilidade e da intersetorialidade necessárias, garantindo assim uma ação preventiva de

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Martín, Inácio; Gonçalves, Daniela; Guedes, Joana; Pinto, Fernando; Fonseca, António Manuel (2006) “Políticas Sociais para a Terceira Idade em Portugal”, Lisboa: Edições Piaget, p. 29

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Quaresma, Maria de Lourdes (1999) “Os Direitos das Pessoas Idosas – Da Ajuda Domiciliária à Intervenção Integrada”, Lisboa: Direcção Geral de Acção Social – Núcleo de Documentação Técnica e Divulgação, p. 18-23

inestimável importância na autonomia das pessoas idosas, e não intervir principalmente sobre estados graves de dependência, para que se venha a dar credibilidade ao estatuto da palavra «care» definida anteriormente. Esta visão traz, sobretudo, uma mudança de paradigma, pois quebra com a intervenção que apenas procura responder às necessidades básicas de higiene, saúde e alimentação, as chamadas funções assistencialistas – “La atención domiciliaria no debe ser entendida como un conjunto de prestaciones a aplicar, sino como un programa articulado que há de ser flexible y, por tanto, adaptado a cada caso particular.” [ 70 ] O protocolo não restringe serviços; é sempre possível acrescentar. O SAD tem é que ser uma resposta adequada ao meio.

Portanto, a ênfase nas medidas reparadoras não deve ser subestimada, nem o investimento na prevenção das doenças, das incapacidades e da perda das competências - “A promoção de medidas que favoreçam a autonomia e a iniciativa individual é, para Walker, uma estratégia a implementar numa lógica de parceria entre o cidadão e a sociedade, na partilha das responsabilidades e no respeito pelos direitos sociais que cabe à sociedade garantir de forma inequívoca.” [71]

Há que envolver no funcionamento do SAD um processo de manutenção de capacidades, quaisquer que elas sejam, desde as meramente funcionais, até às basicamente sensoriais, através da exploração do potencial existente, e promovendo a capacidade de criar objetivos individuais, em aspetos que poderão inicialmente ser associados à manutenção de práticas quotidianas, de modo a que o sujeito possa manter e/ou melhorar o seu funcionamento, criando assim espaço para a manutenção da autonomia através da ênfase na privacidade e com a pretensão de poder vir a ser cada vez melhor.

Para tal, há que ter em conta alguns aspetos, como: (i) Enquadrar a pessoa face às suas características e face ao meio em que está inserida; (ii) Perceber o grau de autonomia da pessoa e quando possível, ajudá-la a considerar o seu estado, não como fator limitativo, mas antes como potenciador da realização de tarefas que de outro modo não concretizaria; (iii)

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Rodríguez, Pilar; Sánchez, Carmen (2000) “El Servicio de Ayuda a Domicilio – Programacion del servicio manual de formacion para auxiliares”, Barcelona: Panamerica, p. 20

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Quaresma, Maria de Lourdes (2008) “Questões do Envelhecimento nas Sociedades Contemporâneas”, Revista Kairós, 11(2), Dezembro 28, p. 21

Perspetivar com a pessoa os seus gostos pessoais e encontrar tarefas que possam ir ao encontro dos mesmos, potenciar na pessoa um processo de evolução ou manutenção das suas capacidades atuais; (iv) Encontrar com a pessoa alternativas para a realização de tarefas, que apesar de serem indicadas para aquela pessoa, possam não surtir o efeito desejado.

Para a concretização de um processo como o que temos tentado descrever, a ligação da pessoa à realização das suas tarefas individuais parece ser o ponto de partida para toda a atividade. Através da ligação da pessoa à realização das suas tarefas individuais e da concretização (em muitos casos apoiada) de tarefas quotidianas, permite-se a manutenção da ligação ao real, permitindo igualmente que a pessoa não perca a sua capacidade de realização, ao mesmo tempo que se estimula sentimentos de segurança, confiança e autonomia.

CAPÍTULO III –

ENVELHECIMENTO E SERVIÇO DE APOIO