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3. NORMA GERAL ANTIELISIVA E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

3.2 Dos princípios constitucionais

3.2.2 Igualdade e Capacidade contributiva

A noção do princípio constitucional da igualdade encontra significação na máxima de Aristóteles, difundida por Ruy Barbosa, ao dizer que “a igualdade consiste em aquinhoar os iguais igualmente e os desiguais na medida de sua desigualdade”. 81

Uadi Lammêgo Bulos, comentando o artigo 5º da Constituição Federal, assim resume o significado e alcance do princípio da igualdade:

Os homens nunca foram iguais e jamais o serão no plano terreno. A desigualdade é própria da condição humana. Por possuírem origem diversa, posição social peculiar, é impossível afirmar-se que o homem é totalmente idêntico ao seu semelhante em direitos, obrigações, faculdades e ônus. Daí se buscar uma igualdade proporcional, porque não se pode tratar igualmente situações provenientes de fatos desiguais. O raciocínio que orienta a compreensão do princípio da isonomia tem sentido objetivo: aquinhoar igualmente os iguais e desigualmente as situações desiguais. 82

Assim, o princípio da isonomia albergado pela Constituição de 1988 prega o tratamento idêntico de todos os cidadãos pela lei de acordo com os demais princípios adotados pelo ordenamento jurídico. Busca-se a vedação à promoção de discriminações arbitrárias, cujo elemento diferenciador no tratamento de relações não tenha como escopo a realização da Justiça, ou seja, tratando desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. Complementando a amplitude do princípio da igualdade, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que “a fortiori todos são iguais perante a Administração e seus atos, uma vez que esta nada mais faz senão agir na conformidade das leis”. 83

O princípio da igualdade tem uma finalidade limitadora dividida em três facetas, quais sejam limitar a atuação do legislador enquanto editor de normas, impedindo a edição de leis que criem diferenciações arbitrárias, sem um motivo justo nos moldes constitucionais;

81 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 118. 82 Idem. Ibidem. p. 120.

limitar a atuação da autoridade administrativa para que interprete e aplique as leis no caso concreto de forma homogênea; e, finalmente, limitar as ações do particular no sentido de proibir condutas discriminatórias e racistas, sob pena de responsabilização civil e penal.

Além de estar disposto no caput do artigo 5º da Carta Magna84, o princípio em comento foi igualmente previsto no inciso II do artigo 150 da Lei Maior para tratar especificamente da matéria tributária, ao dispor in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;

Ressalte-se que o tratamento igualitário dos contribuintes mencionado no dispositivo legal supracitado não é absoluto, pois a própria Constituição traz exceções a essa regra que são as chamadas imunidades tributárias, situações eleitas pelo constituinte originário como singulares e necessitadas de uma regulação diferenciada, como é o caso da imunidade recíproca entre os entes políticos da Federação. Da mesma forma, as pessoas políticas podem editar leis de isenção em relação aos tributos de sua competência, desde que o tratamento favorecido seja baseado em fatores objetivos.

Instrumento do legislador para a concretização da isonomia, o principio da capacidade contributiva expressa a noção de divisão do custeio da sociedade de acordo com as posses de cada contribuinte, ou seja, o ônus tributário deve ser igualmente distribuído, observando-se a capacidade econômica dos cidadãos para evitar-se injustiças. Sobre a importância desse princípio para a concretização da justiça fiscal, escreve André Luiz Carvalho Estrella:

Essa distribuição igualitária do ônus permitiria a concretização da justiça distributiva, balizada pela idéia da igualdade. O escalonamento da tributação far-se- ia de forma que começasse além do mínimo necessário à existência humana digna e terminasse aquém do limite destruidor da propriedade. Dessa maneira, a igualdade que permeia tanto a capacidade contributiva quanto a legalidade tributária adequaria a sobrevivência pacífica e vitalizante da justiça fiscal com a segurança jurídica. 85

84 Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos

estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

A concretização da capacidade contributiva, segundo Ricardo Lobo Torres, passa pela prática de subprincípios que operacionalizarão a tributação equitativa. São eles: a progressividade, ao aplicar uma maior alíquota aos casos de maior base de cálculo; a proporcionalidade, varia-se a base de cálculo, mantendo-se, no entanto, o valor da alíquota; a personalização, jungindo-se a tributação às condições pessoais do contribuinte, nos termos do artigo 145 da Constituição; a seletividade, quando o tributo incidirá na razão inversa à essencialidade do produto; e a neutralidade, para impedir que o valor pago pelos tributos não gere distorções nos preços praticados no mercado. 86

Os dois princípios sucintamente explanados são utilizados pela doutrina que defende a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN como norma geral antielisiva. Para os adeptos dessa corrente, a liberdade dos contribuintes de organizarem seus negócios jurídicos na busca da não-incidência tributária não é um direito absoluto, mas seria limitado pelos princípios da igualdade e da capacidade contributiva. Assim, os atos praticados pelo contribuinte com abuso de direito não serão oponíveis ao Fisco que poderá taxá-los, independentemente de serem válidos juridicamente. Esse é o posicionamento defendido por Marco Aurélio Greco e Hermes Marcelo Huck, para o qual:

(...) somente haverá isonomia tributária se todos os que se encontrarem na mesma condição forem chamados a suportar carga fiscal idêntica. Se, com igual capacidade contributiva, um contribuinte, pela manipulação de formas jurídicas, puder fugir ao imposto, estará sendo comprometido o princípio da igualdade, princípio esse que deve ser visto dentro do mesmo quadro de importância que o da proteção da proporcionalidade e da segurança jurídica. Quando o processo elisivo, mediante o abuso de formas, inibe a eficácia da norma tributária, está a um só tempo inibindo a plenitude dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia. Os atos dos particulares, mesmo que juridicamente válidos, não serão oponíveis ao Fisco quando frutos de um uso abusivo do direito de auto-organização, comprometendo a aplicação e a eficácia dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia fiscal.

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Entretanto, como visto no subitem deste capítulo que trata da teoria do abuso de direito, os defensores dessa idéia deturpam o verdadeiro significado dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia, utilizando-os para exigir tributo cujo fato gerador não esteja tipificado o que, em última análise, é a aplicação da analogia para exigir tributo, conduta expressamente proibida pelo Código Tributário Nacional. Portanto, conclui-se que a

86 TORRES, Ricardo Lobo apud ESTRELLA, André Luiz Carvalho. Ibidem, p. 225. 87 HUCK, Hermes Marcelo apud Miguel Delgado Gutierrez. op. cit., 2006, p. 204.

utilização dessa doutrina é um equívoco e deve ser eliminada do direito tributário, para que seja garantida a segurança jurídica no ordenamento brasileiro.

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